Mariana Schreiber
Levantamento da BBC Brasil feito com base em informações divulgadas no site da Presidência da República mostra que, durante seu primeiro mandato, a presidente Dilma Rousseff reduziu quase pela metade o tempo destinado a visitas a outros países na comparação com seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
Nesta semana, ela faz sua primeira viagem internacional do segundo mandato para prestigiar a posse do colega boliviano Evo Morales, reeleito pela segunda vez. A presidente cancelou sua ida ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, para ir à capital boliviana, La Paz, o que sinaliza uma reaproximação entre os dois países após um relação fria nos últimos quatro anos.
Para analistas ouvidos pela BBC Brasil, a significativa redução do número de viagens internacionais da presidente em relação a Lula são um indicativo da menor prioridade dada à agenda do Itamaraty nos últimos quatro anos.
Em seu primeiro mandato, a presidente passou 144 dias fora do país em visitas de Estado ou encontros multilaterais, uma redução de 46,5% ante o observado no segundo mandato do presidente Lula. Ele esteve fora do Brasil por 269 dias entre 2007 e 2010.
Na comparação com o primeiro mandato de Lula (2003-2006), Dilma destinou um terço menos tempo para viagens ao exterior. O antecessor passou 216 dias fora do país.
Em oito anos, Lula fez 29 viagens a países africanos, tendo visitado 20 nações, na África do Sul e em Moçambique ele esteve três vezes.
Já Fernando Henrique Cardoso visitou apenas três países, uma vez cada, Angola, África do Sul e Moçambique.
A presidente Dilma Rousseff, por sua vez, visitou seis países, sendo três vezes também a África do Sul.
Somando os três mandatos petistas, a África foi o terceiro continente mais visitado, ficando atrás de América do Sul e Europa – os dois destinos tradicionais da diplomacia brasileira também foram os continentes mais visitados por Fernando Henrique Cardoso.
O professor da UnB observa que as viagens à América Sul estão ligadas a circunstâncias políticas e à estratégia de integração regional, com o Mercosul e a criação da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), em 2008.
Já a Europa se destaca pela importância econômica, tanto no comércio exterior como no fluxo de investimentos para o Brasil, e pelos acordos de cooperação educacional e tecnológica.
"O fato novo foi a abertura de novos espaços, como a África. A gente não tem que estranhar a manutenção dos destinos tradicionais. Eles estão relacionados a agendas de cooperação consolidadas, tanto na dimensão econômica como política", observa Lessa.
Quando se faz um recorte por países, igualmente nota-se uma repetição nos principais destinos. A vizinha Argentina foi a nação mais visitada pelos três presidentes, seguida de Estados Unidos, nesse caso, porém, o resultado é inflado pelas assembleias anuais da ONU, que são sempre realizadas em Nova York.
Vale destacar o aumento da relevância da Venezuela na política externa dos governos petistas. Enquanto FHC esteve cinco vezes no país em oito anos, Lula esteve 12. Já Dilma viajou quatro vezes à Venezuela em seu primeiro mandato.
A presidente viajou menos dias também que Fernando Henrique Cardoso (165 dias entre 1995 e 1998 e 159 dias entre 1999 e 2002), embora tenha visitado em média mais países.
'Valor da política externa'
"As viagens presidenciais são uma medida interessante da intensidade com que o presidente se põe à disposição da diplomacia, do valor da política externa no seu governo. No caso da presidente, nota-se um certo desinteresse pela área", observa Antônio Carlos Lessa, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo Lessa, há dois fatores que explicam a forte queda nos dias viajados. Se por um lado a presidente não considera a política externa uma área prioritária, por outro o presidente Lula tinha o entendimento oposto e deu uma atenção fora do comum às negociações internacionais.
O professor nota que havia uma curiosidade internacional muito grande em relação à figura de Lula. Além disso, diz, ele assumiu o cargo em um momento de vácuo de liderança internacional em que órgãos multilaterais estavam enfraquecidos.
"O Lula realmente levou às últimas consequências essa ideia de diplomacia presidencial. Ele produziu um novo parâmetro, um novo marco zero", afirmou.
Para Lessa, o desinteresse da presidente Dilma decorre da sua falta de compreensão sobre o tempo mais lento do funcionamento da política externa. "É diferente de ações de política econômica, por exemplo. Os resultados demoram mais a aparecer", diz.
O diretor acadêmico das Faculdades Integradas Rio Branco, Alexandre Ratsuo Uehara, considera que houve um retrocesso na política externa no mandato de Dilma. Ele nota que a agenda da reforma dos organismos multilaterais como a ONU e o FMI já não é tão forte como no governo anterior e que as ambições do país de conquistar uma vaga no Conselho de Segurança hoje estão mais difíceis de se concretizar.
"O fato de a presidente não viajar (tanto) talvez não tenha uma repercussão clara e evidente, mas isso vai aparecer quando começar a impactar em questões políticas ou econômicas do país. É uma consequência que só surge no médio prazo", afirma.
"Muitas vezes nesses fóruns multilaterais são tomadas decisões ou mudadas regras que podem impactar de alguma maneira tanto o comércio como questões políticas do Brasil. Se o Brasil não está presente nesses fóruns, essas mudanças são feitas sem levar em conta os interesses brasileiros", acrescenta.
Ficando em casa
Questionado sobre a redução das viagens presidenciais ao exterior, o Itamaraty não se pronunciou. Já a Presidência da República informou, em nota enviada à BBC Brasil, que Dilma "cumpriu normalmente sua agenda externa no primeiro mandato, atendendo plenamente seus compromissos internacionais".
A assessoria da presidente também destacou a vinda de autoridades estrangeiras ao Brasil devido à realização de grandes eventos no país.
"Também se registrou, no período, agenda externa cumprida no Brasil, tendo a Presidenta recebido vários mandatários em visita bilateral ou por ocasião de eventos, como a Copa do Mundo, e em reuniões internacionais em nível de chefes de Estado, como, por exemplo, a Conferência da Rio +20 e a Cúpula do Brics", assinala o comunicado.
Para o Sinditamaraty, sindicato que representa os servidores do Ministério das Relações Exteriores, o sucesso da política externa não depende apenas das viagens presidenciais.
O órgão destaca, porém, que "um número muito reduzido de viagens pode ? mas não necessariamente irá, dificultar o trabalho dos servidores e mesmo as instâncias decisórias no cumprimento dos acordos internacionais que o Brasil subscreve".
Em nota enviada à BBC, a presidente do sindicato, Sandra Nepomuceno, disse ainda que a diplomacia presidencial tem enorme peso político.
"Parece óbvio que uma agenda intensa no exterior, como ocorreu durante o governo Lula, continuaria a projetar positivamente a imagem do Brasil e aumentaria as oportunidades de negócios no exterior; mas a diplomacia não é uma ciência exata, por isso a importância do Brasil nos foros internacionais não irá necessariamente diminuir em função da redução (das viagens)", observou.
Destinos
Dilma fez 62 viagens a 35 países em seu primeiro mandato. Embora tenha feito menos excursões ao exterior que seu antecessor, ela continuou dando certa prioridade a países africanos.
O continente, que tinha papel quase irrelevante na política externa do país antes de Lula, ganhou grande importância no governo petista.
Distribuição das viagens*
:: Dilma – América do Sul (24 viagens), Europa (17 viagens) e África (8 viagens)
:: Lula 2 – América do Sul (45 viagens), Europa (38 viagens) e América Central (17 viagens)
:: Lula 1 – América do Sul (38 viagens), Europa (22 viagens) e África (20 viagens)
:: FHC 2 – América do Sul (25 viagens), Europa (20 viagens) e América do Norte (7 viagens)
:: FHC 1 – América do Sul (27 viagens), Europa (16 viagens) e América do Norte (7 viagens)
*Número de vezes em que visitou países da região (algumas nações foram visitadas mais de uma vez).