No contexto das ações de segurança planejadas para a Copa do Mundo FIFA 2014, o Comando de Operações Especiais (COpEsp) recebeu do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas do Ministério da Defesa a tarefa de assumir a coordenaçãodas ações antiterroristas[1] e contraterroristas[2]. Essa missão, de elevada relevância para que o ambiente da competição estivesse pacífico e seguro, foi traduzida pelo seguinte enunciado:
“planejar, coordenar e executar, num ambiente conjunto e interagências, ações de Prevenção e Combate ao Terrorismo; de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (DQBRN) e Antidispositivos Explosivos Improvisados (Anti DEI), a serem desencadeadas nas áreas de interesse relacionadas ao evento, afim de contribuir com o estabelecimento e manutenção da segurança durante a Copa do Mundo FIFA 2014.”
Ainda que o Brasil não seja um alvo tradicional de grupos extremistas internacionais para o terrorismo, a hipótese de que o País pudesse ser o palco de uma ação terrorista, ou seja, local de uma ação violenta contra um alvo não nacional, não poderia ser descartada.
Para atender a esse imperativo, o COpEsp planejou como seriam conduzidos o preparo e o emprego de suas unidades componentes, num ambiente conjunto e interagências, de maneira a se integrar com as organizações militares, policiais e civis que também operariam com a missão de evitar ações terroristas em território nacional durante a Copa do Mundo FIFA 2014.
Preparação nos Eixos de Contraterrorismo e DQBRN
O COpEsp realizou variadas atividades com foco na capacitação de pessoal, uma vez que seus efetivos orgânicos seriam insuficientes para a abrangência de sua missão. Essas atividades de capacitação de pessoal tiveram início ainda no ano de 2013, com a execução do Estágio de Nivelamento para os Coordenadores dos Centros de Coordenação Tático Integrado (CCTI). O objetivo foi habilitar operadores especiais para compor aqueles Centros, para que houvesse unidade doutrinária e de planejamento no que diz respeito à prevenção e combate ao terrorismo nas 12 cidades-sede.
Seguiram-se outros estágios no ano de 2014: nivelamento para os integrantes das células de Operações de Apoio à Informação (OAI); nivelamento para os integrantes do eixo DQBRN, sobre a forma de atuação integrada e sobre os novos equipamentos adquiridos; e de capacitação para o pessoal de saúde que atenderia aos chamados em caso de ação terrorista. Além disso, também foram realizados estágios para frações dos Comandos Militares de Área, no sentido de capacitá-las para a atuação na varredura contra agentes QBRN e para atuar em postos de descontaminação total.
Com o intuito de permitir melhor integração e interoperabilidade e para intercambiar experiências, o COpEsp realizou em Goiânia, entre 31 de março a 4 de abril de 2014, o Exercício Conjunto Interagências de Operações Especiais. Participaram do evento as equipes de OpEsp das Polícias Militares e Civis dos 12 estados que sediaram jogos da Copa do Mundo, o Comando de Operações Táticas do Departamento de Polícia Federal, o Grupamento de Mergulhadores de Combate e o Grupo Especial de Retomada e Resgate do Batalhão de Operações Especiais dos Fuzileiros Navais. Também estiveram presentes o Comando de Aviação do Exército e o Centro de Avaliação e Adestramento do Exército.
Durante esse período, foram realizadas práticas de tiro com estresse, entrada em ambientes confinados para resgate de reféns, tiro de caçador, progressão em área de alto risco, técnicas aeromóveis, exercício de planejamento de estadomaior em crises terroristas e exercícios de dupla ação com temática de combate ao terrorismo.
O exercício teve grande importância por permitir maior aproximação com as equipes militares e policiais de operações especiais, tanto na esfera federal como na estadual, fato que muito colaborou com o desencadeamento das ações no Eixo de Contraterrorismo no decorrer da Copa do Mundo.
Finalizando o preparo e o trabalho iniciados por ocasião do Exercício Conjunto Interagências, as equipes do COpEsp realizaram, durante as duas semanas que antecederam ao mundial, ensaios (exercícios conjuntos simulados) nas diversas cidades-sede, com a finalidade de retificar e/ou ratificar as técnicas, táticas e os procedimentos observados durante as fases anteriores ao emprego; tendo sempre em vista as características de cada cidade-sede no que diz respeitoprincipalmente às arenas, aos centros de treinamento, hotéis e itinerários das delegações e de chefes de estado.
No sentido de ampliar a percepção dos riscos apresentados por grupos extremistas que usam o terrorismo como arma para alcançar seus objetivos, o COpEsp realizou uma série de palestras para públicos selecionados, visando ampliar o engajamento na área do antiterrorismo.
Órgãos de segurança pública (Polícias Militares e Civis, Corpos de Bombeiros Militares e Guardas Municipais), agentes de segurança de hotéis, seguranças dos estádios de futebol e equipes de segurança de transporte público e de centros de diversão de massa receberam instruções objetivas sobre como identificar ações suspeitas, como informar e como agir em face de tal ameaça.
Após o dia 23 de maio de 2014, o COpEsp desdobrou seus elementos de emprego para integrarem o Centro de Coordenação, Prevenção e Combate ao Terrorismo (CCPCT) e os 12 CCTI, e para reforçarem os Coordenadoresde Segurança de Área.
O CCPCT foi instalado em Brasília-DF para coordenar as medidas de antiterrorismo e de contraterrorismo, OAI e DQBRN, além de travar contato com os outros órgãos e agências que tinham atuação com a prevenção e combate ao terrorismo.
Os CCTI foram alocados nas cidades-sede de jogos da Copa do Mundo, para acompanhar o andamento das ações antiterror e contraterror, com autoridade local para coordenação nos níveis estadual e municipal, e, também, em ligação com órgãos privados.
Caso as medidas de antiterrorismo não fossem suficientes para deter uma ação terrorista, o COpEsp organizou duas Forças-Tarefa de Operações Especiais (FT OpEsp), em alerta, para atuar dentro da área de responsabilidade a cada uma delas atribuída. Dessa maneira, foram ativadas a FT 1º Batalhão de Forças Especiais, com a área de responsabilidade no setor centro e sul do País; e a FT 1º Batalhão de Ações de Comandos, com a área de responsabilidade no setor norte e nordeste do País.
Para atender à questão de mobilidade, as FT OpEsp contaram, durante todo o período da Copa do Mundo, com o apoio de aerotransporte provido por aeronaves C-130 da Força Aérea Brasileira.
As FT OpEsp estiveram prontas para realizar ações diretas para resgate de reféns ou retomada de instalações, ações de inteligência em proveito próprio e emprego de equipes de caçadores antipessoal e antimaterial.
No Eixo DQBRN, foram empregados o 1º Batalhão de DQBRN (Rio de Janeiro) e a CompanhiaDQBRN (Goiânia), ambos coordenados pelo CCPCT, com a missão de realizar ações preventivas e recuperativas contra possíveis ameaças de origem QBRN.
As medidas preventivas desenvolvidas durante a Copa do Mundo foram executadas sob a forma da missão tática de reconhecimento QBRN (Rec QBRN), caracterizado pelas ações de monitoramento, detecção, identificação, coleta de amostras e demarcação de áreas contaminadas, dentre outras.
Todas as cidades-sede contaram com Grupos de Rec QBRN (Gp Rec QBRN) para execução dessas tarefas. Por se tratar de uma operação interagências, a terminologia empregada foi “varredura QBRN”, a qual foi realizada em comboios; hotéis; centros de treinamento de seleção, de imprensa e de convenções, além dos estádios propriamenteditos.
O levantamento de dados de Inteligência foi essencial para a priorização da execução das varreduras QBRN, assim como para a coordenação com outras agências, o que possibilitou a realização de varreduras antibomba integradas e sincronizadas com as varreduras DQBRN.
No que tange às medidas recuperativas, postos de descontaminação (P Dctmc) foram desdobrados em cada cidade-sede para atendimento a possíveis vítimas contaminadas por agentes QBRN. Justapostos aos P Dctmc, uma série de estruturas das agências participantes foi disposta.
Nesse sentido, um módulo de saúde do próprio Exército Brasileiro, dotado de equipamentos de proteção individual, proporcionava o suporte básico de vida que antecede a descontaminação de feridos, além das coordenações necessárias com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) nas ações após a descontaminação.
Na busca da conjugação de esforços necessária em operações dessa natureza, instituições como o Corpo de Bombeiros Militar, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, o Centro Tecnológico do Exército, o Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais de Saúde estavam em condições de serem empregadas, tendo participado inclusive dos ensaios e eventos-teste.
Cabe ressaltar, ainda, a sinergia alcançada pelas agências no estabelecimento dos protocolos de entendimento, nas notas técnicas conjuntas entre os Ministérios da Defesa e da Saúde e nos compromissos de cooperação internacional.
Destacamento de Operações de Apoio à Informação
As OAI são procedimentos técnico-especializados aplicáveis desde a paz estável e sempre de forma sistematizada, de modo a motivar públicos amigos, neutros ou hostis a manifestarem comportamentos desejáveis; tudo com o intuito final de apoiar a conquista dos objetivos estabelecidos.
Tendo em conta as ações de Defesa orientadas para a garantia de um ambiente seguro, tranquilo e estável durante a Copa do Mundo FIFA 2014, as OAI foram divididas em duas fases: preparo e emprego.
No preparo, assume destaque o Estágio de Nivelamento e Atualização de Especialistas, realizado pelo 1° Batalhão de Operações de Apoio à Informação (1º BOAI), localizado em Goiânia. Esse evento teve como públicos não somente os militares do próprio Batalhão, mas principalmente os especialistas em OAI, oficiais e sargentos que foram mobilizados nos Comandos Militares de Área a fim de atenderem às demandas identificadas pelas 12 cidades-sede.
Também quanto ao preparo, cabe salientar a realização de reconhecimentos por parte de equipes especializadas do 1º BOAI, os quais permitiram ampliar o domínio de conhecimentos sobre as peculiaridades regionais e, assim, colaborar com o refinamento dos documentos de planejamento e os adestramentos correspondentes.
Quanto à fase de emprego, importa ressaltar a atuação das OAI nas 12 cidades-sede em suporte às medidas preventivas, seja no que tange às atividades de segurança conduzidas diretamente pelos Centros de Coordenação de Defesa de Área, seja quanto às atividades de prevenção da ameaça terrorista, coordenadas pelos CCTI.
Em termos práticos, as OAI produziram e disseminaram mensagens gráficas e em áudio; realizaram palestras de conscientização e estímulo à adoção de procedimentos de segurança; apoiaram outros atores, tendo em conta as necessidades das operações em ambiente interagências; procederam a análise de discursos denominantes no ambiente informacional; adestraram órgãos de segurança pública na disseminação aérea de produtos gráficos; e integraram forças de contingência com equipes de alto-falantes.
Convém ainda assinalar que as OAI também estavam preparadas para a ocorrência de incidentes, o que certamente imporia a atuação dessas operações nos esforços de gerenciamento de crises, de controle de danos e de gerenciamento de consequências de eventos indesejáveis.
Comando e Controle
Diante das demandas operacionais das tropas de operações especiais e buscando soluções alinhadas com os Projetos Estratégicos indutores da transformação do Exército Brasileiro, o COpEsp desenvolveu uma plataforma móvel de comando e controle com a capacidade de efetivamente dotar as operações especiais de meios capazes de integrar, com a agilidade necessária, o subsistema Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (IVR) com o subsistema Comando, Controle, Comunicações e Computadores (C4).
Esta estrutura, capaz de proporcionar o exercício do C4ISR, foi utilizada pela primeira vez na Conferência Rio+20 e, depois, na Copa das Confederações, na Jornada Mundial da Juventude e, finalmente, na Copa do Mundo FIFA 2014, quando as plataformas foram posicionadas em cinco cidades-sede.
Com essa estrutura tecnológica, o COpEsp obteve a consciência situacional de todas as ações de que seus elementos operacionais participaram, conseguindo visualizar, em qualquer lugar do território nacional e em tempo real, as imagens que eram obtidas pelas lunetas dos caçadores ou por qualquer um de seus elementos de emprego. Além disso, os CCTI tinham em suas mãos a possibilidade de falar diretamente com o militar desdobrado e intervir nas ações em curso.
Apoio de Inteligência
As operações de Inteligência desenvolvidas durante os planejamentos, a preparação e a execução da Operação Copa do Mundo FIFA 2014 por parte do CCPCT e as relativas aos eixos CT e DQBRN, transcorreram, como não poderia ser diferente, num ambiente interagências.
Dessa forma, ainda durante os planejamentos iniciais, buscou-se estabelecer a Rede de Inteligência do CCPCT, visando complementar os enlaces provenientes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e, principalmente, dar maior celeridade à atualização da Consciência Situacional do Coordenador do CCPCT.
Nesse contexto, foram estabelecidos contatos e fluxos de informações com o Centro de Inteligência Nacional, o Centro Integrado de Comando e Controle Nacional, a Divisão Antiterrorismo da Polícia Federal, o Departamento de Contraterrorismo da Agência Brasileira de Inteligência, o Centro de Inteligência do Exército, a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados, o Centro de Defesa Cibernética, o 1º Batalhão de Guerra Eletrônica, o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro, a Divisão de Inteligência da Procuradoria-Geral da República, o Comitê Organizador da FIFA, a Seção de Inteligência da Chefia de Operações Conjuntas, as Seções de Inteligência dos 12 Coordenadores de Defesa de Área e dos 12 Centros de Coordenação Tático Integrado.
A interligação entre os sistemas de inteligência permitiu ao CCPCT acompanhar distintamente todos os eventos previstos, tendo proporcionado informações e dados precisos fundamentais aos elementos decisores.
Próximo Desafio: 2016
A participação do COpEsp nas ações de segurança da Copa do Mundo FIFA 2014 se pautou essencialmente na prevenção de ataques terroristas, limitando a liberdade de ação de grupos extremistas de operar livremente nas áreas onde ocorreriam os grandes eventos esportivos e em outras áreas de interesse.
Dessa maneira, evitou-se com sucesso que atentados e suas graves consequências ocorressem durante o evento. No entanto, caso a barreira da prevenção fornecida por inúmeras medidas antiterroristas viesse a falhar, as frações de ação direta para retomada, resgate e supressão de ameaças estariam em condições de oferecer a pronta resposta necessária.
A integração franca e a cooperação efetiva com os diferentes parceiros no campo do anti e contraterrorismo com a qual o COpEsp atuou durante a Copa do Mundo foram alcançados, tendo em vista o elevado grau de comprometimento e entendimento da relevância da missão que todos esses órgãos comungam.
Resta agora que os legados da Copa do Mundo sejam inspiradores de novos e importantes desafios, especialmente as Olimpíadas 2016. Nesse sentido, o COpEsp espera contribuir para que esse evento também ocorra em um ambiente seguro, garantindo que o território nacional não seja palco de ações terroristas.
NOTAS:
[1] Antiterrorismo: Medidas defensivas de caráter preventivo, para reduzir a vulnerabilidade dos indivíduos e das propriedades aos atentados terroristas, incluindo respostas limitadas e contenção por parte de forças militares e policiais locais.
[2] Contraterrorismo: Medidas ofensivas de caráter repressivo, conduzidas para prevenir, dissuadir, antecipar-se e responder a atentados terroristas, podendo ser de natureza pró-ativa ou reativa.
Matérias sobre SOF brasileiras:
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