Elcio Ramalho
Durante sua primeira entrevista coletiva do ano, nesta quinta-feira (5), no Palácio do Eliseu, em Paris, o presidente francês François Hollande afirmou que a reação dos franceses aos atentados de janeiro demonstraram a “unidade do país e a paixão dos franceses pela República”. Ele anunciou uma visita na tarde desta quinta-feira à Kiev com Ângela Merkel para tentar pôr fim ao conflito no leste ucraniano.
O presidente francês começou o encontro com o jornalistas falando dos ataques terroristas de janeiro que deixaram 17 mortos. Segundo Hollande, os atentados de janeiro "marcaram profundamente a França e, desde então, ficaram inscritos na memória nacional". "A França soube reagir com dignidade e orgulho", considerou. "O espírito do mês de janeiro é a unidade da República.
Essa exigência, essa mensagem não apaga as diferenças, as sensibilidades, mas garante a coesão do país. Esse espírito deve ser prorrogado", afirmou durante sua introdução curta, de 16 minutos.
Mas foram os assuntos internacionais que dominaram a coletiva na qual Hollande respondeu a diversas perguntas dos jornalistas franceses e estrangeiros.
Aposta na saída diplomática para a Ucrânia
O presidente francês aposta ainda em uma solução diplomática na Ucrânia, palco potencial de uma "guerra total", segundo ele. Ele descartou, por enquanto, o envio de armas para as forças ucranianas.
"Em alguns meses, passamos de uma desavença a um conflito e de um conflito a uma guerra", afirmou. Hollande diz que há duas opções para a situação: "Ou entramos em uma lógica que consiste em armar os protagonistas porque alguns o fazem – os russos em relação aos separatistas-, ou existe a outra opção, que é a diplomacia, a negociação, e ela não pode ser prorrogada indefinidamente", acrescentou.
Hollande explicou ter conversado muito nas últimas semanas com a chanceler Angela Merkel sobre a tensão no leste ucraniano e ambos decidiram apresentar um texto para ser discutido com o presidente da Ucrânia Petro Poroshenko nesta quinta-feira e apresentá-lo amanhã para o líder russo, Vladimir Putin. O novo documento elaborado por Paris e Berlim "será fundamentado na integridade territorial da Ucrânia", adiantou.
Hollande lembrou que inúmeros apelos foram feitos, sanções econômicas foram adotadas e até um acordo assinado em Minsk, mas sem que esses esforços produzissem os resultados esperados.
Renegociação da dívida da Grécia
Questionado diversas vezes sobre a ofensiva diplomática do novo governo de exterma-esquerda da Grécia para renegociar a dívida do país, Hollande defendeu que a França tenha um papel decisivo para ajudar os europeus a encontrar uma solução com Atenas.
“A austeridade não deve ser uma solução para os gregos nem para nenhum outro país europeu. E temos que chegar a um acordo”, acrescentou Hollande. Ontem (4) ele recebeu o premiê Alexis Tsipras, em Paris, e o aconselhou a se reunir com a chanceler alemã, Angela Merkel.
Hollande considerou "legítima" a decisão ontem do Banco Central Europeu de privar os bancos gregos de uma linha de financiamento baseada em garantias dos títulos da dívida pública. Ele acha que a decisão lembra as responsabilidades dos governos e dos países e envia uma mensagem para que os gregos possam fazer suas reformas, pagar as dívidas e ao mesmo tempo "encontrar a solidariedade europeia".
Terrorismo
Sobre a guerra contra o terrorismo, François Hollande considerou "muito lentos" os avanços da coalizão internacional na luta contra o grupo Estado Islâmico (EI) no Iraque. Ele voltou a descartar uma participação da França nas operações contra o grupo ultrarradical em território sírio.
"É no Iraque que concentramos nosso esforço. Por quê? Porque no Iraque existe um governo, uma soberania, um exército que pode lutar contra o Daesh (uma das denominações do grupo EI) e garantir a reconquista territorial. É o que está acontecendo, com sucesso. Muito lento, mas com sucesso", disse. Hollande confirmou que a intervenção francesa no Iraque é "mais intensa", lembrando a chegada do porta-aviões Charles de Gaulle na região do Golfo Pérsico.
A intervenção na Síria foi descartada para se evitar "um fator favorável para um regime que continua a massacrar sua população ou para dar espaço a grupos que querem nos destruir", em referência ao grupo EI.
No entanto, a França continua a apoiar grupos de oposição ao regime de Damasco. "Nós apoiamos forças democráticas na Síria. E elas existem. No norte da Síria, na área de Kobane, ajudamos os curdos da Síria a se defender e vamos continuar a fazê-lo", afirmou.
Durante o encontro com os jornalistas, que durou pouco mais de duas horas, o presidente François Hollande confirmou que a França apoia logística e operacionalmente as forças africanas contra o Boko Haram. O país fornece, por exemplo, equipamentos e munição, às tropas comandadas pela União Africana.
No entanto, o chefe de Estado alertou que “a França não pode agir em todas as regiões de conflito no mundo”. Um recado claro à comunidade internacional de que o país não pode ser a única potência mundial a agir contra o Boko Haram que é "uma seita terrorista que quer conquistar a população e impor uma violência execrável.” "Na África, devemos ajudar muito mais os africanos a lutar contra o terrorismo. Se não o fizermos, esses países ficarão desestabilizados", acrescentou.
Giro para alertar sobre meio ambiente
De olho na Conferência sobre o Clima da ONU, a COP 21, propramada para dezembro, em Paris, o presidente francês anunciou que começa pelas Filipinas, neste mês de fevereiro, um giro internacional que pretende fazer durante todo o ano para promover o evento e discutir alternativas para se chegar a um compromisso ambicioso sobre as mudanças climáticas.
"A França deve liderar essa questão. Não podemos exigir dos outros países se não dermos o exemplo", estimou. Para exemplificar o compromisso de seu governo, lembrou um plano de renovação de alojamentos para promover a melhor eficiência energética.
Mas Hollande insiste na defesa do Fundo Verde, um mecanismo internacional de financiamento para ajudar os países mais pobres e em desenvolvimento a investir na "economia verde". O objetivo do francês é arrecadar US$ 100 bilhões até a Conferência do Clima.
Promessas para diminuir desigualdade
No plano interno, François Hollande anunciou a criação de uma agência nacional de desenvolvimento econômico territorial, comparável à que existe para a renovação urbana (Anru), mas em maior escala. Uma das prioridades desse novo dispositivo, cujo financiamento será garantido pelo Banco Público de Investimentos, será promover principalmente a criação de empresas. Ele ainda anunciou a realização, em março, de um comitê interministerial para estimular uma maior "igualdade social" no país.
O presidente anunciou que novos recursos serão alocados para lutar contra o fracasso escolar e Hollande também insistiu na necessidade de se aprender melhor a língua francesa desde o jardim da infância. Segundo ele, a escola é a prioridade de seus cinco anos de governo.
Ele também defendeu um reforço na formação de professores para lidar com temas como laicidade, valores republicanos, história da religião e incidentes como os registrados recenemente nas escolas; alunos se recusaram a fazer um minuto de silêncio e alguns até defenderam os ataques contra o jornal Charlie Hebdo.
"Os professores estão preparados para lidar com esses temas? Não. Por isso vamos reforçar a formação, principalmente em determinados bairros", explicou.
O presidente Hollande reafirmou durante a coletiva que não será candidato à reeleição em 2017 se a taxa de desemprego (9,9% atualmente) não cair no país, uma de suas promessas de campanha que ainda não foi cumprida.