92 meses: breve reflexão sobre a Era Moura Neto
na Marinha do Brasil I
(acesse a segunda parte Link)
Roberto Lopes
Autor do livro “As Garras do Cisne” (Ed. Record)
sobre os planos de expansão da Marinha do Brasil.
Exclusivo para DefesaNet
Períodos de administração excessivamente longos, especialmente numa corporação militar brasileira, podem acarretar riscos especiais, como uma eventual sensação de onipotência, a amortização do espírito de autocrítica, e, em certos casos, o desalento da chefia diante da repetida insensibilidade da área econômica do governo para as necessidades da Força.
Soberania nacional, sabemos, é Bem Público. Mas em um país pobre de valores e de lideranças como o Brasil, não é difícil encontrar gente aparentemente bem qualificada que enxergue o investimento em Defesa – ou na manutenção das estruturas guardiãs de uma soberania supostamente não ameaçada – como um gesto de jogar dinheiro fora.
Ícone dessa “turma” de incrédulos foi, por exemplo, o titular do Ministério da Fazenda no período de janeiro de 1995 a dezembro de 2002, Pedro Malan – doutor em Economia pela Universidade de Berkeley –, que, não raro fazia questão de questionar pessoalmente o destino dos recursos solicitados pelas Forças Armadas. Tal procedimento resultava, muitas vezes, em vetos respaldados apenas na visão desse ministro acerca do que era, ou não, de “importância estratégica” para o país.
O almirante de esquadra Júlio Soares de Moura Neto teve muito mais sorte.
Ele assumiu o comando da Marinha do Brasil (MB) no momento em que a Petrobras farejava o pré-sal, e encontrou no então presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, um chefe disposto a prestigiá-lo – e a prestigiar a Força Naval –, como forma de dissuadir os potenciais cobiçadores do tesouro enterrado no fundo do mar. ( Ver Matéria sobre a visita ao Centro Tecnológico da Marinha de São Paulo (CTMSP), em 10 JUL 2007 Link)
Determinado, Moura Neto, dir-se-ia, “surfou nessa onda”.
Seus 92 meses á frente da Marinha do Brasil – comando mais longo desde que, no fim de 1935, o almirante Henrique Aristides Guilhem inaugurou seu decênio à frente da instituição – representaram a redenção da Força em muitos setores.
A Marinha nunca pôde alimentar a expectativa de possuir uma Arma Submarina para além do emprego costeiro, e a verdade é que essa perspectiva se abre, hoje, aos estrategistas da corporação.
Único na América do Sul, o complexo naval de Itaguaí (RJ) – composto por moderna base para submarinos, linha de produção de submersíveis e estação radiológica – é comparável aos melhores enclaves militares das principais potências militares do globo, com a vantagem de estar situado em área consideravelmente afastada de perímetros urbanos importantes (que, no futuro, poderiam limitar sua expansão).
Os almirantes também nunca ousaram tanto no planejamento de construções navais de vulto em território nacional, quanto fazem atualmente.
Fato verificável pelas medidas de preparação, que vêm sendo adotadas em ritmo consistente, para a fabricação do primeiro submarino nuclear brasileiro; pelo planejamento, igualmente em boa marcha, das corvetas classe “Tamandaré”; pela consolidação e ampliação do programa de navios-patrulha de 500 toneladas; e a ultimação dos trâmites indispensáveis à escolha do modelo de embarcação que dará origem a uma nova série de patrulheiros oceânicos.
Em diferentes momentos desses mais de sete anos, a administração Moura Neto demonstrou agilidade e determinação.
Agilidade ao obter, por compra de oportunidade, três bons barcos construídos pela BAE Systems para a Guarda Costeira de Trinidad e Tobago; e determinação para equipar o setor de Hidrografia e Navegação da MB com uma flotilha de pesquisa e levantamentos em rios e áreas marítimas – agrupamento de navios que, por sua singularidade e modernidade, a oficialidade brasileira jamais conhecera. E que será reforçado, em breve, por um navio hidroceanográfico de grande porte – o “Vital de Oliveira” –, encomendado a um estaleiro chinês.
Pouco se fala nessa Marinha de casco branco, o que é uma injustiça. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, o trabalho de mapeamento dos cursos fluviais e das regiões/rotas costeiras importa um desafio que só pode ser considerado como assustador. E agora é ainda maior, diante da necessidade que tem o governo de identificar jazidas de minério submarinas, a centenas de milhas do nosso litoral (tarefa que aguarda o “Vital de Oliveira”).
Ex-diretor de Hidrografia e Navegação, o almirante Moura Neto, felizmente, percebeu essa carência da frota, e (a despeito de certas críticas, surgidas em áreas que disputavam as escassas verbas da corporação) se manteve firme no propósito de prover os meios de que hidrógrafos e outros pesquisadores necessitavam.
Nestes 92 meses ainda restaram recursos para o robustecimento da Força Aeronaval, por meio da implementação do programa de modernização dos jatos de combate de alta performance Skyhawk, a aquisição dos helicópteros MH-16 (Sikorsky americanos) e UH-15A (EC-725 H-XBR), a compra de mísseis MBDA AM-39 e SM-39 (Exocet), e para o encaminhamento da concorrência internacional que irá renovar a frota de instrução da Aviação Naval.
Houve reforço também na Força de Fuzileiros da Esquadra, que ganhou sua Arma Blindada e equipamentos que lhe conferem maior poder de choque, mercê da couraça mas não apenas dela; também da aquisição do sistema de lançadores de foguetes Astros e de mísseis antitanque – indispensáveis, no campo de batalha contemporâneo, à proteção de uma tropa de infantaria.
O tempo impõe, contudo, seus desgastes, suas verdades.
No caso da Era Moura Neto, que teve início no segundo governo Lula e se prolongou pela gestão de Dilma Roussef, parece claro que, nos últimos três ou quatro anos, almirantes de quatro estrelas bem mais modernos que o “chefe” se sentiram tolhidos (acomodados?) para falar francamente e aconselhá-lo.
Com o passar do tempo, essa forma excessivamente respeitosa de compartilhamento do poder decisório consolidou a imagem de uma liderança “imperial”.
Caberia, então, ao serviço de Comunicação Social da Marinha, irrigar o público interno com o pensamento dos oficiais de mais alta hierarquia, mas a verdade é que o desempenho desses “comunicadores” tem variado entre a timidez e a completa omissão.
O que fez o Centro de Comunicação Social da Marinha (CCSM), nos últimos tempos, para explicar a rotina de incidentes (alguns bastante graves) a bordo do NAE “São Paulo”, e a recente decisão do Comando da Força de insistir na recuperação do navio? Bem pouco, efetivamente. Comunicados de dez linhas que se solidarizam com as famílias das vítimas dos infortúnios ocorridos no navio, pouco – ou quase nada – representam.
Nem o público interno, nem o externo – financiador, com seus impostos, das verbas da Marinha – foram adequadamente esclarecidos sobre as metas a que o “Império” se impôs quando decidiu aprovar um novo programa de “modernização” para o porta-aviões, previsto para se estender até 2018.
E o que dizer sobre a boataria acerca do esgotamento das finanças da Força em razão do PROSUB?
De onde partem os rumores sobre um programa de construção de submarinos que limpa com a eficiência de “uma esponja” grande parte dos recursos de investimento da corporação?
É fato que, por conta da escassez de dinheiro, a Era Moura Neto pouco acrescentou a alguns quadrantes da Marinha que aguardam, há anos, modernização. Caso, por exemplo, da Flotilha do Amazonas (reforçada apenas com um modelo de lancha rápida, blindada, de fabricação colombiana), ou da Força de Minagem e Varredura, que terminará os 94 meses da atual administração exatamente com o mesmo tamanho – os mesmos préstimos e as mesmas deficiências – de 2007.
Ao dispositivo da Marinha na tríplice fronteira do Brasil com a Bolívia e o Paraguai está reservada a ampliação da tropa de fuzileiros navais até o nível batalhão. Entretanto, a Flotilha de Ladário mantém o perfil de uma força antiquada (limitada em sua capacidade de pronta resposta), engrossada por embarcações civis que a pintura cinza não consegue, obviamente, converter em unidades de grande valor militar.
Porque a Comunicação Social da Era Moura Neto não organiza uma explanação detalhada acerca do sacrifício que a elevação do patamar operacional da Força de Submarinos impõe à instituição? E também, claro, o esclarecimento que se impõe a respeito da contribuição dada a esse momento de crise pelos repetidos contingenciamentos de verbas decretados pela gestão Dilma Roussef ?
Terão razão os detratores da administração Moura Neto?
Ou será que aqueles que os manipulam são os mesmos que, em 2009, perderam a oportunidade de manter a Arma Submarina atrelada à linha tecnológica que nela predominou durante 25 anos, a partir de fevereiro de 1984?
A Força Naval brasileira precisou, além disso, amargar a perda de oportunidades que não dependeram apenas do empenho dos seus oficiais-generais.
Foi assim, por exemplo, em 2012, no malogrado episódio das providências adotadas pelo comandante da Marinha no sentido de que a esquadra pudesse receber algumas fragatas italianas tipo FREMM (Fregata Europea Multi-Missione) – esforço esse torpedeado pela atuação supostamente comprometedora (e nunca perfeitamente esclarecida) do então ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim.
Foi também assim no ano passado, quando a Marinha se preparou para fazer oferta por um moderníssimo navio de desembarque doca, que o governo da Holanda primeiro colocou à venda, e depois retirou da prateleira.
Ainda hoje, a Força Naval lida com variáveis que parecem de difícil controle, como a falta de estaleiros para abrigar os seus próximos programas de construção.
A indústria brasileira está atulhada de encomendas destinadas à atividade de exploração do petróleo no mar – e nem mesmo a esse segmento vem conseguindo atender sem sobressaltos (vide o caso do Estaleiro Ilha S.A.). A solução de emergência, mais uma vez, será recorrer ao velho – e assoberbado – Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro.
A criação de um estaleiro capaz de abrigar (talvez no litoral gaúcho), preferencialmente, os projetos da Marinha – sonho de Moura Neto –, não se materializou. O problema estende uma sombra de indefinição sobre o futuro da produção de navios militares em território nacional, mas não representa uma ameaça letal, já que alguns governos estaduais planejam oferecer estímulos ao desenvolvimento da construção naval em sua faixa litorânea – caso, por exemplo, da Paraíba.
Por fim, é preciso reconhecer que certas conjunturas impediram a concretização de planos dos almirantes brasileiros.
Entre esses casos de “namoros” que não tiveram um desenlace feliz, está o interesse demonstrado pessoalmente por Moura Neto e sua equipe nos mastros cônicos IMast da multinacional Thales – que não se dispôs a estudar o alojamento, em seus invólucros, de antenas e sensores desenvolvidos no Brasil –, e a sondagem feita pela Aviação Naval, acerca de preços e condições de aquisição para um lote de seis convertiplanos V-22 Osprey.
Aeronave americana que voa como um avião bimotor mas pousa e decola como se fosse um helicóptero, o Osprey é ideal para o transporte de fuzileiros do mar para a terra, e para várias outras tarefas de grande utilidade para a Esquadra (alarme aéreo antecipado, transporte de pessoal e carga para navio-aeródromo, etc.). Em 2013, o grupo industrial Bell Helicopters/Boeing Rotorcraft Systems estimou o valor unitário da aeronave em torno dos U$D 65 milhões.
(Continua)