Márcio Kroehn
O Brasil registra uma das menores médias de voos domésticos por habitante. É 0,5 viagem aérea anual, ante 1,7 vez dos países desenvolvidos e 2,5 vezes dos Estados Unidos. Parte desse problema está ligada aos gargalos da infraestrutura dos aeroportos regionais. Sem eles, tanto as empresas aéreas regulares como os donos dos jatinhos particulares têm deslocamento limitado dentro de um país com dimensões continentais. "A aviação executiva gera receita, cria empregos e gira a economia", diz Rodrigo Pesoa, diretor-geral da Dassault para a América Latina.
Descendente de uruguaios (o que explica o esse simples no sobrenome), nesta entrevista concedida à DINHEIRO, o executivo sobrevoa o momento atual da economia brasileira, os problemas internos da aviação, como a falta de aeroportos para viagens domésticas, e o futuro do mercado de jatinhos.
DINHEIRO — O que cria o desejo no dono de um jato menor comprar uma aeronave maior?
RODRIGO PESOA — Esses aviões não são luxo, são ferramentas de trabalho. Não é o desejo de passear em Nova York ou Paris. O motivo são negócios, principalmente a partir da internacionalização das empresas brasileiras. Internamente, o Brasil é muito mal atendido pelas linhas áreas comerciais. Depende do segmento, é claro, mas temos clientes que precisam estar em quatro ou cinco estados num dia, para visitar fábricas. Na aviação comercial isso é praticamente impossível. Mas, com o próprio avião, ele consegue. É preciso entender a aviação executiva como ferramenta de trabalho e não como item de luxo.
DINHEIRO — O sr. enxerga os gargalos na aviação como uma falha das empresas comerciais ou como um problema da infraestrutura aeroportuária do Brasil?
PESOA — Um pouco das duas coisas, embora a infraestrutura seja um problema sério, porque afeta tanto a comercial como a executiva. Nós sentimos muito esse gargalo. Existe um lado político que é feito pela associação do setor, mas não temos tido retorno positivo de Brasília. O governo tem de entender que a aviação executiva gera receita, cria empregos e gira a economia. O setor público precisa acabar com essa imagem de que aviação executiva é luxo, porque não é. É importante para o Brasil. Hoje, infelizmente, não é visto dessa forma.
"O Brasil é uma incógnita, às vezes imaginamos um ano ruim e vem uma surpresa boa"
DINHEIRO — Quais são os problemas que essa falta de estrutura causa?
PESOA — Temos problemas sérios no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Os espaços estão cada vez menores para a aviação executiva. Muitos executivos têm de deixar o avião entre 100 a 200 quilômetros da capital e se deslocar de helicóptero até a cidade. No Rio de Janeiro, é outro problema seriíssimo. Em Sorocaba, onde temos o nosso centro de serviços, foram muitos anos de batalha para conseguir melhorias elementares, como uma torre de controle. E não fomos só nós, mas todas as concorrentes que estão ali perto, como a Embraer. Ainda estamos em busca da internacionalização do aeroporto. São avanços como esses que são difíceis de conseguir com o governo.
DINHEIRO — Qual é a necessidade de um aeroporto dedicado à aviação executiva dentro da cidade de São Paulo? Com a redução de espaço no aeroporto de Congonhas, o sr. enxerga o Campo de Marte como uma alternativa?
PESOA — Não vejo o Campo de Marte como uma alternativa viável, pois existe uma série de restrições operacionais que inviabilizam a operação da aviação executiva de grande porte. Existem algumas alternativas, da iniciativa privada, de aeroportos dedicados à aviação executiva em cidades próximas a São Paulo. Isso sim ajudaria a resolver o problema atual de falta de estrutura.
DINHEIRO — Qual é o peso que teria para a unidade de jatos um contrato da Dassault militar com a Força Aérea Brasileira?
PESOA — As divisões militar e executiva são totalmente separadas na Dassault, por isso é bastante difícil mensurar o tamanho do ganho que teríamos na divisão de jatos executivos se tivéssemos sido vitoriosos no contrato com a FAB [o governo brasileiro assinou o contrato de compra de 36 caças Gripen, fabricado pela sueca Saab, em outubro de 2014. Em 2009, o Rafale, da Dassault, chegou a ser anunciado como o modelo escolhido após reunião entre os ex-presidentes Lula e Nicolas Sarkozy. O acordo, porém, não foi concluído.
DINHEIRO — Os carros estão se tornando vilões da sustentabilidade, tanto que a Fiat uniu o novo Punto a uma bicicleta numa propaganda. Nesse sentido, o avião não está à frente dos automóveis?
PESOA — Fazemos a nossa parte em relação ao consumo de combustível. As nossas aeronaves estão, em média, 40% abaixo do que determina a regulamentação de emissão de gases. A Dassault sempre se preocupou com o consumo e os Falcons estão entre os aviões do segmento que menos consomem. Temos um cliente no Brasil, que não posso revelar o nome, que colocou o consumo como ponto determinante para comprar um Falcon. O lado ambiental pesou mais que qualquer outro fator.
DINHEIRO — O mercado de jatos executivos parece ter crescido mais rápido do que a qualificação de pilotos para certos tipos de aeronaves. Como o sr. analisa o estágio de conhecimento dos profissionais?
PESOA — No nosso segmento de aeronaves, e incluo os nossos concorrentes, de aviões de US$ 30 milhões para cima, os pilotos são muito bem capacitados no País, com raríssimas exceções. Eles têm melhor conhecimento que a média internacional. Não vejo, hoje, que tenhamos problemas de falta de qualificação ou de pilotos para atender o mercado. Nos jatos menores pode ser mais complicada a situação, mas não saberia dizer. Já na parte técnica e mecânica, a complexidade é maior. Não foi fácil encontrar pessoas para as contratações que foram feitas para o nosso centro de serviços. A nossa frota aumentou muito nos últimos anos. Passamos de aproximadamente 10 aviões para mais de 50. Havia a necessidade de termos um centro não só pelo Brasil, mas também pela América do Sul. E foi complicado encontrar especialistas no nosso mercado.
DINHEIRO — No ano passado a Dassault teve queda de faturamento e uma venda menor de aviões. Qual é a expectativa da empresa com a América Latina para recuperar o desempenho global?
PESOA — De 2009 a 2013, a região teve um papel muito relevante, quando a Europa e os EUA ficaram estagnados. As vendas só continuaram em alta em razão de Ásia e América Latina. Por isso, o mercado latino americano é considerado fundamental para a empresa. Evidente que, quando os americanos e os europeus estiverem bem novamente, as vendas nesses locais serão maiores.
DINHEIRO — O que significa um bom ano para a empresa no Brasil?
PESOA — Até a crise de 2008 chegamos a ter uma média de oito aviões vendidos por ano. Depois, passou a ser de quatro aviões novos vendidos. Nos próximos quatro a cinco anos queremos manter essa média.
DINHEIRO — Há dois anos, o sr. John Rosanvallon, presidente da empresa, afirmou que o mercado nunca mais repetiria o desempenho desses anos dourados. O pensamento continua igual, ou seja, repetir o resultado de 2004 a 2008 será muito difícil?
PESOA — Foram anos atípicos, um momento mundial fantástico, onde se vendiam muitos aviões executivos, principalmente no Brasil. Em 2007 chegamos a vender 14 aviões no mercado brasileiro. É muito difícil conseguir repetir esse desempenho. A curto prazo, não imagino isso acontecer. Mas não dá para prever o que ocorrerá em dez anos.
DINHEIRO — Quais fatores têm de colaborar para o mercado de jatos executivos repetir esse comportamento?
"Aeroportos para aviação executiva resolveriam o problema da infraestrutura"
PESOA — A economia voltar a crescer, esse é o fator número um. E não apenas no Brasil, mas no mundo. No caso brasileiro, é preciso que as pessoas e os empresários recuperem a confiança para voltar a investir. O que nós vimos naquele momento eram as empresas que tinham aviões menores terem confiança para comprar aviões maiores, que é o nosso segmento. Principalmente porque estavam fazendo mais negócios no exterior. Esse foi o fenômeno que aconteceu naquele momento e algo assim precisaria voltar a se repetir.
DINHEIRO — Qual é a imagem atual do Brasil para os executivos da Dassault, na França, e como eles analisam a crise política e econô¬mica do País?
PESOA — A imagem do Brasil, em geral, ainda é bastante positiva. O País é um dos locais onde mais investimos no mundo, e assim continuará sendo. Logicamente que a crise política e econômica nos traz apreensão, mas a confiança permanece em alta.
DINHEIRO — A desvalorização do real frente ao dólar é motivo de preocupação para a venda de produtos de alto valor?
PESOA — O que impacta mais o nosso mercado é a instabilidade da economia, muito mais do que o valor do dólar. Existem clientes que vão ficar muito felizes com o novo câmbio, outros nem tanto. O grande problema é a instabilidade, é não saber onde tudo isso vai parar.
DINHEIRO — Mas essa turbulência exige uma revisão dos planos.
PESOA — O Brasil tem sido um dos nossos principais mercados nos últimos 12 anos. Este será um ano um pouco mais complicado, principalmente em razão da economia. Mas o País não deixará de ser um mercado importante. Estamos investindo bastante. Temos um centro de serviços em Sorocaba, onde aumentamos praticamente 50% a capacidade, com um investimento de US$ 10 milhões. Existe uma retração na economia, que tende a significar uma retração de vendas. Mas isso é apenas uma tendência. O Brasil é uma incógnita, às vezes imaginamos que pode não ser um ano tão bom e vem uma surpresa boa. No ano passado, imaginávamos algo muito pior do que aconteceu. A expectativa, no começo do ano, foi superada e vendemos quatro jatos. Neste ano, especificamente, talvez seja o momento mais complicado da última década.