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Sputnik: ‘Brasil é um tipo de país menos centrado nos EUA’

Neill Lochery, pesquisador britânico, no seu livro "Brasil: os Frutos da Guerra" mostrou os resultados da sua investigação histórica de um dos períodos mais importantes da história nacional e internacional, o período da Segunda Guerra Mundial, e revelou a grande contribuição deste período para a formação do Brasil moderno.

O especialista concedeu uma entrevista exclusiva à Sputnik Brasil na qual comentou não só o papel do Brasil na guerra contra o Eixo, mas também avaliou a possibilidade de o país se tornar um jogador ainda mais importante na arena internacional, assim como a aproximação norte-americana ao país latino-americano.

A Sputnik também contatou a editora Intrínseca que publicou o livro no Brasil, mas esta se recusou a apresentar o seu comentário sobre a obra de Neill Lochery.

Segue a íntegra da entrevista com o próprio autor.

Sputnik: Por que você acha que o tema levantado no livro poderia ser interessante no contexto da agenda política atual? Quais são as raízes do seu interesse pessoal no assunto?

Neill Lochery: Para mim, as raízes de olhar para o Brasil na Segunda Guerra Mundial realmente vieram do meu trabalho sobre Portugal e Lisboa na Segunda Guerra Mundial, o que, naturalmente, me levou para o Brasil. Pois Portugal foi um país neutro que teve ganhos econômicos massivos durante a guerra, mas, na realidade, não participou da guerra. Enquanto o Brasil era um país que eu acho que teve ganhos econômicos mais modestos durante a guerra, mas que lutou na guerra na Itália. Então, minhas raízes nesse sentido vieram de uma perspectiva pessoal.

E em termos de ser relevante na agenda política de hoje, claramente isso tem relevância. Um dos maiores objetivos do líder do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o presidente Getúlio Vargas, era que o Brasil emergisse como superpotência econômica, política e militar dominante da América do Sul, da região latino-americana.

E também por desempenhar um papel importante nas relações internacionais e requisitar para o Brasil um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, por exemplo. O que era algo com o que o presidente Roosevelt aparentemente concordava, mas mais tarde renegou nas conferências pós-guerra no final da Segunda Guerra Mundial. 

Eu acho que os brasileiros claramente tiveram uma ideia de onde eles queriam estar, eles queriam atuar internacionalmente. E hoje, em 2016, nós ainda vemos esta tensão. Eu penso no Brasil entre ser brasileiro, ser sul-americano e ainda querer desempenhar um papel maior internacionalmente.  

S.: Qual foi o papel do Brasil na Segunda Guerra Mundial? Qual foi a contribuição da operação italiana liderada pela Força Expedicionária Brasileira? 

N.L.: Bom, inicialmente, as forças brasileiras que foram enviadas à Itália eram compostas por cerca de 25 mil homens, incluindo pilotos da força aérea. Originalmente era pra eles serem enviados para um teatro mais silencioso da guerra. O plano original, creio eu, era para eles ir para a África do Norte. Mas na guerra os eventos mudam muito rapidamente e, assim, eles foram enviados para a Itália, onde o combate, como vocês sabem, estava longe de terminar. E, portanto, eles acabaram participando de algumas das mais sangrentas batalhas na frente italiana. E isso foi algo com o que os brasileiros, o exército brasileiro, creio que lidou muito bem. Suas vítimas foram maiores do que a maioria dos aliados, houve uma série de razões para isso. Mas eles fizeram muito bem, eu acho, em termos de desempenho na batalha.

Em termos de sua importância real para a guerra, eu acho que eles tiveram um papel importante na Itália. E é um papel que é muitas vezes esquecido em muitas histórias da Segunda Guerra Mundial. E especificamente as histórias da campanha italiana, que tendem a se concentrar sobre o tipo de esforços gerais dos aliados na Itália. Embora no Brasil o seu desempenho na guerra ainda seja muito destacado e você provavelmente já viu no Rio o memorial aos brasileiros que lutaram na guerra.

S.: Mesmo considerando a operação italiana, a participação brasileira foi menos significativa do que a da coalizão. No entanto, todas as partes do conflito mostraram grande interesse neste país. Qual é a razão para isso?

N.L.: Eu acho que o fato de que as partes mostraram grande interesse no Brasil foi em grande parte porque estrategicamente isso foi muito importante. E havia o medo, particularmente dos americanos, de que os alemães poderiam tentar aproveitar o Brasil, ou parte do Brasil, tendo-o como uma espécie de plataforma de lançamento de ataques contra os Estados Unidos.

Também havia o medo na América do nazismo se efetivar no Brasil, havia uma grande comunidade alemã, imigrante alemães morando no Brasil, muitos dos quais tinham simpatizantes e você pode ver isso no tipo de manifestações que eles organizavam, as demonstrações políticas que eles organizavam. 

O Brasil foi muito importante para os americanos, obviamente, por conta do Atlântico Sul também. Era uma porta de entrada para o sul do Atlântico. E isso foi muito importante para o transporte, foi também muito importante para os americanos se prepararem para o fim da guerra no Dia D. Assim, o controle sobre Atlântico Sul era visto como muito importante e havia um número de submarinos alemães que operavam na área.

Em termos da participação brasileira na Itália, ok, era pequena numericamente e você poderia argumentar que era principalmente simbólica, mas ainda assim era importante. Um comandante brasileiro realizou uma das primeiras rendições de alemães na Itália, por exemplo. Então, eu acho que é errado diminuir o papel dos brasileiros nos combates na Itália, apesar de eu aceitar: em um contexto mais amplo você pode argumentar que, dada a escala dos ataques dos aliados na Itália, e posteriormente com Dia D, o papel brasileiro não foi tão grande quanto o dos principais países aliados.

S.: Também era usado um conceito do Brasil como um quintal dos Estados Unidos. E parece que hoje este contexto é desatualizado. Então quais são as perspectivas do país para ganhar impulso não só a nível regional, mas também internacionalmente? 

N.L.: Sim, está é uma questão muito boa. Eu acho que a melhor resposta para isso é, antes de tudo, dizer o que deu errado. Os Estados Unidos se deslocaram do Brasil após a Segunda Guerra Mundial e isto causou muito desconforto aos brasileiros. Houve um senso de abandono pelos EUA. As necessidades da Guerra Fria rapidamente substituíram as necessidades da Segunda Guerra Mundial para os americanos e eles pretendiam desenvolver laços com outros países ou focar mais atenção em outros países. Então o Brasil ficou muito confinado mais uma vez a uma espécie de um tipo de país menos centrado nos EUA. E acho que eles têm que olhar para novas alianças tanto geograficamente na América do Sul quanto internacionalmente.

E em grande medida isso realmente não aconteceu, eu tenho que ser honesto. A principal razão eu acho que tem sido a política interna do Brasil. E o fracasso, na verdade, em desenvolver as mais as instituições democráticas até recentemente, a incerteza política no período do regime militar tornou muito difícil para o Brasil receber boas-vindas internacionalmente.

Nos dias atuais eu acho claramente que o Brasil tem intenções maciças de ser reconhecido internacionalmente e ele está olhando para muito além da América do Sul, em direção a instituições internacionais como a ONU. 

Mas como diz Stefan Zweig, o Brasil será sempre o país para o futuro e o futuro nunca chegou. É só chegar o momento em que nós pensamos que algo vai se materializar no Brasil que, em seguida, vemos a economia voltar à recessão e nós vemos o Brasil voltando muito para dentro novamente — grandes debates políticos sobre a corrupção, etc. e sobre a sucessão. E esses debates tendem a assumir qualquer tipo de debates filosóficos mais profundos sobre onde o Brasil deve estar internacionalmente.

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