A chanceler federal alemã, Angela Merkel, enviou um claro recado ao Reino Unido nesta terça-feira (28/06), em declaração de governo perante o Bundestag (Parlamento), em Berlim.
Segundo ela, o governo alemão vai assegurar que as negociações para a separação não se darão segundo o princípio "selecionar apenas o que convém". Segundo ela, deve existir uma diferença sensível entre os países que optam pela União Europeia (UE) e os que preferem ficar de fora.
Merkel alertou que quem deseja sair da "família europeia" não pode esperar se livrar de todas as obrigações e manter apenas os privilégios. "Quem quer acesso ao mercado comum europeu tem que aceitar todas as obrigações", afirmou. Estas incluem a livre circulação de trabalhadores, um dos principais tópicos da campanha pró-Brexit no Reino Unido.
"Acesso ao mercado comum europeu consegue aquele que aceita as quatro liberdades fundamentais europeias: a de pessoas, de mercadorias, de serviços e de capital", afirmou. "A Noruega não é membro da União Europeia e tem acesso ao mercado comum porque aceita a livre circulação de pessoas", disse a chanceler.
Ela também reiterou que não haverá negociações, formais ou informais, enquanto o Reino Unido não ativar o artigo 50º do Tratado de Lisboa.
Merkel também destacou as boas relações com o Reino Unido e disse que as negociações para a separação devem ocorrer num clima cordial, pois os britânicos continuam sendo parceiros em diversas instituições, como a Otan.
Para Merkel, a União Europeia é forte o suficiente para continuar sem o Reino Unido e também forte o suficiente para ser bem-sucedida na defesa de seus interesses.
O discurso da chanceler federal foi constantemente interrompido por aplausos dos deputados, incluindo a oposição.
"A Europa tem que mudar", afirma eurodeputado
Guy Verhofstadt, de 63 anos, é líder da bancada Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa no Parlamento Europeu. Entre 1999 e 2008, ele foi primeiro-ministro da Bélgica. Em entrevista à DW, Verhofstadt diz que Brexit é um sinar de que a União Europeia precisa mudar para lidar com os problemas que realmente afligem os cidadãos do bloco, como desemprego, segurança e imigração. "Não podemos simplesmente dizer, 'os britânicos se vão e continuaremos fazendo tudo como sempre'", afirma.
DW: O senhor diz que os britânicos não votaram contra a Europa, mas contra a União Europeia. O que vai mal na UE?
Guy Verhofstadt: A União Europeia é uma confederação de Estados nacionais que devem decidir por unanimidade, que agem sempre muito pouco e tarde demais. Esse é o problema. Vimos isso quando tentamos lidar com a crise de refugiados, crises geopolíticas e também com a crise do euro. Isso não pode funcionar mais dessa forma. Não temos mais uma união que pode dar respostas eficazes aos desafios. Acredito que isso leva a que a UE seja, em alguns países, rejeitada pelo povo.
E uma integração mais profunda é realmente a resposta?
A minha resposta não é mais integração, pelo menos, não este tipo de integração. O que temos é, de fato, uma confederação. Este é exatamente o oposto do que precisamos. Precisamos, por exemplo, de um pequeno governo europeu. Não precisamos de uma Comissão Europeia, com 28 comissários, só porque temos 28 Estados-membros. Precisamos de um governo para a economia da zona euro.
Nós precisamos, para dar outro exemplo, de uma guarda costeira europeia e uma guarda de fronteira, porque temos uma área comum de Schengen. Precisamos de uma defesa comum, senão não podemos fazer uma política externa comum para enfrentar os desafios geopolíticos. Então, isso é que é importante. Se isso não acontecer, então veremos cada vez mais referendos em todos os cantos da Europa que rejeitarão a Europa.
Mas, nesse caso, os Estados-membros não teriam de abrir mão ainda mais de sua soberania e conceder poderes às instituições centrais em Bruxelas?
Não, esses não são os problemas que realmente afetam os cidadãos. Os cidadãos não querem saber de subsidiariedade, soberania e integração, porque talvez nem sequer entendam do que se trata. Eles se preocupam com uma União Europeia que lide com os problemas específicos deles, seja o desemprego, a política de segurança ou uma justa política de imigração. Agora eles veem que a UE não consegue lidar com isso.
E não é de se admirar que ela não consiga, pois ela é uma confederação baseada na unanimidade. Veja os Estados Unidos. Eles reagiram rapidamente na crise financeira para sanear seus bancos. Em nove meses, conseguiram fazer tudo. Nós ainda estamos lidando com as consequências da crise financeira, que ocorreu já sete ou oito anos atrás. Esse é o problema. Temos que fazer o que é realmente necessário. Não podemos simplesmente dizer, "os britânicos se vão e continuaremos fazendo tudo como sempre".