Época Negócios
Ambos são engenheiros com foco em aviação, ascenderam à liderança de grandes empresas e agora traçam estratégias para levá-las ainda mais longe. Gilberto Peralta ocupa atualmente o posto de presidente e CEO da GE do Brasil. Já Frederico Curado, há trinta anos na Embraer, foi eleito em 2007 diretor-presidente da empresa.
Aqui, os dois assumem uma nova e exclusiva tarefa: a de entrevistador. Cada um perguntou ao outro sobre novas tecnologias, perspectivas para o futuro e a importância de correr riscos.
Nas respostas, mostram que têm mais uma coisa em comum: são bem otimistas, mas sabem que uma empresa não se torna inovadora espontaneamente. O bate-papo fomenta ainda o debate em torno dos resultados apresentados no Barômetro da Inovação, pesquisa anual encomendada pela GE.
Atualmente em sua quinta edição, o Barômetro é uma pesquisa internacional de opinião feita com executivos ativamente envolvidos na gestão da estratégia de inovação em suas empresas, e com públicos informados sobre o tema. Bem-vindo a bordo!
Gilberto Peralta: O cargueiro militar KC-390, a maior e mais moderna aeronave já projetada e produzida no Brasil, foi apresentado em abril. Como a história do desenvolvimento desse avião se conecta com a busca da Embraer por inovação?
Frederico Curado: Como ocorre em todos os nossos programas, a concepção do KC-390 foi resultado da convergência das visões do cliente – neste caso, a Força Aérea Brasileira (FAB) – e da própria Em¬braer. Vislumbramos a oportunidade de trazer ao mercado um cargueiro militar com capacidade de 20-22 toneladas e que incorporasse o que há de mais moderno em projeto de aeronaves, como comandos de voo “full fly-by-wire” [sistemas de transmissão totalmente elétricos, o que reduz o peso e aumenta a segurança] e propulsão a jato. A FAB tem experiência diferenciada para especificar requisitos e detalhar missões para essa nova aeronave. E a Embraer tem vasta experiência em plataformas comerciais e mili¬tares, o que nos dá a convicção de que o KC-390 será muito bem aceito em todo o mundo.
Gilberto Peralta: A Visiona, joint venture entre Telebras e Embraer, deve lançar o primeiro satélite militar brasileiro no início do próximo ano. O que isso representa para a empresa?
FC: Na verdade, o SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações) atenderá não apenas as Forças Armadas do Brasil, mas também cumprirá papel central na expansão da internet de banda larga para todo o território nacional. A Embraer aportou todo sua expertise de gestão de projetos complexos para, junto da Telebras, assegurar ao Governo Brasileiro que o satélite cumprirá todos seus requisitos técnicos e operacionais nos prazos previstos.
Gilberto Peralta: Sabemos que o momento atual é de adversidade política e econômica. Nesse cenário, quais são as perspectivas da empresa para médio e longo prazo?
FC: A Embraer é uma empresa de atuação global e tem uma dependência relativamente baixa do mercado brasileiro, que responde por cerca de 10% de suas receitas. Institucionalmente, entretanto, a empresa é afetada pela crise de imagem que o Brasil atravessa no cenário internacional. A despeito disso, nossa visão e compromisso de longo prazo permanecem inalterados, com a manutenção de todos os investimentos previstos em capacitação industrial e desenvolvimento de tecnologia e novos produtos.
Gilberto Peralta: Você já disse em entrevistas que a maior parte das inovações da Embraer nasce dentro da própria empresa. A ideia é permanecer assim ou reforçar parcerias com universidades, centros de pesquisa etc.?
FC: Temos interesse e estamos trabalhando para expandir nossas cooperações com a academia e com centros de pesquisa, a despeito de reconhecer as limitações das atividades de pesquisa no campo aeroespacial no Brasil. Fizemos grandes avanços, nos últimos anos, com o ITA e com o IPT, apenas para citar dois exemplos.
Gilberto Peralta: E qual é o plano de investimento em pesquisa e desenvolvimento?
FC: Temos investido em P&D consistentemente entre 10 e 12% de nossa receita bruta. Além dos produtos em desenvolvimento (atualmente a família E2 dos E-Jets e o KC-390), temos diversos programas de melhorias dos produtos existentes, além de pesquisa aplicada (pré-competitiva), atuando em diversas frentes em disciplinas aeronáuticas e de sistemas.
Gilberto Peralta: Há uma grande expectativa em relação aos benefícios que a Internet Industrial pode trazer para o setor. Na Embraer, o que a digitalização, a análise de dados e os sistemas de automação já promoveram?
FC: Concordamos com essa visão e esperamos uma verdadeira revolução industrial nos próximos anos. Já vínhamos trabalhando dentro dessa perspectiva, tanto no produto, já que a Embraer é um dos poucos fabricantes de aviões que tem competência específica em desenvolvimento e certificação de softwares embarcados, quanto na cadeia de valor para o cliente, como manutenção preditiva, por exemplo.
Gilberto Peralta: Dentre as práticas necessárias à gestão da inovação, como criar uma cultura de compartilhamento de ideias, novas métricas e transformar dados em ações, qual a mais difícil de implementar?
FC: Honestamente, não vejo grandes dificuldades dentro da empresa. Temos a motivação e meios para facilitar o processo de inovação, inclusive além da área técnica. Nosso principal desafio, como empresa brasileira, é convencer o Estado a seguir o exemplo dos países desenvolvidos, onde há compartilhamento de recursos a fundo perdido, amplificando o potencial inovador. Temos projetos em nosso pipeline que, por não podermos contar com o apoio do Estado no volume e ritmo necessários, acabam ficando sem viabilidade de execução, pois a empresa tem uma capacidade finita para investimentos.
Gilberto Peralta: Como você imagina o avião do futuro, no qual embarcaremos daqui a vinte anos?
FC: Vemos um processo de evolução contínua. Algumas tecnologias, entretanto, podem oferecer saltos de qualidade, como turbinas “open rotor” e operação “single pilot”. Os sistemas ambientais tendem a evoluir, bem como o conforto e a conectividade na cabine. Ao embarcar daqui a 20 anos, o passageiro deverá ter melhores condições a bordo – como diferencial de pressurização, ruído e umidade do ar – e poderá se conectar como se estivesse em solo, tudo isso com mais segurança e com operações mais eficientes.
Gilberto Peralta: Como definir inovação? Quais as características de uma empresa inovadora?
FC: Inovar é fazer algo diferente ou de maneira diferente. Uma empresa inovadora é aquela que tem essa capacidade, o que não ocorre espontaneamente. É preciso ter foco e investir no tema, estimulando as pessoas a inovar de forma sistemática.
Frederico Curado: A GE atua em áreas muito distintas, como saúde, óleo e gás e aviação. Como transferem as inovações de uma área para outra?
GP: Embora esses negócios pareçam distantes entre si, quando olhamos para a história da GE encontramos neles a mesma origem, em um ponto da história no qual Thomas Edison explorou a relação entre luz e eletricidade. A lâmpada o levou para os raios X e para o negócio de imagens médicas; a experiência com geração de energia de turbina a gás deu início ao negócio de aviação. Hoje, essa é uma via de mão dupla.
Engenheiros de aviação contribuem com a geração de energia por meio da construção de turbinas a gás mais eficientes. A GE hoje está organizada em torno da GE Store, plataforma que permite o intercâmbio entre todos os negócios e capacidades da GE. Além disso, os Centros de Pesquisas da GE ao redor do mundo compartilham os projetos em tempo real. Soluções pesquisadas pela GE no Brasil, para o pré-sal, podem funcionar para países na Europa e África. A GE Store cria oportunidades para a empresa inovar e resolver grandes desafios de infraestrutura.
Frederico Curado: A GE lançou uma startup no setor de iluminação. O que levou a empresa a optar por esse modelo e como isso funciona na prática?
GP: A Current é diferente de tudo que a GE já tinha criado como negócio. O modelo de startup funciona, pois esta nova empresa GE nasce com o compromisso de desenvolver a energia para um patamar mais elevado, com foco em resultados personalizados para os clientes comerciais e industriais, municípios e parceiros de serviços públicos, e oferecer uma plataforma que pode ser atualizada à medida que avanços tecnológicos são feito, em linha com o rápido avanço que conhecemos nos dias de hoje.
Com a Current a GE combina produtos e serviços para eficiência energética, energia solar, armazenamento, com as nossas capacidades digitais e analíticas para oferecer aos clientes – hospitais, universidades, lojas de varejo e cidades – soluções de energia mais rentáveis. Na prática, trará ao mercado uma oferta holística de energia como serviço, que não existe na indústria hoje, incluindo hardware habilitado para sensores, software, execução, gestão de produtos e soluções de financiamento.
Por meio do Predix, a GE irá analisar o consumo de energia e fornecer aos clientes dados sobre padrões e necessidades, juntamente com recomendações para aumentar a eficiência , desde a redução dos níveis de energia até a geração de energia no local, criação de novos fluxos de receita para os clientes através da utilização de sensores e sistemas em rede em edifícios. Estas soluções avançadas vão ajudar os clientes a economizar cerca de 10% a 20% em suas contas de energia, e ajudar os parceiros de serviços públicos a gerenciar melhor a sua carga distribuída.
Frederico Curado: Inovar também pressupõe assumir riscos e, eventualmente, errar. Como você, no papel de líder, reage quando um projeto não é bem-sucedido?
GP: Na GE, temos a crença de que, para acelerar nossa jornada, é importante adotar uma nova forma de trabalho que nos permita acompanhar o ritmo da mudança e domar a complexidade para entregar resultados. Isso implica não ter medo de errar. O erro faz parte do processo e aumenta nossas chances de melhorar amanhã. O que buscamos é ser rápidos para descobrir e aprender, pois os erros ensinam.
Frederico Curado: A busca por motores mais eficientes no setor de aviação leva em conta a redução da emissão de CO2? Como unir inovação com sustentabilidade e preservação do meio ambiente?
GP: Motores mais eficientes levam em conta uma combinação de fatores. O GEnx, atualmente o motor mais moderno do mundo produzido pela GE, possui pás em fibra de carbono, 18 no total, deixando equipamento mais leve e eficiente. O sistema de Turbina de Baixa Pressão foi desenvolvido a partir de modelos anteriores e aprimorado com o uso de tecnologias de última geração. Como resultado, são 180 quilos a menos por motor.
Além da redução no peso e no número de pás, o GEnx conta com outras tecnologias que ajudam a reduzir o consumo de combustível. Uma delas é a adoção de uma série de processos de resfriamento que mantêm a temperatura interna do motor até 15% menor que a do modelo GE CF6. Dito isso, vale lembrar que um dos maiores desafios da aviação está no custo dos combustíveis. Ao desenvolver motores que usem menos combustíveis, obtêm-se também o ganho da redução das emissões.
Outro ponto que pode contribuir com a redução das emissões é o uso de biocombustível na aviação. No fim de 2013, aconteceu o primeiro voo comercial do Brasil utilizando bioquerosene, em um trajeto de 1.176 quilômetros entre os aeroportos de Congonhas (SP) e Brasília (DF), por uma aeronave Boeing 737-800 operada pela GOL e equipada com motores CFM-56 da GE. O ato inaugurou a Plataforma Brasileira de Biocombustível, cujo desenvolvimento é liderado por um grupo que reúne GE, GOL, Boeing, Amyris, Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) e União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (UBRABIO). Uma análise do ciclo de vida do combustível renovável produzido pela Amyris indica uma redução potencial de 80% ou mais da emissão de gases de efeito estufa durante um voo, em comparação com o querosene de origem fóssil.
Frederico Curado: A GE tem ajudado a divulgar o conceito da Internet Industrial e sua importância para a produtividade no futuro. Qual o estágio da indústria brasileira no que se refere à transição digital?
GP: O Brasil é um mercado prioritário para a GE. Existem diferentes níveis de maturidade da indústria nos mais de 180 países onde a GE opera, mas essa não é uma preocupação. O que queremos é que seja compreendido o motivo por trás dos esforços da GE em Internet Industrial. De acordo com estudo da GE, a produtividade industrial crescia em média 4% anualmente no período 1990-2010. Desde então, a taxa é de apenas 1%.
A razão por trás disso é que a conectividade pura não adiciona valor. O que agrega é saber coletar e interpretar os dados gerados pelas máquinas. Por meio do avanço da internet industrial, a GE espera retomar e impulsionar o crescimento da produtividade. E estamos preparados para fazer isso no Brasil.
Frederico Curado: Em relação à qualificação da mão de obra, como o sistema educacional pode preparar os jovens profissionais para esses desafios e qual o papel das empresas no processo de aprendizagem e aperfeiçoamento de suas equipes?
GP: Educação é um indicador diretamente ligado ao crescimento de um país. Novas tecnologias e soluções demandam aprendizado para que seja possível se extrair o máximo das inovações. Os sistemas de ensino também devem viver momentos de inovação, para poder capacitar da melhor forma possível os profissionais para os desafios da indústria.
Frederico Curado: A GE instalou seu centro de pesquisas no Rio, mais especificamente no parque tecnológico da UFRJ. Que fatores levaram a essa escolha? Ela facilitou o contato com o meio acadêmico e com outras empresas?
GP: O Centro de Pesquisas Global da GE no Brasil é fruto de investimento superior a R$ 1 bilhão e acomoda até 400 pesquisadores. O Brasil concorreu com os mais de 180 países onde a GE atua e venceu pela proximidade com grandes clientes, pela localização do Rio da Janeiro em relação aos desafios da indústria de Oil & Gas e aviação e também pela relação com a UFRJ. O Centro tem sido um catalisador de novos contatos para a GE, abrindo diálogos com os clientes, universidades e parceiros.
Os trabalhos do Centro estão a todo vapor. Prova disso é que o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) aprovou o pedido de patente da GE para uma solução que visa otimizar a produção do etanol celulósico, o chamado etanol de segunda geração. Ao longo de dois anos, os pesquisadores do Centro brasileiro da GE, em parceria com a matriz do Centro em Niskayuna, no estado norte-americano de Nova York, estudaram processos e melhorias que irão proporcionar maior eficiência e economia à indústria, bem como reduzir o impacto ambiental causado pela produção do biocombustível.
O pedido de patente verde depositado pelo Centro brasileiro foi analisado no tempo recorde de 18 meses, contra os cerca de oito anos do backlog atual do INPI. Além disso, a unidade brasileira do Centro de Pesquisas da GE já conta com outros dez pedidos de patente depositados.
Frederico Curado: Retribuindo sua pergunta, como definir inovação e quais as características de uma empresa inovadora?
GP: Existem muitas definições para inovação, mas gosto de pensar que inovação é o que muda a vida das pessoas e a torna melhor, de alguma forma. A GE é uma empresa de 130 anos, com inovação no seu DNA, desde que Thomas Edison fundou a empresa. O que perpetua a inovação na GE são processos que garantem que ela aconteça continuamente, como o investimento anual de cerca de US$ 5 bilhões em pesquisas para criar novas soluções e tecnologias.
Além de Centros de Pesquisas ao redor do mundo, outro processo que estimula a inovação na GE é manter engenheiros e pesquisadores em suas unidades industriais, para que possam estimular ainda mais avanços à medida que acompanham e vivenciam as necessidades dos negócios.
Frederico Curado
É diretor-presidente da Embraer desde 2007. Formado em Engenharia Mecânica- Aeronáutica pelo ITA, com pós-graduação em Comércio Exterior pela FGV e MBA Executivo pela USP. Iniciou carreira como engenheiro de produção na Pratt & Whitney Canadá, em 1984.
Gilberto Peralta
Está na GE desde 1980, quando iniciou suas atividades na Celma, em Petrópolis (RJ). Em 2006, torna-se líder da GECAS para América Latina e Caribe. Desde agosto de 2013, acumula essa função à de presidente & CEO da GE no Brasil.
Barômetro da Inovação – Capítulo Brasil
Ao ouvir mais de 2.700 executivos em 23 países e aproximadamente 1.340 pessoas interessadas sobre o tema em 13 países, a pesquisa revela um cenário de otimismo em relação à inovação. O recorte Brasil tem o objetivo de investigar os caminhos para que se inove mais e melhor no País. No Brasil, 200 executivos e 103 cidadãos informados participaram da pesquisa.
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