Eduardo de Oliveira Fernandes
Doutor e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança (CAES), especialista em Ciências Sociais, Bacharel em Direito, professor de Ciência Política e Sociologia da Violência da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e de Sociologia das Faculdades Pitágoras. É autor do livro ”As Ações terroristas do crime organizado”, São Paulo, Livrus, 2012.
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Recente pesquisa do Instituto Datafolha apresentou um quadro preocupante no que se refere à confiança dos cidadãos paulistanos em relação às polícias.
A pesquisa que foi levada a efeito diante da eclosão de recentes episódios de flagrante desvio de conduta ética, moral e legal (chacinas, execuções, fraudes processuais, extorsões etc.) praticados por policiais militares e devidamente registrados por câmeras de celulares e outros equipamentos de vigilância, sem dúvida, colocou em xeque a credibilidade das instituições responsáveis pela aplicação da lei.
Nesse diapasão, conforme publicação do periódico Folha de São Paulo de 06 de novembro de 2015 registrou-se que 60% dos paulistanos declararam nutrir medo pela Polícia Militar, enquanto que a Polícia Civil apresentou a porcentagem de 55% nesse mesmo quesito.
Apesar desses preocupantes números, é importante considerar que a polícia – lato sensu- é uma instituição de grande importância e presente em todas as sociedades contemporâneas, pois tem a seu favor a ideia de ser um elemento imprescindível para a segurança das relações sociais.
Originária da Europa e dos Estados Unidos da América (EUA), no século XIX, a Polícia, enquanto corpo profissional para atuar na ordem pública, foi criado com o intuito de substituir os exércitos regulares nessa missão e, ao mesmo tempo, contrapor-se à sua forte concentração de poder, além de erradicar a ação das milícias privadas, notadamente pela percepção de que não eram confiáveis.
Porém, de outro modo, de acordo com a cultura da sociedade em que atua, a Polícia pode ter o condão de prodigalizar grandes índices de rejeição e críticas à sua atuação direta em agir e intervir na vida das pessoas.
Relacionamento de difícil compreensão e explicação, sobretudo nos dias atuais, a interação Polícia-Cidadão, tem sido alvo constante de estudos científicos que tentam dissecar o motivo pelo qual é um senso comum a recalcitrância dos indivíduos quando submetidos a uma abordagem policial ou mesmo a uma ação mais direta e enérgica do policiamento, ainda que a sociedade, de maneira geral, exija ações de policiamento e políticas públicas voltadas diretamente para a segurança pública.
A dificuldade é ainda mais visível quando a sociedade insiste em cobrar uma mensagem civilizatória de suas forças de segurança e, ao mesmo tempo, entoa mantras sociológicos tais como “bandido bom é bandido morto”, conforme apontado em recente pesquisa do mesmo Instituto Datafolha, que aferiu que 50% da população apoia tal premissa, restando claro que ninguém quer defrontar-se com um cadáver ou o sangue deste na porta da sua casa.
Essa visível e notória dificuldade de comunicação entre a Polícia e a sociedade é apontada por muitos especialistas e estudiosos de segurança pública como o agente catalisador da recalcitrância dos indivíduos em relação ao trabalho policial.
Tal dilema, seguramente, não encontrará uma fácil solução, porém é importante considerar que esse desafio tenderá a ser superado quando tanto a sociedade como a polícia passarem a compreender as suas diferentes alteridades e, ao mesmo tempo, além do respeito mútuo, nutrirem interesse e curiosidade em se conhecer, a fim de que a deferência demonstrada não denote a ideia de uma bem construída “mentira educada”.
De outro modo, caso não ocorra a pretendida ressignificação, no cotidiano das pessoas, tornar-se-á quase impossível de ser notada a “beleza do papel da Polícia”, sobretudo quando as suas ações atingirem os resultados esperados, notadamente pelo fato de ser quase invisível aos nossos olhos, restando espaço apenas para uma “civilização do espetáculo”, que naturaliza a violência, celebra o bom bandido como bandido morto e aguarda os desvios da polícia, perpetuando a máxima sartriana de que “o inferno serão sempre os outros”, como se as forças de segurança fossem integradas realmente por seres alienígenas.
Por fim, vale a pena captar e considerar a mensagem oriunda da sociedade dando conta de que a polícia, realmente, necessita melhorar para que a segurança possa ser pré-condição para cidadania e, no mesmo sentido, postular que a sociedade, por seu turno, deverá trilhar no mesmo sentido para que a simetria de comunicação entre ambas – polícia e sociedade- possa um dia constituir-se com um verdadeiro signo de confiança mútua.