Por Yinka Adegoke – Texto do Quartz
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel
Os nigerianos acordaram no ultimo dia do ano de 1983 e descobriram que seu governo democraticamente eleito não existia mais. O então Major-General Muhummadu Buhari declarou na época que o Exército estava “profundamente preocupado” com as condições nas quais os cidadãos viviam.
Essa foi a estreia política de Buhari para a vasta maioria. Agora, 32 anos depois, ele tenta conseguir uma façanha apesar de já ter falhado pelo menos quatro vezes – vencer uma eleição livre e justa contra um presidente em exercício pleno do cargo.
Dessa vez é diferente.
Os eleitores nigerianos, já anestesiados em relação à corrupção gritante em setores do governo do atual presidente, Goodluck Jonathan, finalmente perderam a paciência com o que parece ser o erro sistemático na forma de lidar com a ameaça crescente dos insurgentes islâmicos do Boko Haram, especialmente no nordeste do país. E o que já foi a maior habilidade do general Buhari – hoje um punho militar aparentemente obsoleto em uma nação transbordando de juventude e ambições – pode ser seu maior trunfo na campanha até as eleições no próximo dia 14 de fevereiro.
“Velhos soldados nunca morrem…”
A população foi às ruas comemorar quando Buhari assumiu o poder nos anos 1980. Apenas 15 meses depois, foram às ruas novamente comemorar o contragolpe dado pelo general Ibrahim Babaginda. O ditador recém-deposto havia comandado um dos regimes menos populares e mais opressivos da Nigéria, com uma série de abusos e violações aos Direitos Humanos, e proibição da liberdade de imprensa.
Esse passado alimenta tanto o fascínio quanto o receio dos cidadãos que buscam desesperadamente por mudanças, mas que viveram o bastante para se lembrarem das sábias palavras do general Douglas MacArthur: “velhos soldados nunca morrem…”.
Muhummadu Buhari, nascido em Daura, no norte da Nigéria, é seguidor da linha fulani do Islã, tem agora 72 anos. O general parece ter amolecido um pouco com a idade, e a cada tentativa de se eleger legitimamente (2003, 2007, 2011 e agora em 2015) tenta convencer os cidadãos comuns a colocarem em suas mãos a liderança da maior economia da África. “Ele é fortemente popular entre os eleitores jovens do norte, onde é visto como um porta-voz dos valores conservadores do Islã e tem uma postura firme contra a corrupção”, explica Roddy Barclay, analista sênior da Control Risk, empresa de consultoria e avaliação de riscos.
O candidato à presidência entrou no Exército nigeriano assim que concluiu a escola, e recebeu treinamento não só em seu país de origem, mas no Reino Unido e nos Estados Unidos. Combateu durante o conflito separatista que ficou conhecido Guerra de Biafra (1966 a 1970), e tmbém esteve envolvido em todos os golpes e contragolpes militares na Nigéria entre 1966 e 1983. Buhari também fez carreira nos governos militares do país nos anos 1970, incluíndo o cargo de administrador da região nordeste, onde o Boko Haram atualmente comanda vários locais.
Um homem duro
Agora, como líder da coalizão de partidos de oposição All Progressives Congress, o general promete novamente livrar a Nigéria da corrupção fora de controle. Nos últimos anos do governo de Goodluck Jonathan houve vários incidentes de apropriação indevida de recursos, com desaparecimento de bilhões de dólares.
Mas Buhari terá que saber administrar as expectativas.
“Os nigerianos são realistas o bastante para saber, por experiência histórica, que se comprometer a erradicar a corrupção é um exemplo clássico de promessa enganosa”, escreve o popular blogueiro nigeriano Tolu Ogunlesi.
Talvez para queles que tenham esquecido, ou talvez para adicionar uma cor à sua época no governo, o controverso documentário “O Verdadeiro Buhari” foi exibido na TV esta semana no país, e, lógico, foi duramente criticado pelo comitê de campanha do general.
Mas a imagem de “homem duro” não é algo do que reclamar neste momento particular na história da Nigéria. Para começar, a demografia favorece Buhari – quase 60% na população nigeriana tem menos de 30 anos, o que significa que as passagens mais desagradáveis dos seus 15 meses no poder há 30 e poucos anos atrás já se perderam no tempo.
Detendo o Boko Haram
Apesar de o grupo extremista Boko Haram ter surgido em 2008 no nordeste da Nigéria e ter feito cerca de 20 mil vítimas nos últimos cinco anos, foi só em 2014, e especialmente nos últimos meses, que houve alguma reação visível. A maré começou a virar contra os insurgentes com a resposta lenta do governo nigeriano ao sequestro fortemente divulgado de 200 meninas em escolas da cidade de Chibok em abril do ano passado, assim como o ataque à cidade de Baga há algumas semanas e que, segundo a Anistia Internacional, resultou na morte de 2 mil pessoas.
Uma pesquisa feita no fim de 2014 mostrou que segurança passou a ser a prioridade para os cidadãos nigerianos, passando na frente da geração de empregos pela primeira vez em três anos.
Muhummadu Buhari é amplamente visto como um líder severo, disciplinado e forte em um momento em que Goodluck Jonathan mostrou às vezes não querer falar sobre o Boko Haram. O fato de o candidato ser um muçulmano do nordeste do país sem dúvida ajudará a conseguir votos lá, onde os cidadãos começaram a acreditar, talvez injustamente, que Jonathan – cristão do sudeste nigeriano rico em petróleo – não se importa o bastante com os problemas da região. No ano passado, a diferença de votos entre os candidatos à presidência “diminuiu espetacularmente”, diz Roddy Barclay da agência Control Risk.
“A eleição ainda não está decidida, mas as tendências apontam em favor de Buhari”, diz Mark Schroeder, analista especializado em política africana da Stratfor, agência de inteligência e consultoria.
“É a economia, General”
O desafio para um possível mandato de Buhari virá quando os nigerianos voltarem a se concentrar en seus problemas de sempre: economia e geração de empregos. Ainda que estatísticas confiáveis não sejam fáceis de conseguir, estima-se que a tava de desemprego na Nigéria seja de mais de 20%. Em 2012 foi divulgado que estava em 23,9%.
Há ainda outros obstáculos. A economia nacional, baseada no petróleo, começa a sentir o impacto da queda de 50% no preço da commodity, e a moeda do país desvalorizou além da barreira psicológica dos 200 Naira para 1 dólar – a taxa de câmbio agora é de 208 Naira. Vale lembrar que gestão da economia por Buhari em 1984-85 teria sido tão responsável por sua deposição quanto seu histórico de abuso de poder.
Por outro lado, quando a economia cresceu rapidamente, alavancada pelo petróleo a mais de 100 dólares o barril, o cidadão nigeriano não sentiu a prosperidade por conta da má administração pública. “O abismo entre a elite governamental e o homem comum nas ruas é tão vasto”, comenta Schroeder
Agora que o óleo custa menos de 50 dólares o barril, uma liderança focada e que se abstenha dos excessos típicos dos governantes nigerianos é mais essencial que nunca. A questão é se Muhummadu Buhari é capaz de ser o líder que vai quebrar essa corrente de uma vez por todas.