Fabio Murakawa
De La Paz e Brasília
Depois de um período de forte aproximação durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, as relações entre o Brasil de Dilma Rousseff e a Bolívia de Evo Morales passam por um momento de estagnação. O país está há mais de um ano sem embaixador em La Paz, os investimentos brasileiros minguaram e as grandes construtoras estão fugindo de contratos no vizinho andino.
Enquanto fontes do governo brasileiro apontam um clima de forte insegurança jurídica como razão para o desinteresse de companhias nacionais em investir na Bolívia, autoridades bolivianas não escondem a insatisfação com a pouca atenção dispensada por Dilma a seu país.
Há muito tempo, diplomatas brasileiros vinham estranhando o fato de a presidente jamais ter visitado a Bolívia durante todo o seu mandato. No domingo passado, o presidente Evo Morales vocalizou sua queixa a uma rede de televisão local, comparando-a com seu antecessor, que esteve na Bolívia "várias vezes".
Comparação semelhante fez o embaixador boliviano em Brasília, Jerjes Justiniano, em entrevista recente ao Valor. Justiniano classificou Lula e Evo como "dois irmãos, dois homens que se conversam" para resolver qualquer problema e afirmou que, sob Dilma, a relação entre os dois países ficou "mais formal".
Fontes do governo brasileiro apontam a fuga cinematográfica do senador boliviano Roger Pinto, que culminou no ano passado com a demissão do chanceler Antonio Patriota, como o consequência direta desse distanciamento. Pinto chegou à embaixada em La Paz pedindo asilo político, dizendo-se perseguido após ter apontado ligações de membros do governo com o narcotráfico. A presidente brasileira decidiu conceder-lhe o asilo, mas Morales não emitiu o salvo-conduto para que ele fosse para o aeroporto sem ser preso.
O senador viveu durante 452 dias na representação diplomática brasileira. No Itamaraty, a impressão generalizada é a de que a presidente se arrependeu da concessão do asilo. Segundo diplomatas, Morales pediu a cabeça do então embaixador Marcel Biato, e foi atendido, enquanto negociações "de faz de conta" se arrastavam para tentar uma solução.
O caso só foi encerrado quando o diplomata Eduardo Saboia colocou o senador em um carro da embaixada e, escoltado por fuzileiros navais da embaixada, percorreu 1.600 km, em 24 de agosto do ano passado.
"Atribui-se a esse episódio um impacto nas relações Brasil-Bolívia. Na verdade, problemas existentes nas relações entre os dois países é que, em parte, dificultaram uma solução rápida para esse e outros problemas", disse Saboia ao Valor. "Há um distanciamento dos países. Qual foi a última vez que um presidente do Brasil esteve na Bolívia? A Dilma nunca foi."
O Brasil está oficialmente sem embaixador na Bolívia desde 29 de agosto do ano passado, data em que foi publicada no "Diário Oficial da União" a remoção de Biato para Brasília, segundo o Ministério das Relações Exteriores. O Itamaraty indicou em 2013 o embaixador Raymundo Santos Rocha Magno para assumir o posto em La Paz. Mas a Comissão de Relações Exteriores do Senado, presidida por Ricardo Ferraço (PMDB-ES), recusa-se a sabatiná-lo até que o caso Roger Pinto "seja esclarecido".
Atualmente, o embaixador Carlos Alberto Simas Magalhães exerce a função de encarregado de negócios e chefia, em caráter interino, a missão diplomática brasileira. Ele é o quarto encarregado de negócios interino à frente da embaixada desde a saída de Biato.
O ex-embaixador brasileiro era malquisto pelo governo boliviano por publicamente queixar-se de problemas que até hoje estão mal resolvidos, como a legalização de carros roubados brasileiros no país e, à época, a situação do senador na embaixada.
Biato também cobrava de Brasília uma maior defesa das empresas brasileiras, algumas das quais diziam-se perseguidas pelo governo. Caso da construtora D'Andrea, que foi acusada por Morales de "roubar a Bolívia" após não concluir no prazo a construção de uma fábrica de papel para a estatal Papelbol. Diplomatas em La Paz à época afirmavam que o governo boliviano não forneceu à empresa todos os insumos necessários para a obra.
As construtoras OAS e Petra também se queixaram em 2012 de "maus tratos" por parte do governo boliviano. Elas tiveram contratos para a construção de rodovias cancelados unilateralmente pelo governo boliviano.
O caso mais notório foi o da OAS, que tinha um financiamento de US$ 320 milhões do BNDES para a construção de uma estrada que atravessava um parque nacional. Em meio a fortes protestos de indígenas, que afetaram sua popularidade, Morales rompeu o contrato em 2012 apontando supostas irregularidades na execução da obra.
A presença brasileira na Bolívia, hoje, se resume à Petrobras e ao Banco do Brasil, afirma uma fonte do governo brasileiro. "Em nenhuma das licitações recentes para grandes obras no país houve sequer interesse de empresas brasileiras."
O item mais importante na relação bilateral, porém, é o gás boliviano, cujo contrato de fornecimento se encerra em 2019. Enquanto os dois países realizam conversas preliminares, o embaixador boliviano fez recentemente duras críticas à Petrobras. Em entrevista ao Valor, ele disse tratar-se de uma "multinacional, que não tem nada a ver com o governo brasileiro".
Justiniano afirmou que a Petrobras sabe onde há reservas de gás necessárias para garantir o fornecimento, mas não informa ao governo de seu país. Nem a Petrobras nem o governo brasileiro se pronunciaram.