Omar Ashour
Universidade de Exeter
A recaptura, por forças iraquianas, de grandes partes de Ramadi, que estava sob domínio do grupo autodenominado Estado Islâmico, marca o mais recente revés do grupo extremista após este ter perdido outros locais como Tikrit, Sinjar e Baiji.
Mas, apesar das derrotas – e de mais de um ano de bombardeios aéreos -, o Estado Islâmico mostrou ser incrivelmente resistente.
O grupo extremista recapturou parte do território perdido na Síria central e no leste, consolidou seu domínio sobre áreas no entorno da cidade de Raqqa, no norte, e continua dominando a segunda maior cidade do Iraque, Mosul.
Como já aconteceu em outros casos, vitórias táticas não se traduziram em uma derrota estratégica do EI. E há motivos para isso.
"O Daesh (acrônimo depreciativo em árabe para o EI) se intensifica e ataca praticamente a cada dois meses. (O presidente da Síria, Bashar) al-Assad e seus aliados nos bombardeiam em massa a cada meia hora. Você pode calcular as mortes resultantes", diz um ex-combatente rebelde que não quis ser identificado.
Se a prioridade de combater Assad é clara entre a oposição armada na Síria, a descentralização das estruturas de comando e controle dos rebeldes podem e vão causar grandes reveses para a estratégia proposta pela coalizão liderada pelos EUA.
Mas, infelizmente, esse não é o único problema.
Se comparado ao regime do Talebã, que caiu em uma campanha de dois meses com ataques de forças ocidentais coordenadas e de forças rebeldes islamitas afegãs e seculares, descentralizadas, o EI prova ser mais resiliente.
Superados em número
E essa resiliência é intrigante. Militarmente, a organização tem muito menos poder militar que seus inimigos.
A agência americana CIA estimou, em setembro de 2014, que o EI tinha cerca de 20 mil a 31 mil combatentes.
As forças armadas e de segurança do Iraque têm contingente oito vezes maior, sem contar milícias xiitas, milícias tribais sunitas, forças peshmerga curdas e uma coalizão de mais de 60 países com milhares de operações bombardeando áreas do EI desde setembro de 2014.
Em 10 de junho de 2014, uma guarnição de Mosul com 30 mil forças de segurança do Iraque foi derrotada em um ataque do EI que, estima-se, contava com entre 800 e 1.500 combatentes.
Dispersar e esconder
Até agora, o EI sobreviveu a mais de 8 mil ataques aéreos e à morte de mais de 10 mil de seus combatentes desde o início da campanha de bombardeios, de acordo com o Departamento de Defesa americano.
Mesmo assim, a organização não tem grandes problemas para recrutar e mobilizar, principalmente depois da intervenção da coalizão ocidental.
Sua resposta ao ataques aéreos tem sido dispersar e esconder equipamentos e se misturar a civis quando não está sob ataque direto.
O grupo ainda tem capacidade de surpresa tática e de tirar vantagem de batalhas espaciais fluidas e confusas.
O grupo também mudou sua estratégia de terror em relação a cidades ocidentais. Antes dos ataques aéreos, houve um ataque ligado ao EI em uma cidade ocidental. Desde o início dos bombardeios, foram mais de 25.
Mas isso não quer dizer que o EI não será derrotado em algum momento.
Três pilares
A contra-estratégia ocidental teve alguns resultados positivos.
Ela é baseada em três pilares:
1) ataques aéreos para contenção em curto prazo,
2) parceiros locais armados para destruição em médio prazo e
3) reforma do ambiente político pela reconciliação e democratização para prevenção em médio e longo prazo.
Os ataques aéreos no Iraque e na Síria obrigaram o EI a limitar seu uso de táticas militares convencionais, como quando invadiram, no meio de 2014, faixas de território movimentando comboios de dezenas ou centenas de veículos armados.
Os parceiros em potencial da coalizão são, teoricamente, os que assumiriam a responsabilidade por derrotar o EI no solo.
Este pilar é problemático, ante os problemas de centralização e priorização entre os rebeldes anti-Assad.
Obter sucesso no terceiro pilar é ainda mais difícil: o Estado Islâmico é um sintoma – não uma causa – da política disfuncional da região. Então, qualquer solução de longo prazo precisa reformar o ambiente político que engendra uma radicalização violenta há mais de quatro décadas.
Derrotar o EI militarmente só mascararia, de forma temporária, os profundos problemas estruturais por trás de sua ascensão, não apenas no Iraque e na Síria, mas também no Egito, Líbia, Iêmen e Arábia Saudita.
Então, a derrota militar do EI seria equivalente a colocar um curativo em uma ferida infeccionada.
Uma reforma política sustentável e processos de reconciliação serão necessários em algum momento – um objetivo estratégico não deveria ser perdido de vista por tomadores de decisões durante a campanha militar.
Omar Ashour é um professor sênior de Políticas do Oriente Médio e Estudos de Segurança da Universidade de Exeter e um pesquisador-associado da Chatham House, em Londres. Ele é autor de The De-Radicalization of Jihadists: Transforming Armed Islamist Movements e de Sinai's Stubborn Insurgency.