Por Reinaldo Azevedo
Há dois meses estudantes liderados pela extrema-esquerda chilena, disfarçados de geração Facebook – gente que só estaria querendo se expressar… – promove o caos na educação do país. Ganharam a adesão de sindicatos de professores, de mineiros e por aí vai. O que é mais notável nisso tudo? A economia não piorou sob o governo do “direitista” Sebastián Piñera, e as regras vigentes na educação são as mesmas que vigoravam durante os sucessivos governos socialistas pós-democratização. O Chile segue sendo um dos países mais organizados do continente. Então o que mudou?
Há um governo “de direita” no país, eleito democraticamente, segundo a vontade da maioria da população, e isso as esquerdas, “democraticamente”, não aceitam. E qual é a forma que têm de expressar o seu descontentamento? Invadindo universidades, tomando emissoras de televisão, promovendo quebra-quebra, incentivando o confronto com a polícia. É preciso demonstrar que Piñera lidera um governo que “bate em trabalhadores e estudantes” – um legítimo herdeiro de… Pinochet! Há a firme determinação de inviabilizar sua administração, empurrando-o para a defensiva. O Chile não tem reeleição, e o mandato é de apenas quatro anos. Se uma coalizão de esquerda vencer a próxima disputa, o ânimo contestador arrefece. O objetivo é demonstrar que “a direita” pode até disputar eleição, mas não ganhar.
De Santiago, vamos a Londres e outras cidades da Inglaterra. Vândalos tomam as ruas, roubam as pessoas à luz do dia, incendeiam carros e prédios, depredam estabelecimentos comerciais, espalham o pânico e o caos. E isso acontece justamente na mais cosmopolita das capitais européias, a mais tolerante, a mais multiculturalista. O que eles querem? A vigarice sociológica tenta entender e justificar o suposto mal-estar: bolsões de pobreza, falta de perspectiva para a juventude, uma Europa estagnada… Na Paris de 2005, falavam-se as mesmas porcarias – um dos jornais que viam uma causa social de fundo no caos era o… Guardian!
Há um fenômeno curioso em curso. Aqui e ali, os ditos “jovens” pretendem brincar de “Praça Tahir”, uma alusão ao local que virou símbolo da derrubada do governo de Hosni Mubarak, no Egito. Ora, aquele país era – é ainda! – uma ditadura. O mesmo se diga das demais nações árabes que assistiram ou assistem ao levante da população. Eu estou entre os céticos, como sabem. Infelizmente, não creio que seja exatamente democracia o que se pede nessas nações. De todo modo, o povo vai à rua, morre e mata no confronto com uma tirania. São sociedades que não estabeleceram canais institucionais para a expressão das diversas vontades. Se a resistência se organiza, o único caminho é a violência.
Chile e Grã-Bretanha são democracias representativas sólidas. As instituições funcionam. O sistema oferece os canais para a intervenção da população nos destinos do país. Ocorre que há certa esfera de especulação contra a ordem democrática mundo afora – e a imprensa ocidental, o que é patético, tem tratado com indiscreta simpatia esses “movimentos” porque vê neles um suposto frescor juvenil, oposto às instituições que estariam carcomidas pelo velho jogo de interesses da política tradicional.
Ocorre que é justamente a “velha ordem democrática” que guarda os fundamentos dos direitos individuais, da liberdade de expressão, do respeito ao outro, das garantias contra o arbítrio do estado. Autoritários de diversos matizes – fascistas de esquerda ou de direita – sabem que esse regime é seu pior inimigo. Ora, se são obrigados a se organizar, a dizer com clareza o que pretendem, a ter o aval de milhares ou de milhões de pessoas para que possam ver aprovada a sua agenda, o mais provável é que sejam derrotados pela maioria. Então tentam se impor pela violência. E tratam governos eleitos democraticamente como se fossem uma ditadura de Mubarak ou de Bashar Al Assad.
Notem bem: não vejo o risco de o baguncismo de Londres ou se Santiago se espalhar, numa espécie de grande Internacional da desordem ou coisa assim. Meu ponto é outro. Incomoda-me é o esforço dos ditos bem-pensantes para “entender” e, às vezes, justificar ações fascistóides, autoritárias, que agridem direitos fundamentais dos indivíduos – no Chile ou na Inglaterra, ainda que com graus distintos de violência. Incomoda-me que o exercício pleno da democracia – a exemplo do debate havido no Congresso americano sobre a ampliação do limite da dívida – seja tratado como matéria de lesa democracia porque, afinal, “a direita republicana” está se comportando como… direita republicana, ora essa! Lá chegou ungida pelo voto e se comporta nos limites da Constituição!
É muito próprio do fascismo de esquerda antepor intenções a fatos – ou por outra: usar os belos propósitos (justiça, igualdade, direito à contestação) para justificar a violência e a transgressão das normais pactuadas. Não, senhores! Não há nada de novo ou de juvenil na violência contra a ordem democrática. Isso é tão velho quanto, sei lá, a Berlim de 1930.
Como resolver? Há que se dar aos vândalos de Santiago ou de Londres – ainda que aparentemente distintos, mas iguais em essência – aquilo que faltou dar com a devida energia à súcia da velha Berlim: a democracia de uniforme, também chamada “polícia”. Que o cassetete democrático cante no lombo da canalha que quer se impor pela força. Não que eu nutra hoje grande simpatia pela figura, mas Nicolas Sakozy, então ministro do Interior, viu a violência explodir em Paris em 2005. Ele ofereceu aos “revoltosos” o que a população francesa pedia democraticamente que oferecesse: imposição da ordem. Foi eleito presidente.