Gero Schliess e Bernd Riegert
Correspondentes da DW
Apesar das diferenças de opinião quanto ao possível fornecimento de armas para a Ucrânia, na coletiva de imprensa desta terça-feira (09/02), em Washington, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, evocaram demonstrativamente sua unidade e asseguraram que as alas contra o presidente russo, Vladimir Putin, permanecerão fechadas.
A física Merkel, que dá tanto valor à precisão intelectual, deveria saber que ambas as coisas não são possíveis. Só que a política Merkel não tem outra alternativa que não seja ir se preparando desde já para o caso de o presidente americano impor, de fato, a entrega dos armamentos de que o Exército ucraniano tanto precisa.
Obama e Merkel não devem se iludir: há muito Putin já detectou a leve fissura na aliança ocidental, e ele saberá usá-la em proveito próprio. Ele tentará gradativamente afastar ainda mais os Estados Unidos e a União Europeia.
Não só no conflito com a Rússia, mas também na luta contra o "Estado Islâmico", nas negociações sobre o programa nuclear do Irã, no conflito do Oriente Médio ou na pacificação do Afeganistão.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, poucas vezes o mundo se deparou com tantos conflitos de alto risco como agora. E, em todos os casos, americanos e europeus dependem uns dos outros. Concordância e gestão de crise eficiente são quase uma questão de vida.
Mas isso pouco importa aos críticos de Obama em seu país. Liderados pelo velho combatente, senador John McCain, mais uma vez eles precipitadamente pintaram a imagem de um presidente hesitante, indeciso, que, depois da Síria e do Iraque, também no atual conflito encoraja os inimigos da América a ações cada vez mais atrevidas.
E esses críticos tampouco hesitaram em, pela primeira vez, abordar com grosseria até mesmo uma chefe de governo estrangeira, no caso Angela Merkel. Isso mesmo sabendo que europeus e americanos se dirigem à Rússia em tons distintos.
Mas não é preciso que a coisa vá tão longe. Nos EUA, Merkel é vista como aquela que manteve a Europa unida no conflito com a Rússia. Ela trouxe a Alemanha de volta ao palco político internacional.
Ela é quem conta. O presidente americano finalmente dispõe daquele número de telefone – de que tanto sentia falta o ex-secretário de Estado Henry Kissinger – que deve discar quando quiser falar com o principal tomador de decisões da Europa: é o número da Chancelaria Federal em Berlim. No longo prazo, isso deve também impressionar os críticos de Merkel do outro lado do Atlântico.
Por mais forte que ela seja, contudo, justamente nesta fase da crise da Ucrânia a chanceler federal está especialmente vulnerável. Com sua mais recente iniciativa diplomática, Merkel se expôs, colocou-se em risco. Obama mostrou consideração pelo fato. Não há como interpretar de outra forma o adiamento de sua decisão sobre o fornecimento de armas para depois da cúpula em Minsk, que reunirá os dirigentes de Ucrânia, Rússia, França e Alemanha.
Caso a conferência fracasse, a questão dos armamentos vai se colocar com urgência renovada. Provavelmente será então o caso de enviar a Putin uma forte mensagem comum.
Ele interpretará como um sinal de fraqueza se a situação simplesmente ficar como está, apertando-se um pouco mais o parafuso das sanções. E, considerando-se a catástrofe humanitária que se anuncia na Ucrânia, seria eticamente indefensável um "continuemos nessa linha".
Entretanto, quer se fique parado, quer se aja com vigor, a decisão deve ser parte de uma nova estratégia para a Rússia. Como lidar com Putin? Como proceder com um país que reinterpreta a ordem política do pós-Guerra, que está tomado por uma onda de nacionalismo e, ao mesmo tempo, se recusa a se modernizar?
Mesmo Merkel, tão versada em assuntos russos, reconheceu há algum tempo que não tem resposta para tais perguntas. E assim, no fim das contas, a questão do fornecimento de armas à Ucrânia também é uma expressão dessa mais profunda perplexidade. Pois fornecê-las não seria nada mais do que um atestado de fracasso – da diplomacia e da razão.
Os EUA dividem o Ocidente, a Rússia divide a Europa
Fica cada vez mais difícil para a União Europeia (UE) manter coesas as próprias alas no contexto da crise da Ucrânia. Tanto em relação às sanções contra a Rússia quanto ao eventual fornecimento de armas a Kiev, cada vez mais as opiniões dos ministros do Exterior divergem entre si.
No momento, toda uma série de países-membros, sobretudo do Leste Europeu, está pronta a seguir o caminho proposto pelos Estados Unidos: eles conseguem conceber o abastecimento do Exército ucraniano com armamentos modernos, para que este possa se defender contra as ofensivas dos rebeldes e mercenários equipados pela Rússia. A maioria da UE, porém, ainda é contra o fornecimento, repetindo o mantra alemão de que armas adicionais só agravariam a guerra.
Até agora, uma das poucas vantagens do Ocidente diante da conduta imperialista do presidente Vladimir Putin é sua coesão na política para a Ucrânia. No entanto, os EUA estão prestes a colocar essa coesão em risco caso consigam convencer ao menos uma parte dos europeus a apoiar o reforço armamentista e a elevar a severidade contra Moscou.
Se a cúpula de mediação desta quarta-feira (11/02) em Minsk falhar e os EUA decidirem entregar armas a Kiev, Moscou terá o prazer de constatar que o front diplomático ocidental está se esfacelando.
Além disso, o Kremlin teria, assim, um bem-vindo pretexto para interferir oficialmente na guerra no leste ucraniano e enviar ainda mais reforço aos separatistas. Provavelmente seria impossível evitar um novo acirramento, e o resultado seria uma guerra por procuração, travada à custa da Ucrânia.
Quem fornece armas deve estar ciente de que, se é para elas serem empregadas com eficácia, geralmente também é necessário enviar equipes de consultoria e apoio técnico. No fim das contas, pode ser que tropas terrestres do Ocidente e do Leste Europeu venham a se defrontar no leste ucraniano. Ninguém na Europa – e, na verdade, ninguém nos EUA – pode seriamente desejar tal coisa.
Armas puramente defensivas são algo que não existe. A Rússia certamente responderia com mais armamentos a um abastecimento pelos Estados da Otan. E depois, o que virá? Não, a União Europeia deve se ater à política de rejeitar todo e qualquer aprofundamento da violência.
Um resultado possível da cúpula de Minsk é afastar o leste da Ucrânia do governo central, mantendo-o ligado numa espécie de federação, mas com mais autonomia. Isso seria uma vitória parcial para o presidente russo e, portanto, doloroso, mas qual é a alternativa? Mais combates, mais mortos? O perigo de uma guerra de verdade entre a Rússia e o Ocidente?
A Rússia deliberadamente destruiu a ordem até então vigente na Europa. A UE e também os EUA precisam reconhecer que só são capazes de se defender disso de forma insuficiente, a não ser que assumam riscos incalculáveis.
A linha vermelha continuam sendo os limites externos da Otan: a Rússia não pode ultrapassá-los. Caso contrário, isso significa que a Ucrânia (leste), a Geórgia, Moldávia e Belarus caíram de volta na zona de influência de Moscou. O Ocidente não pode e não deve defendê-los com armas – no máximo, com palavras. A Europa está à beira de uma nova divisão.