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GILMAR MENDES – Com Dilma o Brasil não tinha governo


Débora Bergamasco

 
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, quer aproveitar seu mandato na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, assumido há três semanas, para discutir uma reforma política no Brasil. Ele acredita que, sem ela, casos de corrupção como o do Petrolão podem continuar levando o País a “uma democracia falseada” onde, segundo ele, “só uma força política cria condições de disputar e ganhar as eleições”.

Mendes explica, numa referência clara ao PT: “Porque só ela disporia de recurso. Esse era o modelo desenhado a partir da apropriação das empresas e do modelo de governança que se instalou e se desenvolveu em relação a empresas estatais como a Petrobras”, afirmou. Segundo o ministro, o discurso de que “a Petrobras é nossa”, entoado por partidos ligados ao governo, permitiria outra leitura: “A Petrobras é ‘nossa’? ‘Nossa’ quem, cara pálida?”. Para Gilmar Mendes, a resposta encerra o óbvio ululante: “’Nossa’, do partido (PT), e nós podemos nos apropriar da Petrobras”.

ISTOÉ – Advogados do PT pretendem entrar com arguição de suspeição contra o sr. em processos que envolvam qualquer tema relacionado ao PT, à presidente afastada Dilma Rousseff e ao ex-presidente Lula. Eles estão fazendo um levantamento de suas manifestações, declarações e votos.

Gilmar Mendes – Não estou muito preocupado com isso, não. O Supremo Tribunal Federal hoje é composto por 11 ministros. A presidente Dilma até fez uma declaração esses dias dizendo que o Tribunal era composto por 12 ministros, mas são 11 e há muito tempo, né? Desses, oito foram indicados pelo governo do PT. Seriam eles todos suspeitos?

ISTOÉ – O argumento é o de que seu posicionamento seria muito crítico aos desmandos do PT…

Mendes – Eu tenho criticado os desmandos da política, inclusive no meu discurso de posse eu ressaltei os graves problemas com os quais nós estamos nos acostumando e que distorcem profundamente a luta política e a própria democracia. Não faço distinção de forças partidárias. É notório que empresas estatais, como a Petrobras, foram utilizadas por partidos que estavam no governo para fins extravagantes. Isso precisa ser reprimido, censurado, criticado e desse ponto não me afasto.

ISTOÉ – Como resolver isso?

Mendes – Sou uma das vozes que se levanta em prol da necessidade urgente de uma reforma política, para evitar a repetição dessa situação. Se esse quadro tivesse se perpetuado, muito provavelmente nós estaríamos muito próximos de um modelo de uma democracia totalmente falseada. Em que só uma força política cria condições de disputar e ganhar as eleições, porque só ela disporia de recurso. Esse era o modelo desenhado a partir da apropriação das empresas e do modelo de governança que se instalou e se desenvolveu em relação a empresas estatais como a Petrobras. 

ISTOÉ – O sr. está dizendo que, até pouco antes da Lava Jato, vivíamos em uma democracia falseada?

Mendes – O País tem uma economia complexa, diversificada, o que dificulta a submissão da sociedade às determinações de uma dada força política e, portanto, isso não ocorreu. Temos o exemplo da força do agronegócio, em que há uma livre iniciativa forte. Mas houve um tipo de estatização da economia em relação à construção.

Só construíram as empresas que estivessem vinculadas a dado objetivo partidário. Instalou-se um tipo de capitalismo de partido e foi isso que observamos pelos casos que as investigações estão revelando. O Estado tem uma força muito grande na economia de forma direta, com as estatais, ou indireta, com os fundos de pensão, por exemplo. Hoje, nós temos como retrato o quê? As empresas estatais falidas, os fundos de pensão com imensos déficits, com sinais de má gestão e de improbidade…

ISTOÉ – Há também um mesmo partido eleito quatro vezes…

Mendes – Isso poderia se eternizar com esse tipo de prática. Tenho a impressão de que já tinha havido informações básicas sobre o modus operandi no caso do mensalão. E hoje percebemos que o Petrolão nada mais é que uma réplica mais sofisticada e mais ousada do mensalão. Temos o debate no Brasil sobre mais Estado, menos Estado, no que diz respeito às empresas estatais, mas o discurso de que “a Petrobras é nossa”, que era feito por muitas vozes de partidos ligados ao governo, permite talvez uma outra leitura: “A Petrobras é ‘nossa’? ‘Nossa’ quem, cara pálida?”. A resposta é qual? “’Nossa’, do partido, e nós podemos nos apropriar da Petrobras”. Portanto, caminhamos para um modelo extremamente extravagante, que nada tem a ver com a nossa Constituição.

ISTOÉ – No julgamento do mensalão ficou a sensação de que o Brasil inaugurava um novo momento de combate à corrupção. E, o que se viu na sequência foi o Petrolão, um esquema ainda mais sofisticado. Depois da Lava Jato, teremos outra decepção?

Mendes – Temos que colocar isso na agenda e chamar o distinto público, as pessoas que estão discutindo política na rua, os manifestantes, para que deem atenção à reforma política. Eu tenho um duplo sentimento em relação a tudo isso que está acontecendo. De um lado, um sentimento positivo que foram as instituições que conseguiram por termo a esses abusos todos. Mas tenho uma certa frustração e perplexidade em termos de identificar a profundidade dessas mazelas.
Acabamos por corromper o modelo da Lei de Responsabilidade Fiscal, comprometer a ideia da verdade orçamentária e financeira, que era um valor que o Brasil tinha incorporado. E acabamos por envolver as estatais num sistema de governança notadamente corrupto.

ISTOÉ – Quando o senhor diz “acabamos”, o sr. se refere ao governo da presidente Dilma Rousseff?

Mendes – O Brasil, né? Acabamos por chegar a este estágio. Digo assim, como as instituições nesse ponto falharam. É esse duplo sentimento: de um lado satisfação, mas também de que chegamos um pouco tarde. Se tivéssemos sido mais efetivos e mais profusos nas investigações em relação ao mensalão…

ISTOÉ – E por que isso não aconteceu?

Mendes – Diversas razões. O próprio quadro político, a saúde política daquele momento, a não sequência nas investigações. Nunca se pode esquecer, por exemplo, que a CPMI dos Correios, agora muito polêmica, tinha recomendado que o Ministério Público prosseguisse nas investigações dos fundos de pensão.

E tal não se deu. Falharam. Órgãos de controle obviamente falharam. E claro também que se anestesiou um pouco a opinião pública com um certo sucesso apresentado na economia. Foi um engodo. Quando já não se tinha mais a situação confortável de bem-estar no âmbito orçamentário financeiro, optou-se pela fraude.

ISTOÉ – As pedaladas e os decretos da presidente Dilma configuram crime de responsabilidade?

Mendes – Essa é uma questão para ser avaliada pelo Congresso Nacional. Mas a situação econômica na qual nos encontramos é reveladora de que essas práticas distorcidas no âmbito orçamentário não representam um pecado venial. Como resultado temos aí 11 milhões de desempregados, cortes de orçamento no Supremo, no STJ, Justiça Eleitoral, depressão econômica. Isso é resultado de uma má gestão financeira e econômica como um todo. Portanto, está longe de ser um erro contábil.

ISTOÉ – O sr. esteve com o presidente em exercício, Michel Temer, no fim de semana. Sobre o que conversaram? Trataram de Lava Jato e impeachment?

Mendes – Pedi essa audiência para tratar da recomposição do orçamento do tribunal. Depois conversamos sobre a vida institucional. Enfatizei a necessidade de dar sequência à reforma política e ele concordou. Não falamos de Lava Jato e ninguém com o mínimo de informação imagina que possa deter essas investigações.
 
 
ISTOÉ – A situação da gestão Dilma era de ingovernabilidade. Agora temos um governo interino. Ele é governável?

Mendes – Com Dilma o Brasil não tinha governo. Agora, já se tem uma equipe e as coisas começam a se delinear, mas com grandes dificuldades. Não nos esqueçamos também que se trata de um governo provisório enquanto existir esse processo de impeachment no Senado. O cenário só se estabilizará depois que soubermos qual vai ser a decisão do Senado sobre o impeachment.

ISTOÉ – Vai demorar para serem julgadas as Ações de Impugnação do Mandato Eletivo da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral?

Mendes – Até o fim de junho nós saberemos se temos ou não condições de julgar esse processo ainda neste ano ou no próximo.

ISTOÉ – O material reunido até agora no TSE é contundente?

Mendes – Os elementos existentes são bastante significativos, sem dúvida nenhuma. Agora, não sei qual é a avaliação que o tribunal fará sobre esse tema. Em primeiro lugar, a afirmação de que parte significativa dos recursos decorreu de propina…

ISTOÉ – É difícil provar isso?

Mendes – Vai depender de como essa fase de instrução vai se dar. Temos alguns depoimentos que indicam que há quase que um condicionamento para que quem tivesse contratos em curso na Petrobras fizesse a doação. Temos também debates sobre caixa dois, sobre a utilização de recursos para o pagamento do publicitário, que também recebeu formalmente pelo caixa regular.

Terão que ser considerados. No caso do caixa dois, o que se fala é que determinadas empresas pagaram no exterior em contas que estão sendo identificadas e as pessoas que receberam estão confirmando. Nesse sentido, são provas que estão longe de ser impossíveis de serem colhidas.

ISTOÉ – Causou certa polêmica sua decisão de devolver à Procuradoria-Geral da República o pedido de inquérito sobre Aécio Neves. Por que o sr. tomou essa decisão?

Mendes – Na verdade, no caso – e isso a opinião pública não sabe – o senador já havia recebido informações sobre a abertura de inquérito e ofereceu por meio de seus advogados esclarecimentos e manifestações contrários. Como de praxe, submeti à Procuradoria para sua apreciação as informações da defesa que trazem elementos inclusive factuais, que, em tese, podem tornar desnecessárias ou prejudicadas certas diligências já deferidas, além de, eventualmente, ensejar novas apurações. Daí que suspendi as diligências já deferidas até manifestação da Procuradoria. Nenhuma medida de interrupção das investigações. Elas seguem de maneira absolutamente normal. Mas como houve defesa antecipada de eventual investigado, simplesmente dei conhecimento à Procuradoria, como é de rigor.

ISTOÉ – Na prática o que isso muda?

Mendes – Se a Procuradoria entender pertinente, pode adaptar, requerer novas ou simplesmente prosseguir com as diligências já solicitadas. Não são incomuns casos em que diligências requeridas são atendidas de pronto pela própria defesa, como a juntada de certidões e documentos públicos que dispensam o ofício às autoridades competentes. Nesse caso, porém, como todos os temas estão sendo analisados emotivamente, há um certo escarcéu em torno de meros atos ordinatórios. Temos que entender que a vida prossegue.
 

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