Por Jake Flanigan – Texto do Defense One
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel
Os Estados Unidos nunca foram capazes de ter uma postura clara sobre ditadores. Gostamos de alguns e detestamos outros. Nos damos bem com alguns, outros nós perseguimos em cavernas e montanhas.
Em um primeiro momento, essa é uma ambiguidade que parece problemática – como podem os EUA, auto intitulados bastiões da democracia, manterem uma postura tão volúvel diante de regimes autoritários? O que faz a “Terra dos Livres” participando de conuios com monarcas absolutos, juntas e tiranos? Afinal, não reforçamos nosso lugar no mundo através do triunfo sobre o autoritarismo na Europa e na Ásia em 1945?
A decisão do presidente Barack Obama de normalizer as relações com Cuba levantou muitas dessas questões. Alguns viram a manobra como Washington “criando intimidade” com Raúl Castro, homem forte do comunismo que herdou a presidência de Cuba do irmão Fidel em 2006. Membros do Partido Republicano chamaram a iniciativa de apaziguamento, “parte de um longo histórico de lograr ditadores e tiranos”, segundo o senador Marco Rubio, do estado da Flórida, ele mesmo filho de imigrantes cubanos. Um comentário no mínimo curioso se levarmos em conta que alguns dos tiranos mais brutais na História recente encontraram aliados em governos Republicanos (apesar de, justiça seja feita, os Democratas também terem a sua parcela de bajulação).
Na verdade, a reabertura de canais diplomáticos entre Washington e Havana reflete alguns dos melhores aspectos da política externa de Obama – que está longe de ser perfeita. Entenda-se as suas várias nuances. O Departamento de Estado em 2014 não operou no reino dos absolutos geopolíticos datados, como aconteceu em governos anteriores. “Comunismo = mau, Capitalismo = bom” não se aplica mais. E em todo caso, estratégias nos moldes da Guerra Fria para “contenção” e “recuo” fortaleceram regimes anti democráticos tão frequentemente quanto os derrubaram.
Um exemplo que ilustra bem é o do ditador militar da Guatemala, Efraín Ríos Montt, aliado do então presidente americano, Ronald Regan, e cujas políticas anti comunismo lhe renderam milhões de dólares em apoio militar e auxílio em geral vindos dos EUA durante seu breve governo (de março de 1982 a agosto de 1983).
Esses recursos financiaram uma campanha genocida contra povos Maias, acusados de apoiarem guerrilhas comunistas. Mais de 200 mil pessoas morreram durante o mandato de Montt, e mais de 600 adeias Maias foram arrasadas por suas tropas. Homens e meninos foram assassinados, mulheres e meninas foram violentadas, plantações foram incendiadas, o gado foi exterminado. Os corpos foram jogados em valas coletivas, algumas sendo descobertas ainda hoje.
Obama entende que isolamento é essencial para as ditaduras, e há formas de mobilizar líderes autocráticos sem estimular táticas repressoras ou fazer vista-grossa para violações explícitas aos Direitos Humanos.
Partir para cima de um ditador estrategicamente relevante – o Xá do Irã – não resultará em apoio muito além do palácio presidencial (foi assim que a bagunça com Cuba começou em primeiro lugar). Da mesma forma, barrar o acesso de nações ideologicamente dissidentes a mercados globais dá a esses autocratas pouco importantes um bode expiatório estrangeiro para culpar a cada crise econômica. Além disso, manter populações inteiras longe da Internet e outras mídias globais significa privá-las de pontos de vista além da propaganda estatal.
É uma formula fácil de identificar: encontrar um bode expiatório, reforçar essa ideia via mídia estatizada, bloquear quaisquer contrapontos estrangeiros. Basta olhar para as mais “bem-sucedidas” (isoladas) autocracias de 2014: Coreia do Norte e Mianmar. Apesar de o segundo país flertar timidamente com a gobalização, a sobrevivência desses regimes em um mundo majoritariamente democrático pode ser quase totalmente atribuída ao isolamento auto imposto.
Para o cidadão norte-coreano comum, sansões econômicas debilitantes e separação do Sul são resultado do imperialismo do Japão e dos Estados Unidos. A mídia estatal mantém o noticiário orwelliano circulando. Manter a população offline torna o universo desses cidadãos muito menor, e correspondente com a retórica de Pyongyang.
Seguindo essa lógica, um povo globalmente conectado sabe quando está sendo lesado. As mídias sociais tiveram papel indispensável nos levantes da Primavera Árabe, na Revolução Laranja da Ucrânia, e nos protestos recentes contra o governo da Venezuela. Quando o presidente de Burkina Faso, Blaise Compaoré, tentou extender seu já longo mandato de 27 anos, milhares de cidadãos foram às ruas em protesto e levando à renúncia do presidente. Notícias desse levante se espalharam pelo Saara, gerando protestos semelhantes em Djibouti, um pequeno país no leste da África, e que estava sob governo ditador Ismaïl Omar Guelleh desde 1999.
Ao remover o embargo commercial a Cuba, o presidente Obama está trazendo os cidadãos da ilha para o século 21. Internet, telefones celulares, viagens a partir e rumo aos Estados Unidos – esses bens vão expor os cubanos ainda mais às vantagens da vida sob um governo democraticamente eleito. Fidel Castro sabia disso, daí seu hábito de ameaçar usar força sempre que Washington considerava recuar as sanções. Percebe-se então que o fim do embargo não é uma questão unilateral como alguns comentaristas fazem parecer.
“Com mais abertura e exposição dos cubanos à cultura americana, música, filmes e estilo de vida, acredito que possa haver uma demanda maior por liberdade, o que pode encorajar o governo a rever suas párticas”, declarou à revista Time Sanja Kelly, diretora de projetos de liberdade digital na Freedom House
É aí que está a astúcia do plano de Obama: é uma psicologia avançada para lidar com ditadores, e que se baseia mais na força sutil do soft power americano do que no poder intimidador de suas tropas. É o reconhecimento do fato de que isolamento é ambiente fértil para sociopatia, e um sociopata é mais perigoso quando não tem mais nada a perder. Ditadores são criaturas instáveis, mas não tão difíceis de entender.