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A nova Rota da Seda e o poder das ideias

Por Ma Junjie – Texto do The Diplomat
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel


Há três anos, eu participei do Grand Bazaar na região antiga de Istambul. Por entre vários temperos, bordados, peças de artesanato e comidas, seda era mercadoria em falta. Isso me surpreendeu. Era como entrar em um mercado de carnes e não encontrar cordeiro ou bife. Afinal, ali era o ponto mais a Oeste da antiga rota chinesa da seda.

Mais tarde, eu fui corrigido pelo meu amigo turco: aquele Grand Bazaar não era nem de longe o maior do mundo (na verdade, o maior  é em Urumqi). Mas talvez a surpresa maior seja que a tal rota não tenha existido em função da seda, e não tenha sido uma rota propriamente dita.

Um dos termos mais populares entre as façanhas diplomáticas de Pequim em 2014 é a estratégia de “um cinturão, uma rota” – entenda-se um cinturão econômico ou “Nova Rota da Seda” que liga a China a Europa pelo centro e oeste da Ásia. Há também a “Rota da Seda do Século 21”, que liga o gigante asiático às nações do sudeste do continente, à África e à Europa. Ainda que o professor Justin Yifu Lin tenha falado recentemente de “mais um continente” a ser alcançado por esse caminho, essa proposta contemporânea não extrapola o foco original da Rota da Seda. Porém, a estratégia em si é interpretada como uma mudança na diplomacia chinesa.

Muitos artigos foram escritos desde que esse posicionamento surgiu, todos analizando cada aspecto possível desses dois trajetos – um por terra e outro marítimo. As implicações econômicas, políticas e diplomáticas, caso essa estratégia se torne um mapa viável, foram examinadas minuciosamente. A nova postura chinesa foi dissecada em seminários, palestras, conferências e fóruns. Ainda assim, há uma dimensão importante que ficou de fora da análise: o papel crítico da Nova Rota da Seda em termos de propor e espalhar ideias.

O que precisamos saber sobre a Rota da Seda, seja a nova ou a antiga, é que não é apenas um trajeto, e o “cinturão” não é apenas uma região economicamente conectada que se estende por vários continentes. A Rota da Seda é mais como uma rede do que uma estrada fixa se embrenhando pelo interior das nações.

Desde que o termo foi cunhado pelo geologista alemão Ferdinand von Richtofen (1833-1905), as principais escalas nessa estrada mudaram ao longo do tempo. Cidades antes prósperas se tornaram relíquias desertas. Mesmo a mais recente delas, Dunhuang, se perdeu na História, junto com nomes como Xuanquan, Niya e Loulan. A área de comércio se alastrava por uma região enorme conectada por esses pontos, que agora são marcos arquelógicos da rota ancestral.

Tendo a seda como ícone, esse caminho permitia o comércio intercontinental de bens de consumo, incluíndo moedas, papel, que surgiu depois, e mais importante – ideias.

Como explica a hitoriadora britânica Susan Whitfield, a Rota da Seda teve três implicações para a civilização da época. Em termos econômicos, promoveu a divisão do trabalho segundo o modelo ricardiano de vantagem comparativa, bem como a cooperação regional. Do ponto de vista geológico, e de certa forma negativo, o trajeto facilitou a transmissão de doenças, incluíndo a famosa Peste Negra da Idade Média.

Porém, ao meu ver, o impacto mais crucial do antigo caminho da seda foi ter facilitado a comunicação de ideias. Achados arqueológicos mostram que a Rota ajudou a trazer o Budismo e o Islã para a China.

O que deveria ser considerado no cálculo ocidental da grande estratégia do “um cinturão, uma rota” vai além da mudança no excesso de capacidade interna da China, comércio, ou relações diplomáticas mais próximas com nações vizinhas. É preciso ter em mente o mercado de ideias e pensamentos.

Como apontou um dos maiores pensadores liberais, Fredric von Hayek (1899-1992), em sua celebrada obra The Road to Serfdom “…uma mudança de ideias, e a força da vontade humana, tornaram o mundo o que ele é agora, apesar de os homens não terem previsto esses resultados, e de nenhuma mudança espontânea nos fatos nos ter obrigado a, portanto, adaptar nosso pensamento…” Apesar de von Hayek na época se referir aos ingleses, que ele acreditava estarem tão desinformados a ponto de escolher o caminho do totalitarismo, essa lógica é bem popular na China atualmente.

Ecoando essa ideia e levando-a a um novo patamar, veio o ganhador do Nobel de economia, professor Ronald Coase (1910-2013). Em seu artigo icônico “O Mercado para Produtos e o Mercado para Ideias”, Coase trouxe essa noção de um mercado ideológico. O ccerne desse argumento é que sem a veiculação adequada de informação – “assimetria de informação”, no jargão dos economistas” – a performance do mercado é menor. O câmbio livre de ideias não significa uma economia de mercado perfeita, mas facilita sua performance.

A China é auto-proclamada “socialista de mercado”, e sua economia precisa de um câmbio de ideias muito mais aberto. A reforma e abertura política do país nos anos 1980 foi um processo inerente de liberalização alinhavado por um fluxo de informação menos restritivo e um sistema de troca intelectual mais maleável dentro e fora do país.

Como peça-chave na economia de mercado, informação tem um valor que não pode ser ignorado. O comércio de bens de consumo continuará relevante para a estratégia regional de Pequim, bem como para a lógica do cinturão, mas provavelmente haverá mais ênfase no mercado de ideias. Alguns especialistas argumentam que a Internet tornou a comunicação interpessoal obsoleta. Porém, no futuro próximo a comunicação de ideias da forma tradicional – informações em várias formas e com vários sentidos e inúmeras nuances – ainda será o maior agente causador de mudanças.

A esperança de Pequim é de que junto com o cintuõ econômico surja um câmbio de ideias muito maior e mais complexo. O mundo bem que precisa de mais receptividade, e menos ideologia. O que a História chinesa nos mostra (apesar de alguns dizerem que raramente a História nos ensina alguma coisa) é que o isolamento levou ao fracasso da nação. Se a Nova Rota da Seda contribuir para uma China mais aberta, com câmbio intelectual mais livre e, portanto, uma sociedade mais livre, então a História não precisará se repetir.

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