TC Alex Alexandre de Mesquita
Comandante do Centro de Instrução de Blindados (CIbld),
Colaboração do Capitão de Infantaria Thales Ferreira da Silva – Instrutor
O combate noturno é uma das formas de combate terrestre mais complexas a serem conduzidas. A falta de visibilidade é o principal fator determinante desta complexidade, que traz consigo o cansaço do militar, em função de alterações fisiológicas; o desconforto psicológico, advindo da falta de percepção do campo de batalha e a crescente busca em surpreender a ser surpreendido.
Até as Guerras de Primeira Geração, pouco ou nada era realizado sob a cobertura da noite, mas a partir da II Guerra Mundial isto passou a se alterar. A Guerra do Yom Kippur (1973) foi um conflito repleto de ações noturnas, em particular com meios blindados e mecanizados e que até hoje é pouco estudado no âmbito da Doutrina Militar Terrestre (DMT) brasileira.
Naquele conflito, as forças sírias dispunham de meios de origem soviética que impuseram aos israelenses nas Colinas de Golan combates continuados e extremamente violentos. É desta época o surgimento dos primeiros sistemas de visão noturna ativos, que utilizavam o infravermelho e equipavam os blindados russos T-55, com a luneta TPN-1-22-11 IR. A partir daí, o desenvolvimento de novas tecnologias não parou mais.
No Brasil, o primeiro sistema incorporado ao Exército Brasileiro surgiu com o recebimento dos M113, em meados da década de 70, que possuía o periscópio M19 de visão infravermelha para o motorista. Já os sistemas de segunda geração, Tile utilizam a visão termal, só foram recebidos, no Brasil, na década de 90, com a inclusão dos carros de combate M-60 A3TTS (Tank Thermal Sight).
Em função desta nova capacidade, os M-60 A3TTS iniciaram uma necessária revolução no emprego de blindados a partir de seu recebimento. Atualmente, com a inclusão dos carros de combate Leopard 1 A5 à frota blindada e com o desenvolvimento da Viatura Blindada Transporte de Pessoal – Média de Rodas (VBTP MR)-6×6 Guarani, dotados de sistemas de visão termal e modernos equipamentos de direção e controle de tiro, faz-se realmente necessário realizar uma revisão da doutrina de emprego desses meios.
Sobre o emprego de blindados, esses conceitos doutrinários foram condensados no manual de campanha C17-20, Forças Tarefas Blindadas, 3ª edição, do ano de 2002.
No que se refere ao emprego de blindados no combate noturno, o tema é tratado no capitulo dedicado às Operações Ofensivas, limitando a forma de emprego noturno de blindados a uma clara adaptação do previsto para o ataque noturno tratado no manual C7-20 (Batalhões de Infantaria).
Mas será que não podemos mais que isso?
Limitar o emprego das frações blindadas e mecanizadas ao preconizado para as tropas a pé, com medidas de coordenação e controle restritivas, reduz a iniciativa dos planejadores táticos de explorar ao máximo a capacidade desses meios. Além disso, estas medidas restritivas acabam por expor estes nobres meios à observação e ao fogo do inimigo.
Os novos blindados dotados de grande mobilidade, sistemas de direção e controle de tiro precisos, comando e controle eficientes, optrônicos modernos e de sistemas de navegação eletrônicos, podem conduzir operações coordenadas com urna grande letalidade seletiva e em objetivos mais profundos do sistema defensivo inimigo.
Há de se pensar, também, no emprego noturno dos meios blindados em outros tipos de operações, conceitos ainda não explorados pelo manual de campanha C17-20.
Porém, nos dias atuais o carro de combate é o único meio da Força Tarefa capaz de conduzir operações noturnas com a eficiência e a precisão requeridas ao sucesso das operações.
Para tentar identificar oportunidades para o aperfeiçoamento das operações noturnas com meios blindados e mecanizados, o Cl Bld está utilizando os Exercícios de Adestramento Tático em Simuladores Virtuais(1), para estudar a modernização da doutrina no escalão subunidade.
É fato que, desde a edição das Bases para a Modernização da Doutrina Militar Terrestre (Doutrina Delta), em 1996, ocombate noturno, dentro do conceito de combate continuado já era um paradigma doutrinário e como tal carecia ser exercitado.
Cumpre destacar, também, que o uso de equipamentos ativos de visão noturna (infravermelho por exemplo) impõem um adestramento totalmente diverso de quando são empregados equipamentos passivos (intensificador de luz e visão termal).
A utilização dos meios termais trouxe à Força Terrestre uma capacidade que vai além de enxergar à noite, mas também de enxergar através das camuflagens artificiais e naturais. Esta mesma facilidade, quando disponível ao inimigo, obriga a adoção de Táticas, Técnicas e Procedimentos novos, que permitam a segurança e a prontidão operativa das frações blindadas e mecanizadas.
Os estudos realizados no Centro General Walter Pires, aliados ao conhecimento adquirido em cursos e intercâmbios de especialistas no exterior, apontam para um caminho irreversível na direção do combate noturno, apoiado por meios termais de observação, direção e controle de tiro.
Assim, é importante que os conceitos que envolvem o emprego do combinado carro de combate — fuzileiro (CC-Fuz) blindado e das demais frações blindadas e mecanizadas sejam revistos, uma vez que atualmente a primazia neste tipo de operação é do carro de combate, em detrimento do fuzileiro.
O combinado CC-Fuz pode ser empregado em urna mesma via de acesso, por vias de acesso convergentes ou com CC apoiando os Fuz pelo fogo.
Na medida em que os CC possuem melhores condições de combater à noite, graças á sua visão termal, considera-se que um bom emprego do combinado seria com os CC liderando o movimento e os Fuz seguindo à retaguarda; ou o CC apoiando pelo fogo a ação dos Fuz.
Na primeira situação, os Fuz devem ter condições de identificar os CC à frente, de modo a não ocorrerem ações que redundem em fratricídio. Neste tipo de dispositivo, a ação ofensiva é mais agressiva, mas não permite que os Fuz realizem fogos em direção ao inimigo.
Em contrapartida, o emprego do CC apoiando as ações do Fuz diminui a agressividade, contudo aumenta a surpresa, pois o inimigo é engajado por frações diferentes e permite ao CC empregar o seu armamento em melhores condições.
O desenvolvimento tecnológico e o emprego desses equipamentos já é algo comum nos combates modernos, como ficou patente na Guerra do Golfo em 1991, quando as forças da coalizão lideradas pelos EUA combateram à noite com quase a mesma capacidade do que de dia.
Os modernos blindados M1A1 Abrams e M2A1 Bradley, agregavam armamento de grande letalidade a modernos sistemas de direção e controle de tiro baseados em visão termal. Mas como essa doutrina de ataques noturnos precisos se consolidou?
Esta pergunta também merece ser feita à luz da DMT brasileira, de modo a permitir aos Comandantes em todos os níveis explorarem toda a capacidade das suas frações, mostrando que o Combate Noturno é o ambiente adequado para o emprego eficiente e letal da tropa blindada e mecanizada.
AÇO, BOINA PRETA, BRASIL!
Nota
1 Tratado na Escotilha do Comandante de 24 de março, A Simulação Virtual e a Experimentação Doutrinária.
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