Por Victoria Cha e Christofer Walsh – Texto do Foreign Policy
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel
Quarenta dias. Foi esse o período, entre 03 de setembro e 14 de outubro, em que o líder da Coreia do Norte, Kim Jong Un, desapareceu das vistas do público. As especulações foram selvagens fora do país, alegando desde doenças até um possível golpe de Estado. Enquanto isso, a mídia norte-coreana, controlada pelo Estado, explicava a ausência de Kim como resultado de “desconforto”. Esse incidente exemplifica o quanto a opacidade da informação contribui para que a Coreia do Norte de mantenha como um dos países mais isolados do mundo.
O regime de Pyongyang tem o pior ambiente para a mídia no planeta. Imprensa independente não existe, aparelhos e TV e rádios são modificados para transmitir apenas canais aprovados pelo governo, e qualquer produto midiático estrangeiro é considerado ilegal. Cidadãos que desafiem essas normas correm o rico de serem presos, ou pior. O relatório de uma comissão de inquérito estabelecida pela ONU dá detalhes de execuções públicas de pessoas condenadas por portarem DVDs de novelas sul-coreanas.
Porém, a situação não é tão desanimadora assim. A sociedade norte-coreana está passando por uma transformação que, junto com forças externas, está alterando o ambiente para a mídia. Como resultado, as poderosas barreiras contra informação estão rachando.
Na metade da década de 1990, a fome devastou a Coreia do Norte, e estima-se que dois milhões de pessoas tenham morrido. Estruturas governamentais que antes garantiam as necessidades básicas da população, como alimentos, roupas e emprego entraram em colapso. O povo se viu com uma escolha: penúria ou auto-suficiência. Optaram pela segunda alternativa e desenvolveram um mercado informal abastecido principalmente com mercadorias contrabandeadas da China.
Mas além de fornecer comida e outros itens básicos, o mercado negro expôs os norte-coreanos a novas formas de mídia e tecnologias acessíveis como DVDs estrangeiros, aparelhos para exibí-los, além de televisores, aparelhos de MP3 e rádios. DVDs de novelas sul-coreanas (os chamados “dramas”) se tornaram extremamente populares. Em entrevista concedida em 2012 para estudo da organização de consultoria independente InterMedia sobre a mudança no ambiente cultural e midiático de Pyongyang, um “desertor” que fugiu do país disse que “é fácil comparar os padrões de vida entre Norte e Sul quando se assiste a essas novelas. Há muita coisa que vejo nessas histórias às quais eu nunca havia sido exposto ou nunca tive acesso quando estava crescendo”. O mesmo estudo aponta que “os norte-coreanos são consumidores habituados de propaganda pesada. A ausência desse tipo de publicidade nas novelas do Sul aumenta a credibilidade desses produtos”.
A InterMedia também apontou, em pesquisa feita em 2010 entre refugiados norte-coreanos e viajantes, que os DVDs eram a forma de mídia estrangeira mais popular, com 48% dos entrevistados afirmando que haviam assistido a algum – um aumento de 28% em relação a uma pesquisa similar conduzida em 2008. No mesmo levantamento de 2010, 39% dos entrevistados citaram os DVDs como uma fonte importante de informação, o maior índice para qualquer forma de mídia externa contrabandeada para dentro do país.
Transmissões de rádio produzidas por governos estrangeiros e organizaçãos de refugiados baseadas na Coreia do Sul também passam pelo bloqueio informativo de Pyongyang. Rádios externas são a única fonte de notícias credíveis e atuais que conseguem abranger todo o território. Os ouvintes se esforçam de todas as formas para burlar as restrições do governo – modificam ilegalmente os aparelhos para que recebam sinais estrangeiros e até mesmo constroem seus próprios eletrônicos a partir de sucata. Ainda que o rádio não seja tão popular quanto os DVDs, 27% nos norte-coreanos refugiados entrevistados pelo InterMedia afirmam terem sido ouvintes. Um dado ainda mais importante – 60% desses ouvintes compartilharam o conteúdo com familiares ou amigos.
Telefones celulares são outro elemento na modesta revolução da mídia em Pyongyang. Estimativas recentes sugerem que há cerca de dois milhões de usuários. Telefones legalizados, registrados junto ao governo, não podem fazer chamadas internacionais ou acessar a Internet, mas já facilitam a comunicação interpessoal doméstica. Já os aparelhos ilegais, contrabandeados da China ou adquiridos no mercado negro, mostram potencial incrível. Usando provedores chineses, essas linhas permitem chamadas internacionais que ajudam norte-coreanos dentro e fora do território a viabilizar comércio, se comunicar com familiares, coordenar operações para atravessar a fronteira, e transferir remessas de valores.
Há ainda as formas menos convencionais de injetar informação dentro da Coreia do Norte. Apesar de o Paralelo 38 ser a fronteira mais fortificada do mundo, isso não deteve a inventividade de grupos de refugiados na Coreia do Sul – usando grandes balões de hélio como mecanismo de entrega, essas organizações mandam DVDs, dispositivos USB, aparelhos de rádio e materal impresso com mensagens pró-liberdade e democracia. À medida em que os balões sobrevoam o interior norte-coreano, cronômetros automáticos liberam os conteúdos para que sejam encontrados pela população.
Os cidadãos norte-coreanos têm desejo de informação, e arriscarão o que for para obtê-la. Mas esses riscos têm seus benefícios. O povo começa a enxergar para além do discurso do regime e imaginar seu potencial como nação através das novelas que vêm do outor lado do Paralelo. As pessoas estão desenvolvendo atitudes mais positivas em relação a países que antes odiavam por lavagem cerebral. Mercados informais funcionam melhor graças às tecnologias de comunicação. Informação externa se tornou um ponto de apoio para interações sociais, uma vez que aqueles que detêm conhecimento querem transmití-lo aos outros. E aqueles que escaparam do país estão criando canais de mão dupla com suas famílias ainda isoladas.
Esses desdobramentos têm potencial para desencadear mudanças socioeconômicas ainda maiores na Coreia do Norte, e são um argumento a favor do compromisso das sociedades livres em romper as barreiras midiáticas. Esse processo deve incluir um espectro mais amplo de abordagens, desde o apoio tradicional e contínuo dos Estados Unidos às transmissões de rádio e às organizações de refugiados, até ações inovadoras como parcerias entre ativistas e empreendedores do Vale do Silício no desenvolvimento de novas estratégias para saciar o apetite dos norte-coreanos por informação.