Patrícia Comunello
Os exércitos do Brasil e da Colômbia vão ampliar as ações bilaterais permanentes para reforçar a vigilância e o intercâmbio no combate a crimes transnacionais. As iniciativas vão desde instalação de mais pelotões militares na fronteira comum e ensino de idioma para melhorar a comunicação entre as unidades dos dois países até compartilhamento de sistemas e tecnologias de informação, combustível e pistas de pouso para aeronaves. Incluem ainda a aproximação com instituições de pesquisa para conhecer os impactos da exploração ilegal das riquezas naturais (minerais e madeira), uma importante fonte de recursos financeiros para sustentar o narcotráfico.
“O inimigo se adapta dia a dia”, afirmou o General-Brigadeiro Francisco Javier Cruz Ricci, Comandante da 6ª Divisão de Exército Colômbia, sediada em Florencia (capital do departamento de Caquetá), durante a Operação Traíra, em reunião realizada em Tabatinga, no oeste do estado brasileiro do Amazonas. Na Operação Traíra, realizada de 4 a 8 de abril, os militares do Brasil, da Colômbia e do Peru uniram “inteligência, tecnologia e confiança entre os exércitos”, segundo o Gen Brig Cruz.
“Essa guerra na fronteira precisa unir toda a Amazônia, ela é pan-amazônica”, disse o General de Exército Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, Comandante do Comando Logístico (COLOG) do Exército Brasileiro (EB) que participou da Operação Traíra e esteve à frente do Comando Militar da Amazônia (CMA) até 15 de abril.
Além da Colômbia, o EB pretende ampliar as ações com a Bolívia. Observadores da Força Aérea, do Exército e da Marinha do país andino acompanharam dois dias da Operação Traíra (6 e 7 de abril) na região de Cruzeiro do Sul, no Acre. O Tenente-Coronel William Camacho Martins, representante do 6º Distrito Naval, com sede em Cobija, estado boliviano de Pando, informou que o grupo conheceu a estrutura de combate aos crimes e como o EB utiliza seu poder de polícia.
“[Na Bolívia], interessa-nos levar esta experiência ao nosso país e criar normas para que a ação na fronteira seja mais efetiva”, afirmou o Ten Cor Martins, acrescentando que a Bolívia pretende instalar pelotões fronteiriços, seguindo o modelo do EB. “A Amazônia boliviana é corredor da droga peruana para entrar no Brasil, por isso temos de atuar juntos.”
A Colômbia conta com o compromisso de países produtores de cocaína de participarem de um esforço coletivo para reduzir ao máximo o cultivo da coca (principal ingrediente usado na droga), erradicando plantações ilegais e laboratórios de pasta-base. Nos três primeiros meses do ano, a 6ª Divisão de Exército da Colômbia neutralizou 320 laboratórios e nove cristalizadeiros, além de apreender 4 toneladas de cocaína “prontas para exportar”, segundo o Gen Brig Cruz.
Esforços conjuntos
O reforço das iniciativas, seguindo operações militares conjuntas como a São Joaquim, a Anostomus e a Traíra , é validado pelo Decreto 8.698 de 28 de 2016, da Presidência da República do Brasil, que promulgou o Memorando de Entendimento entre os governos do Brasil, Colômbia e Peru para ações de combate a atividades ilícitas em rios fronteiriços ou comuns.
O Gen Theophilo lembrou que o acordo permitiu intensificar a ação coordenada. Ele destacou que o incremento foi sinalizado em auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) brasileiro sobre o Plano Estratégico de Fronteiras (PEF), divulgada em 2015, que detectou fragilidades na proteção e segurança dos 16.886 km da fronteira entre o sul e o norte do Brasil. A auditoria constatou baixo investimento e carência de recursos humanos e materiais, como aeronaves, sistemas de comunicação interoperáveis e cães farejadores.
“As conclusões realçam a vulnerabilidade do espaço territorial que contribui para agravar a condição de ambiente propício aos ilícitos de tráfico de drogas e armas”, advertiu o tribunal.
“O documento mostra que quase não há segurança acima de Mato Grosso. A área vai ficando rarefeita e o que existe são os Pelotões Especiais de Fronteira (PEFs) do EB”, disse o Gen Theophilo.
A auditoria reconheceu a importância do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) , projeto estratégico do Exército. O sistema de vigilância utiliza sensoreamento remoto, drones, aviões de asa fixa e radares nacionais. “Vamos equipar os nossos PEFs com tecnologia para fazer um combate melhor”, completou o Gen Theophilo.
A aquisição de uma aeronave de asa fixa para o 4º Batalhão de Avião do Exército (4º BAvEx), situado em Manaus, é prioridade, disse o Gen. Theophilo. Antes da Operação Traíra, ele foi ao Chile para conhecer modelos na 9ª Feira Internacional do Ar e do Espaço (FIDAE). Os estudos sobre o equipamento mais adequado e o investimento serão aprofundados pelo COLOG.
O Gen Theophilo destacou ainda o Programa Amazônia Conectada, que prevê 7.800 km de fibra ótica ligando 52 municípios situados nas calhas dos rios Negro, Madeira, Solimões, Purus e Juruá, no Amazonas. A infovia, instalada sob a água, já liga Coari e Tefé. Segundo o Gen. Theophilo, os cabos chegarão a Tabatinga até dezembro, transformando-se em um recurso decisivo na cooperação com a Colômbia, pois melhorarão a infraestrutura de comunicação digital.
Pesquisa ambiental
Outro programa do CMA é o Pró-Amazônia, que envolve convênios com centros de pesquisa em todo o Brasil. Na Operação Traíra, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estavam na comitiva. Militares brasileiros e colombianos e os pesquisadores do INPA e da UFRJ se reuniram com integrantes do Instituto Amazônico de Investigações Científicas (SINCHI) e da Universidade Nacional da Colômbia, instituições colombianas com unidades em Leticia, para troca de informações.
Chefe do Centro de Operações do CMA, o General de Brigada Antônio Manoel de Barros diz que a proximidade com áreas de pesquisa permite aprofundar o conhecimento sobre os potenciais naturais da Amazônia, a forma de extração de minerais e como a ação de grupos ilegais pode comprometer o futuro das reservas. Colômbia e Brasil preocupam-se com o uso de mercúrio na extração de jazidas de ouro, pois a substância contamina rios, mata a fauna e a flora e ainda pode afetar as populações.
O pesquisador João Paulo Machado Torres, do Instituto de Biofísica da UFRJ, coletou amostras de solo e analisará em laboratório a existência de metais pesados e micropoluentes. “O problema na Amazônia é a entrada do mercúrio (de forma natural ou do garimpo), que é metilado em ecossistemas ribeirinhos, amplificando o dano do ciclo ao ambiente. Esse processo biogeoquímico transforma o mercúrio, que já é tóxico, em uma molécula até mil vezes mais tóxica e perigosa.”
Foco na interoperabilidade
Como a interoperabilidade é um fator decisivo na ação compartilhada, a Colômbia quer adotar o mesmo protocolo de comunicação por rádio usado pelo EB. Com a mesma plataforma, um piloto de uma aeronave colombiana poderá conversar com o do Brasil, em uma operação ou na ação rotineira de vigilância. “Já temos 70% das unidades habilitadas no mesmo sistema”, disse o Gen Brig Cruz. “Até o fim do ano, todas [as organizações militares da divisão] estarão inseridas. Será espetacular, pois será tecnologia para intercâmbio de informações e mais oportunidades de ação das tropas e melhores resultados.”
O Gen Brig Cruz já participou de reunião em Brasília, capital do Brasil, para conhecer o escopo do SISFRON, cujos testes começaram em 2015 na região do Comando Militar do Oeste (CMO), no estado de Mato Grosso. “O plano é termos o mesmo modelo, para que seja possível trabalhar com a mesma doutrina e equipe, cada um com sua estrutura de segurança, para integrar completamente as forças na região. Já estamos em conversações para isso”, adiantou. “Vamos usar a tecnologia. Onde não tem soldado, teremos satélite ou drone.”
A criação de mais pelotões de fronteira na interface territorial com o Brasil está entre as medidas para melhorar a ação contra crimes. Atualmente, são quatro unidades posicionadas na área de abrangência da 6ª Divisão de Exército. O reforço faz parte do Programa de Modernização do Exército da Colômbia, com metas até 2018, 2022 e 2030. “Está previsto formar um Exército de proteção na fronteira, com maior número de postos para controlar ao máximo o trânsito de ilícitos”, afirmou o Gen Brig Cruz.
Operações conjuntas inovadoras
O abastecimento de aeronaves é outra inovação no apoio entre os países. Os comandos militares destacaram o suprimento de combustível de aviação como um gargalo devido às longas distâncias e à dificuldade de transporte, feito por rios. Eles também pretendem estabelecer um marco regulatório para permitir que um helicóptero colombiano pouse em pistas brasileiras para abastecimento e o mesmo ocorra com aeronaves do EB. “A ideia é que seja um único solo na fronteira”, disse o Gen Brig Cruz.
O domínio do português por oficiais da 6ª Divisão de Exército será um requisito para atuar em unidades localizadas na fronteira. De 10 a 20 oficiais concluirão o curso do idioma neste ano. A meta é assegurar que até 60% dos militares graduados da divisão falem português.
“O oficial deslocado para atuar em cidades como Leticia terá a formação antes”, explicou o Gen Brig Cruz, que também quer a presença de oficial da área de inteligência do EB em seu estado-maior, em Florencia, onde o Peru já tem um militar junto ao comando. “Isso facilitará a comunicação direta dos nossos militares com as unidades brasileiras, principalmente nas emergências. É fundamental para futuras ações.”