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Mulheres ingressam pela 1ª vez como cadete e podem se tornar general

Renata Victal

A Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) em Campinas, SP, passou por obras e está pronta para receber suas primeiras alunas e, quem sabe, ser a primeira unidade do Exército Brasileiro a acolher uma mulher que poderá ir à linha de combate e, posteriormente, assumir o cargo de Comandante. O fato inédito, no entanto, só será possível em 2063, após uma longa carreira militar.

E isso porque, pela primeira vez na história, o Concurso de Admissão à EsPCEx abriu 40, de suas 440 vagas, para o sexo feminino. Segundo o comandante e diretor de ensino da unidade, o coronel Gustavo Henrique Dutra de Menezes, a procura das mulheres pela carreira militar tem sido grande. Nas duas primeiras semanas de inscrição, dos 28.900 interessados em fazer a prova, 7.600 são mulheres. E a expectativa na corporação pela chegada das moças é alta.

"Dentro das Forças Armadas, na linha bélica, o Exército é o último a integrar a mulher. Nossa expectativa é altíssima. Acredito que a chegada delas vai alavancar nosso nível disciplinar e estudantil. As mulheres são muito determinadas e destemidas. Elas vão puxar para cima nosso nível intelectual, como já acontece nas escolas militares. Sabemos que as primeiras colocadas nos colégios militares, normalmente, são mulheres. Espero receber, no dia 24 de janeiro, 40 moças extremamente preparadas", ressalta o comandante.

Longa trajetória

Depois de passar pelo difícil vestibular em setembro, que tem previsão de 150 candidatos por vaga, as mulheres enfrentarão outro desafio: a longa e grande peneira das forças armadas. Se tudo der certo, elas serão oficiais do exército em 2021 e, a partir daí precisarão chegar às patentes de 2º tenente, 1º tenente, capitã, major, tenente coronel, coronel, general de brigada, general de divisão, general de exército e, só depois, comandante do exército. Quem entrar para o exército no próximo ano, sendo mulher ou homem, só pode atingir o cargo de comandante de tropa em 2063.

"Hoje em dia uma turma só pode disputar uma promoção de generalato depois de 30 anos de formado. E, quando se torna general, é preciso estudar por mais 12 anos. E só o general de exército pode concorrer para ser um comandante do exército. Nossa carreira é um funil perfeito. Uma turma que forma 100 pessoas, vai promover de seis a sete generais de brigada, outros quatro como generais de divisao e apenas dois generais de exército. A mulher disputará de igual para igual e precisará passar por toda esta trajetória", explica o comandante.

As provas escrita, física e os desafios disciplinares da corporação não assustam Julie Passos de Lima, de 20 anos, estudante de Letras na PUC-Campinas e uma das interessadas em ingressar na escola de cadetes. A jovem não pensa duas vezes ao afirmar que espera chegar ao posto de Comandante.

"Meu sonho sempre foi fazer carreira no Exército e eu já estava cogitando entrar na Marinha só para ser militar. Mas, assim que soube da abertura de vagas para mulheres na EsPCEx, me inscrevi. Se entrar, não vou sair. Quero ser coronel e virar comandante do Exército", conta a jovem.

Sem maquiagem

Para realizar o sonho, Julie está disposta a abrir mão de outro grande prazer: a maquiagem. E, de acordo com as regras, ela só poderá usar um batom claro e colorir os cabelos apenas para cobrir os fios brancos e, mesmo assim, sempre de acordo com a cor natural dos cabelos. Nas unhas, nada de esmaltes escuros ou francesinha.

"Sou doida por maquiagem, mas estou preparada para abrir mão dos pincéis e de abdicar de algumas coisas em nome do meu sonho maior que é entrar para o Exército", garante Julie.

Outra que está decidida a deixar a vaidade de lado é Andrea Araki, de 20 anos, que pretende pilotar helicópteros pelo exército.

"Muita gente acha que ser militar é viver em uma zona de guerra, mas é uma profissão normal. Meu pai é Coronel aposentado e sempre tive o desejo de seguir a mesma carreira. Hoje meu sonho é pilotar os helicópteros do exército", deseja Andrea.

Para chegar logo às alturas, Andrea, que é auxiliar de enfermagem, está apostando pesado nas aulas em um curso preparatório, em aulas particulares de reforço e, claro, em corridas diárias dentro do condomínio onde mora. Em julho, ela conta que fará uma última loucura: pintar os cabelos de verde.

"Sempre fui muito vaidosa, adoro maquiagem, mas sei que vou ficar com a cara pelada. Por isso, estou abusando agora e vou fazer uma última loucura nas férias. Vou pintar os cabelos de verde porque será a última vez que poderei fazer isso", diz confiante.

A única vez em que fraquejou e repensou se deveria ou não prestar concurso para a escola de cadetes foi quando acreditou que teria de largar uma outra paixão, o violino.

"Pratico quatro vezes por semana e só fiquei tranquila quando soube que é possível tocar lá dentro, em locais reservados e em momentos de lazer", conta Andrea.

Obras de adequação

Para receber bem as mulheres, o prédio da Escola de Cadetes passou por reformas. Dentre as adequações, foi feita a adaptação de um pavilhão para o alojamento feminino, com vestiários, banheiros, sala de estudo e grêmio estudantil. Também será construída uma nova ala de saúde, pensando nas peculiaridades do atendimento feminino.

E os cuidados com as mulheres são visíveis. Os novos banheiros, por exemplo, ganharam boxes individuais e vidros jateados. Aliás, todas as janelas do alojamento feminino receberão cortinas. Tudo para dar mais privacidade e tornar o ambiente mais acolhedor.

As camas serão beliches e os armários também serão de ferro, iguais aos dos homens. Todo o mobiliário será instalados já na próxima semana. As salas de estudo também foram finalizadas, inclusive já possuem sinal de internet wireless. Na lavanderia, as jovens cadetes terão três máquinas de lavar e algumas tábuas de passar roupa.

"Tudo o que eles têm, elas terão. A diferença é que o alojamento feminino terá tudo novo. A isonomia será total", garante o comandante Dutra.

Preparo físico

Após um ano de curso na EsPCEx, as alunas aprovadas seguirão para a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), onde escolherão a área de especialização: o Quadro de Material Bélico ou o Serviço de Intendência. As exigências serão as mesmas para ambos os sexos, com ressalva de que os índices dos exercícios físicos serão adaptados para as mulheres já na escola de cadetes.

Para adequar os exercícios, o comandante Dutra conta com a ajuda de um time de especialistas do Instituto de Pesquisa da Capacitação Física do Exército (IPCFEX), do Rio de Janeiro. Juntos, e em parceria com a Aeronáutica e a Marinha, eles estão mapeando os exercícios físicos mais adequados às mulheres.

"Descobrimos que alguns exercícios causam mais lesões nos quadris e que outros são mais fáceis para as mulheres. Estamos nos adequando para não sermos injustos", Comandante Dutra

" Estamos verificando na prática alguns exercícios para adequarmos os índices físicos, sem prejudicar um ou outro. Tudo no Exército é mensurado e as mulheres serão avaliadas da mesma forma que os homens. Para nós, uma prova de cálculo 1 tem o mesmo peso do que uma prova de corrida. Por isso estamos revendo os índices físicos para as mulheres. A ideia é que não seja nem muito fácil ou muito difícil, mas sempre respeitando as diferenças físicas", explica o comandante Dutra.

Mulheres no Exército

Hoje, as mulheres podem ingressar voluntariamente no Exército como militar de carreira ou temporário, mas não podiam seguir no Quadro de Material Bélico ou no Serviço de Intendência. A mudança só se tornou possível graças à Lei nº 12.705, sancionada em 2012 pela presidente afastada Dilma Rousseff, permitindo que militares do sexo feminino atuem como combatentes do Exército Brasileiro em áreas antes restritas aos homens.

Com a mudança, o Exército Brasileiro passa a seguir os exemplos dos EUA, Israel e Inglaterra, que já possuem mulheres prontas para combate.

"O batalhão que comandei ano passado no Haiti, tinha 12 mulheres, mas elas eram médicas, enfermeiras, advogadas e psicólogas", conta o comandante Dutra..

Gravidez

De acordo com o edital do concurso para ingresso na escola de cadetes, em caso de gravidez, as alunas poderão trancar suas matrículas durante toda a gestação e no período da licença maternidade. No entanto, elas só poderão voltar a estudar no início do ano letivo, ou seja, em janeiro seguinte.

"Se, por um acaso, o período de licença maternidade acabar em junho, ela só poderá voltar a estudar em janeiro do ano seguinte", ressalta o comandante.

Concurso

Quem quiser pode se inscrever para a prova da EsPCEx até 28 de junho. Os interessados devem estar concluindo ou ter concluído o ensino médio, possuir entre 17 e 22 anos no ano da matrícula e estar em dia com o Serviço Militar e com a Justiça Eleitoral.

O período de instrução e formação do aluno na EsPCEx é de um ano em regime de internato. Dentre os benefícios, o aluno recebe auxílio fardamento, ajuda de custo mensal de R$ 969,54, alimentação, assistência médica e odontológica.

Após a conclusão da EsPCEx, o aluno tem acesso garantido na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em Resende, Rio de Janeiro, onde cursa outros quatro anos, completando assim a formação superior militar e tornando-se Aspirante a Oficial, com vencimentos iniciais de R$ 5.622,00 e uma carreira pública no Exército Brasileiro.

No site da EsPCex estão disponíveis o Edital e o Manual do aluno. A taxa de inscrição é de R$ 90. A primeira fase do concurso ocorrerá nos dias 10 e 11 de setembro de 2016, em 43 locais, distribuídos em todo território nacional.

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