Mariana Barbosa
Enviada a São José Dos Campos
Coronel da reserva, engenheiro aeronáutico pelo ITA, com Ph.D. pela Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), Nehemias Lacerda, 60, vive de pesquisa, embora não seja ligado a nenhuma instituição. Ele aplica conhecimentos de aerodinâmica, supersônica e física de fluidos para solucionar problemas do cotidiano de grandes indústrias.
Enquanto os garotos da minha idade sonhavam em ser o astronauta Neil Armstrong, eu queria ser Wernher von Braun, engenheiro que criou o veículo lançador da Apollo na missão à Lua, em 1969.
Na noite da chegada do homem à Lua, passou na televisão um filme com a história do Von Braun, Rumo às Estrelas ("I aim at the Stars", 1960). Aquilo me impressionou muito. Pra mim, ele era o cara. Eu tinha 15 anos.
Quando terminei o ginásio [ensino básico], na rede pública em Campinas, fiz cursinho e entrei no vestibular do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Nunca pensei em ser militar, mas também não tinha nada contra.
No ITA há um programa de alistamento, e me interessei, pois eles dão apoio para quem quer fazer pós-graduação no exterior. Assim consegui fazer mestrado e doutorado na Caltech, na Califórnia.
Sou o segundo de quatro filhos. Minha mãe cuidava dos filhos e meu pai era pastor da Igreja Presbiteriana. Ele teve a gente quando ainda estava no colegial [ensino médio], e me lembro de um livro de física que ele tinha que foi escrito pelo Robert Millikan [Prêmio Nobel de física e diretor da Caltech até 1945] e que tinha muitos desenhos de avião. Eu tinha três anos e foi meu primeiro contato com aviões.
Meu sonho era um avião de aeromodelismo que ficava na vitrine de uma loja no caminho da igreja. Mas meu pai nunca comprou, era muito caro. Eu ficava folheando os livros e as revistas.
Na Caltech, meu orientador do doutorado me pôs para estudar o comportamento do escoamento de gases durante a erupção de um vulcão. Me dei conta de que, se um engenheiro aeronáutico pode explicar aquilo, posso resolver qualquer problema da indústria.
Minha pesquisa estava relacionada com exaustão do motor foguete, disparo de armamento e até milho de pipoca, que estoura acima da velocidade do som.
Voltei para São José em 1986 e comecei a dar aula no ITA, ainda como oficial da FAB [Força Aérea Brasileira]. No ano seguinte, fiz meu primeiro trabalho de consultoria para empresas.
Eu tinha um aluno que era amigo de um sujeito que trabalhava na Jonhson & Johnson e que me chamou para ajudar a resolver um problema. O absorvente da empresa tinha um problema de escoamento. A menstruação caía para o lado, em vez de espalhar por dentro. Usei tecnologia de túnel de vento para fazer uma alteração na máquina para que, no processo de fabricação, as camadas do material ficassem uniformes.
A mesma tecnologia me permitiu melhorar o desempenho de um forno de alumínio da antiga Alcan em 20%.
Há muitas coisas que podem ser feitas para tornar o nosso dia a dia melhor. É um baita mercado. O homem foi até a Lua e quantas vezes voltou lá? Todo conhecimento que se desenvolve para colocar o camarada em órbita é um espaço tremendo de exploração comercial.
Eu não resolvo tudo. Resolvo questões ligadas a fluidos. Mas o fluido está em muitos lugares. Com o conhecimento que tenho de fluido, faço as perguntas corretas e coloco na minha simulação. Também me inspiro na natureza. Consegui desenvolver uma tecnologia de redução de ruído para secador de cabelo inspirada na asa da coruja.
Ainda não registrei patentes, mas no momento estou desenvolvendo três pesquisas que podem gerar patentes dentro de cinco anos.
Abri a empresa, a Femto Ciências Aplicadas, em 2002, um ano antes de entrar para a Reserva. Agora estou instalado no Parque Tecnológico de São José dos Campos. Mas, no começo, eu trabalhava no quarto de empregada, na sala. Foi difícil. Demorou para as pessoas entenderem o que eu faço. Tem muito pouco cientista freelance no Brasil. O camarada vai para um centro de pesquisa, dá aula ou vira executivo da indústria.
Eu poderia estar melhor de vida? Poderia. Muitos colegas de ITA hoje são presidentes de grandes empresas. Mas minha vocação é conversar com pessoas que eu nem sabia que existiam, debruçar-me sobre problemas sobre os quais eu nunca pensei e entregar uma solução. Parece filme de detetive. É esse desafio que me move.
Nos últimos três ou quatro anos, as coisas melhoraram, e neste ano a FEMTO deve faturar R$ 1 milhão. Acho que as pessoas vão vendo resultado e o nome vai se espalhando no boca a boca.