Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense
No deslocamento de uma coluna (formação de soldados dispostos em filas, mais longa do que larga), o comandante dá o rumo, mas o ritmo quem estabelece é o soldado mais lento, caso contrário, a tropa se dispersa pelo caminho. É mais ou menos esse o drama da oposição, que foi pega de surpresa com a deflagração do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na quarta-feira passada.
Chega a ser irônico. Depois de tantas articulações no Congresso e duas manifestações de grande envergadura, a oposição está desarticulada, embora o impeachment deixe de ser apenas uma palavra de ordem para desgastar a presidente Dilma. E o Palácio do Planalto, que tentou desesperadamente evitar que isso acontecesse, pisa no acelerador para submeter o impeachment à votação o quanto antes; se possível, barrá-lo já na comissão mista que será instalada amanhã.
A torcida é grande, mas o desfecho do processo não depende da vontade dos principais atores políticos, mas de um empurrão dos grandes agentes econômicos e da escala de mobilização da sociedade contra ou a favor do governo. Além disso, existe uma variável que ninguém controla e influencia as demais: a operação Lava-Jato, que ronda o Palácio do Planalto e o Congresso. Novas surpresas, como as prisões do líder do governo, Delcídio do Amaral (PT-MS), do banqueiro André Esteves (BTG Pactual) e do pecuarista José Carlos Bumlai (amigo do ex-presidente Lula), não podem ser descartadas.
Ao defender a cassação de Cunha, o PT fez uma aposta de alto risco. Mas forçou um desempate e largou na frente ao unificar o discurso e buscar apoio de setores de esquerda, como o PSol e a Rede, e da sociedade civil, como a CNBB e a OAB, que estavam se descolando do governo. O discurso contra o “golpismo” é falso, mas confunde a opinião pública, ainda mais porque confronta as imagens da presidente eleita e do presidente da Câmara.
O impeachment é um dispositivo constitucional, ao qual a oposição tem o direito de recorrer, como aconteceu no governo Collor, que foi afastado do poder, em 1992, em rito sumário. A aprovação do relatório da Comissão Especial, por 32 sim e 1 não aconteceu em 24 de setembro; cinco dias depois, a admissibilidade foi aprovada na Câmara dos Deputados, por 441 sim, 38 não e 1 abstenção. A conclusão do julgamento ocorreu no Senado, com perda do mandato, por 76 sim e 2 não, em 30 de dezembro, com Itamar Franco (PMDB) já no poder.
Em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso, o PT também entrou com um pedido de impeachment, que chegou a ser votado. O presidente da Câmara havia indeferido o pedido, mas o PT recorreu ao plenário. Nele, diante da rejeição do recurso, em votação simbólica, requereu verificação nominal de votação: 100 “golpistas” votaram a favor do impeachment; 342 deputados foram contra.
Os demais se abstiveram ou estavam ausentes. Votaram pelo impeachment os atuais ministros Jaques Wagner (Casa Civil), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), Aloizio Mercadante (Educação), Aldo Rebelo (Defesa) e o atual líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE). Hoje, todos consideram a medida “golpismo”.
Plano Temer
Está escrito nas estrelas que o presidente da Câmara, por mais que esperneie, será cassado pelo Conselho de Ética. Não terá os votos do PT, nem os votos da oposição. Dos 21 integrantes do Conselho de Ética, hoje, contaria com apoio de apenas nove. Amanhã, com a instalação do Conselho de Ética, que elegerá presidente e relator, Cunha deixará de ser protagonista do impeachment, mas continuará sendo um ator importante quanto à admissibilidade do pedido, porque manterá sua influência na Casa.
Enquanto governo e oposição disputam o controle da comissão especial que examinará a admissibilidade do impeachment, com 65 deputados, a presidente Dilma Rousseff corre atrás do PMDB. Como naquele velho samba bandido de Bezerra da Silva — “A necessidade obrigou / Você me procurar / Você era orgulhosa / Mas a necessidade acabou com a sua prosa” –, ela tenta se reaproximar do vice-presidente Michel Temer, que passou ser uma alternativa real de poder em razão do agravamento da crise econômica.
A saída do ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, que protocolou sua demissão no Palácio do Planalto e viajou para Porto Alegre na sexta-feira, sinalizou o desembarque do PMDB do governo. O político gaúcho conhece o organograma do poder na Esplanada dos Ministérios e os interesses contrariados de cada deputado.
Assim como seu antecessor, o ex-ministro Moreira Franco articula o programa de governo de transição, o Plano Temer; Padilha pode operar as alianças necessárias para aprovar o impeachment e montar o novo governo de “salvação nacional” com os líderes da oposição. Mas tudo vai depender do soldado mais lento. É por isso que Temer tem um encontro marcado amanhã com o governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin.