Reflexões Teóricas Sobre Conflitos Assimétricos:
Parte I – Introdução ao Momento Atual
Prof. Rogério Atem de Carvalho, D.Sc
Instituto Federal Fluminense
Prof. Eduardo Atem de Carvalho, Ph.D
Universidade Estadual do Norte Fluminense
Série Reflexões Teóricas Sobre Conflitos Assimétricos, Parte I – Introdução ao Momento Atual Link
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Resumo
O campo de batalha contemporâneo apresenta características da dita guerra assimétrica, onde o tempo passou a ser um fator crucial, superando o domínio do terreno em vários casos. Os Exércitos precisam manter o controle sobre o tempo para evitar uma derrota no nível estratégico, ainda que tenha sido capaz de vencer no nível tático. Este artigo busca comentar brevemente os principais pontos da guerra contemporânea e servir de introdução para uma série de outros que tratarão de aspectos basilares desse tipo de conflito.
Escopo
O cenário aqui compreendido é o da chamada guerra híbrida, termo entendido como abrangendo uma combinação de guerra irregular, terrorismo e crime organizado para alcançar objetivos políticos, onde o caso mais recente parece ser a ação russa na tomada da Criméia [1]. Assim, considerar-se-á que a guerra contemporânea é do tipo híbrida.
Cenário Contemporâneo
Na atualidade, os exércitos são forçados a se preparar para conflitos de natureza convencional que podem criar conflitos assimétricos, ou vice-versa. O Oriente Médio é o melhor laboratório de estudos para este tipo de conflito e suas experiências não podem ser ignoradas, sob pena de se conseguir custosas vitórias táticas nos campos de batalha ao mesmo tempo que se sofre fragorosa derrota estratégica.
Nos conflitos contemporâneos, como previsto no campo filosófico por Paul Virilio [2], o tempo passou a ter prevalência sobre o terreno no processo decisório, tornando-se senhor absoluto no nível estratégico, em todos os conflitos.
Na guerra convencional os custos progressivos ao longo do tempo do conflito correm contra os exércitos regulares; na guerra não-convencional o tempo passa a ser regulado não pelo custo financeiro e humano do conflito, mas pelo custo político, cabendo às forças regulares a eliminação do inimigo em um prazo muito mais curto que o desejável, antes que a máquina de propaganda do inimigo comece a desgastar a imagem da força regular, com informação multimídia manipulada e plantada em redes sociais e meios de comunicação.
A Guerra da Chechênia foi o primeiro evento onde uma nova forma de lutar claramente emergiu, baseada em uma combinação de atores não-estatais agindo em pequenos grupos – clássica das guerrilhas – com um poder de fogo ampliado pela ação em rede, fazendo uso de uma pletora de atividades que vão do ativismo ao terrorismo, passando pelo crime organizado em nível estratégico, a dita netwar [3].
Chechênia: Caso Emblemático
Basicamente todos os problemas encontrados pela OTAN no Iraque e no Afeganistão foram enfrentados, em menor escala e por um período mais curto, anos antes na Chechênia pelos russos. Nesse conflito ficou latente como o modo castrense de pensar das forças regulares se vê desafiado por duas forças:
1) o aumento expressivo da velocidade das ações força a tomada de decisão pelos escalões inferiores ou, não o fazendo assim, cria uma espécie de apoplexia operacional que leva a uma consequente perda da iniciativa no combate, e,
2) o uso cada vez maior de forças irregulares, tornado a guerra cada vez mais “civil”, como também já havia previsto Conner [4].
O primeiro ponto tem como principal problema o fato de os escalões inferiores usualmente não terem maturidade nem visão do todo suficientes para tomar as melhores decisões, ainda mais em cenários de não-guerra, onde o volume de informações a lidar é muito maior.
O segundo ponto tem como fator de pressão o fato de que a melhor maneira de se combater forças irregulares é com forças especiais [5], mas que país consegue formar FEs na quantidade suficiente para enfrentar populações hostis inteiras? Não dispor de FEs em quantidade significa que forças convencionais farão seu papel, um típico dejavú.
Mas como dar combate a irregulares em ambientes onde usualmente estes se misturam e fazem parte da população civil, impedindo a artilharia de realizar seu devastador apoio de fogo? Assim como o poder decisório, o poder de fogo teve que ser levado aos escalões inferiores, e também num nível de precisão, de detalhamento maior. A resposta estaria na tecnologia.
Entra a Tecnologia
Para resolver a questão da rápida tomada de decisão, foi adotado o conceito de Network Centric Warfare (NCW, Guerra Centrada em Redes), originalmente surgido no cenário aéreo e posteriormente transposto para o mar e a terra.
O NCW visa prover, simultaneamente, maior consciência situacional ao combatente individual e aos escalões decisórios, através do emprego de comunicações seguras, sensores diversos e de fusão de dados, de maneira a manter o combatente individual conectado na rede de Comando e Controle enquanto que, através da agregação, tratamento e fusão de dados, cria rápida e dinamicamente, representações sintéticas do campo de batalha para o comando.
Para resolver a questão de forças convencionais adquirirem melhor capacidade de combater irregulares, a tecnologia veio na forma de Carros Blindados de Transporte de Pessoal (CBTP) com maiores e melhores blindagens, maior poder de fogo e capacidade de se integrar ao ambiente NCW e fabricados com características semelhantes aos Carros de Combate – inclusive blindagem, torre de tiro automática, comunicações digitais e sensores ópticos e térmicos [6].
Conclusões
As rápidas conclusões que se pode chegar são as que se seguem:
– Os tempos nos campos de batalha contemporâneos são bastante curtos. E determinados pela magnitude e sucesso da ofensiva midiática do oponente. Este tem que estar derrotado antes que o alienado médio urbano comece a reagir ao conflito, motivado pelos porta-vozes adversários.
– A tecnologia passa a ser cada vez mais fator prepoderante para aumentar a coordenação entre os meios e dar poder decisório aos escalões inferiores, enquanto que se mantém as ações no campo alinhadas aos objetivos estratégicos. A tecnologia supre também armamento e munições de menor poder destrutivo mas maior precisão, de maneira a fazer ataques concentrados em alvos dispersos em meio à população e instalações civis.
– Cada vez mais as fronteiras entre civil e militar, entre guerra e não-guerra se tornam difusas e dinâmicas: os cenários mudam com a velocidade da Comunicação.
Este breve artigo, primeiro de uma série, introduziu o cenário de guerra na qual os seguintes irão se basear, focando em aspectos específicos deste cenário.
Referências Bibliográficas
[1] Aranha, F. Guerra Híbrida – Um Breve Ensaio DefesaNet. , acessado em 30 de abril de 2015.
[2] Virilio, P. Vitesse et politique, Éditions Galillée, 1977.
[3] Arquilla, J., Karasik, T. Chechnya: A Glimpse of Future Conflict? Studies in Conflict & Terrorism, 22: 207:229, Taylor & Francis, 1999.
[4] Connor, K. Ghost Force – The Secret Story of the SAS, Cassell Military, 1998.
[5] Visacro, A. Guerra Irregular: terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da História, Contexto, 2009.
[6] Zidon, O., Armored Fighting Vehicles of the Israely Defense Force in the 21th Century, Wizard Publications, 2012.