Search
Close this search box.

Os rumos do Programa Espacial Brasileiro

Após a cerimônia em comemoração ao aniversário do Inpe, realizada no começo de setembro em São José dos Campos,  o presidente do SindCT, Ivanil Elisiário Barbosa, conversou com o Ministro Aldo Rebelo e lhe entregou uma carta aberta.
 
São José dos Campos, 4 de setembro de 2015.
 
Ao Excelentíssimo Senhor
JOSÉ ALDO REBELO FIGUEIREDO
Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI
 
O Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia no Setor Aeroespacial (SindCT), em nome dos servidores do INPE, DCTA e Cemaden, aproveitando a visita de V. Exa. ao INPE na ocasião de seu 54º aniversário, vem externar a V. Exa. um balanço sintético que vimos construindo ao longo dos últimos anos acerca dos rumos do Programa Espacial Brasileiro (PEB).
   
Como é do conhecimento de V. Exa., o PEB tem seus primórdios no Brasil em meados da década de 1950, com a criação do ITA e do IAE, ambos pertencentes ao CTA (hoje DCTA), e, em 1961, com a criação do Gocnae, que viria a se transformar no INPE. Desde então tem cabido fundamentalmente ao IAE e ao INPE a responsabilidade pela execução das atividades previstas no Plano Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).
   
Ao longo destas mais de seis décadas o PEB experimentou períodos de grande efervescência, com o desenvolvimento da família de foguetes de sondagem Sonda pelo IAE, a criação do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), a implantação da infraestrutura necessária para o projeto, fabricação e teste de satélites no INPE, culminando com a aprovação da chamada Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), em 1980, quando o país se impôs a meta de dominar o ciclo completo de acesso ao espaço, com a colocação de um satélite em órbita, por meios próprios, a partir do território nacional. Conforme lembrado por V. Exa. em discurso proferido aos formandos da pós-graduação do ITA em junho deste ano, a MECB foi abandonada sem alcançar o objetivo a que se propunha.
   
Hoje o PEB vive um paradoxo: apesar de os recursos destinados ao PNAE terem saltado de menos de R$ 100 milhões em 2000, para mais de R$ 300 milhões anuais, nunca esteve tão abandonado e enfraquecido em termos de planejamento, objetivos e metas a serem alcançadas, a ponto do Plano Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) ser conhecido jocosamente no meio técnico como uma "peça de ficção científica", já que nenhuma de suas metas foram alcançadas, seja no tempo previsto, seja em tempo algum.
   
Decisões estratégicas equivocadas têm trazido enormes desgastes ao PEB, dentre as quais destacam-se:
o acordo de salvaguardas que se tentou estabelecer com os EUA, em bases totalmente desvantajosas ao Brasil, em que o país abriria mão da própria soberania sobre sua base de lançamento em Alcântara. Tal projeto de acordo foi  corretamente rechaçado pelo ex-presidente Lula e pelo Congresso Nacional;

– a participação do Brasil no programa da Estação Espacial Internacional (ISS), que desviou os parcos recursos do PEB para o desenvolvimento de um único equipamento (que nunca chegou a ser entregue), com o compromisso de se ter a bordo da ISS um astronauta brasileiro (objetivo alcançado por meios alternativos, com a compra de uma passagem para a estação a bordo de um foguete russo, como vêm fazendo vários outros turistas espaciais);

– a criação da estatal brasileiro-ucraniana Alcantara Cyclone Space (ACS), que previa o lançamento comercial de satélites por meio de um foguete ucraniano (Cyclone-4), a partir da base de Alcântara, projeto este que trouxe cerca de um bilhão de reais de prejuízos aos cofres públicos. Recém extinto sem que nenhum dos objetivos tenham sido cumpridos, os recursos drenados teriam sido muito importantes para o desenvolvimento do foguete nacional VLS, totalmente esquecido, sem recursos e sem equipes, inclusive gerenciais, capazes de fazê-lo avançar;

– a criação da joint-venture Visiona Tecnologia S.A., entre a Embraer e a estatal Telebrás, que vem atuando apenas como intermediária na aquisição, inteiramente no estrangeiro, do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC-1), alijando de seu desenvolvimento não apenas o INPE, mas toda a indústria nacional que serve ao PEB.

   
Todos estes problemas são de conhecimento do governo e das autoridades competentes; basta ver os vários documentos de balanço do PEB elaborados nos últimos anos pela Comissão de Altos Estudos da Câmara dos Deputados, pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, além das contribuições dos próprios profissionais que atuam no setor, por meio da Associação Aeroespacial Brasileira (AAB) e deste SindCT, que mês a mês vem denunciando os inúmeros problemas por que passa o PEB.

Não há como eximir a Agência Espacial Brasileira dos pífios "resultados" do PEB, pois cabe à AEB o papel fundamental de orientar o governo sobre a política espacial do país, assim como gerir a execução das metas e projetos a que o país se prontificou a atingir. Se o Brasil errou e segue errando nos rumos estratégicos da política espacial, isso se deve antes de tudo a erros da AEB. Para tanto, consideramos urgente promover uma profunda estruturação desta agência, não apenas mudando os responsáveis por sua condução, mas também dotando-a de corpo técnico-administrativo à altura dos grandes desafios que o PEB tem pela frente.
   
O PEB precisa ser transformado em Programa Estratégico de Estado, em que o Governo Federal decida (e dê consequência) sobre o que espera para o país de um programa espacial autônomo. É o que tem feito, por exemplo, a Argentina, que mesmo enfrentando dificuldades de ordem política e econômica, tem investido cerca de 1,3 bilhão de dólares ao ano em seu programa espacial, ou seja, mais de 15 vezes o valor investido pelo Brasil. Como resultado, o país vizinho está lançando seu segundo satélite geoestacionário em 11 meses, satélites estes inteiramente projetados, montados e testados em solo argentino, além de terem retomado o projeto de seu foguete lançador de satélites, o Tronador II, que já passou por dois testes de voo em 2014.
   
Externamos nosso total acordo com sua proposta de o país retomar a MECB, recolocando para o PEB as grandes metas ainda não atingidas na década de 1980. Somente com uma AEB forte e capacitada, recursos continuados e suficientes, fortalecimento do corpo técnico dos nossos institutos (INPE e DCTA) e, acima de tudo, com a decisão do Estado em se atingir a tão sonhada autonomia em todo o ciclo de acesso e uso do espaço, o país poderá mostrar resultados concretos na área espacial.
   
Por fim, Sr. ministro, este sindicato recebeu uma grave denúncia: na contramão da necessidade de se fortalecer o parque industrial aeroespacial brasileiro, a AEB teria decidido adquirir de "prateleira" o Satélite de Coleta de Dados Hidrológicos – SCD Hidro, satélite cujo domínio tecnológico o INPE já detém e que poderia plenamente ser produzido pela indústria brasileira. De acordo com esta denúncia, seria utilizado o mesmo modelo de contratação do satélite SGDC, com integração pela Visiona de um produto a ser adquirido integralmente da europeia Thales Alenia, sem transferência de tecnologia e sem participação da indústria nacional. Já teriam sido enviados emissários à França para as tratativas da aquisição.

Isto constitui uma sabotagem ao PEB,  num momento em que a indústria aeroespacial brasileira está encolhendo, demite trabalhadores e desmonta sua infraestrutura. Respeitosamente solicitamos sua intervenção na averiguação destas informações para que haja um debate aprofundado desta questão antes que se subtraiam empregos brasileiros e que seja prejudicada a árdua jornada em busca do fortalecimento da soberania nacional.
   
Contamos com sua colaboração nesta ainda longa e distante jornada.
 
Ivanil Elisiário Barbosa
Presidente do SindCT

Compartilhar:

Leia também
Últimas Notícias

Inscreva-se na nossa newsletter