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Análise: competição entre califados pode enfraquecer extremismo islâmico

Por Nicholle Murmel a partir de texto do Stratfor

Em um video de 52 minutos divulgado no final de agosto deste ano, Abubakar Shekau, líder do grupo extremista islâmico Boko Haram, da Nigéria, falou de um Estado Islâmico no nordeste do país. A declaração veio dois meses depois de Abu Bakr al-Baghdadi, líder do movimento jihadista transnacional na Síria e no Iraque anunciar o restabelecimento do califado e rebatizar o grupo de Estado Islâmico (EI). Apesar de fortemente inspirado pelo EI, o Boko Haram não está apenas imitando sua contraparte mais poderosa do Oriente Médio, na verdade está retomando as linhas do Califado de Sokoto, basado na Nigéria no começo dos anos 1800 e que existiu por quase um século antes de o Reino Unido assumir o controle da região.

O papel histórico do califado

Segunto a teoria política muçulmana clássica, só pode haver um único califado em todo o mundo muçulmado, ou ummah. Na prática, já houve rivalidades em torno de legitimidade e mesmo competição entre califados ao longo da História do Islã. Na análise publicada no começo de julho, explicamos não apenas como múltiplos emirados e sultanatos emergiram de forma independente do califado, mas também que existiram califados rivais – por exemplo o Abássida em Bagdá (749-1285), o Omíada na Península Ibérica (929-1031) e o Fatímida no Cairo (909-1171).

Essas unidades políticas medievais não eram apenas subprodutos das limitações geográficas que impediam a unidade física do califado original, mas também eram fortemene moldadas pelas rivalidades políticas e religiosas. Esses impérios dinásticos eram as pedras que erguiam o mundo muçulmano, diferente do sistema internacional abrangente da época. Por esse motivo o Império Árabe existiu por séculos até a ofensiva da Europa contra o mundo Muçulmano no século 18.

Ao longo dos últimos dois séculos, os califados medievais, emirados e sultanatos foram substituídos por Estados nacionais. Apesar de artificialmente criadas e fracas, é pouco provável que essas unidades políticas sejam varridas por islamitas radicais em busca de restabelecer as antigas estruturas. Apesar de a noção de identidade nacional (e mesmo de nacionalismo) ser inicialmente um produto importado da Europa para o mundo muçulmano, e ainda entrar em conflito com identidades religiosas e tribais, já é um componente consolidado no tecido social.

A maior parte dos islamitas alinhados com a Irmandade Muçulmana, ou alguma de suas variantes, abraça a noção de Estado nacional e não vão se unir à minoria de jihadistas e radicais que querem eliminar as fronteiras nacionais e retornar a uma versão romantizada do passado. Ainda assim, califados e emirados emergiram por conta de falha das nações muçulmanas modernas em criar sistemas demcráticos e, de forma mais ampla, prover política e economia viáveis aos cidadãos – e essas falhas foram brilhantemente exploradas pelos grupos radicais.

Falhas nos califados modernos

Grupos islâmicos extremistas conseguem tocar a imaginação da juventude de países economicamente vulneráveis, jovens que não conhecem o suficiante de política nem do Islã. O Estado Islâmico, entidade mais bem-sucedida em ganhar território, cresceu em parte por uma combinação rara de circunstâncias relacionadas à luta geopolítica regional entre acampamentos xiitas e sunitas no Oriente Médio. Porém, como fica claro pela união de forças internacionais contra o EI, o movimento jihadista transnacional encontrará grandes desafios para seguir em frente.

Além disso, as políticas e comportamento ultra-extremistas estão alienando ainda mais o Estado Islâmico do mundo muçulmano. A denúncia da al Qaeda apontando o EI como elemento desviante reforça a competição que o grupo enfrenta mesmo entre o movimento jihadista. Além do mais, há toda uma constelação de radicais islâmicos além da al Qaeda que não aceitam a reivindicação de califado do EI. Esses islamitas buscarão formar seus prórpios califados ou emirdaos no mesmo campo de batalha. Enquanto isso, outros grupos em diferentes pontos do mundo muçulmano também  tentarão formar suas prórpias unidades.

Um conceito relevante nesse contexto é o de “líder dos fiéis”, ou emir al-nomineen – título dado ao segundo califa do Islã, Omar bin al-Khattab (579-644). Desde então, esse título é sinônimo de califa. Na atualidade, o afegão fundador da Taliban, Mullah Mohammad Omar assumiu esse título nos anos 1990, quando o movimento tomava conta da maior parte do Afeganistão. Décadas antes, a Constituição do Marrocos conferia essa mesma denominação ao monarca do país.

O rei marroquino só reivindica liderança sobre a maioria muçulmana. Assim como no Afeganistão, em que o status de força jihadista nacionalista do Taliban significava que Mullah Omar só afirmava liderança sobre os muçulmanos. A jogada de Al Baghdadi se declarar califa de todos os muçulmanos do planeta bate de frente com a autoridade de emirados e regimes dinásticos ou democráticos já consolidados no mundo islâmico.

O destino dos jihadistas e dos califados

Em um futuro distante, islamistas radicais provavelmente perderão o apelo por causa de dois fatores. Primeiro, a tentativa de criar um califado e as dificuldades derivadasem termos de governança forçarão muitos radicais a optar pelo pragmatismo e se tornarem relativamente moderados. Em segundo lugar, a oposição de companheiros muçulmanos cada vez mais familiarizados com outras formas de política e governança dará ao EI e demais califados menos espaço para operar.

Os muçulmanos aceitaram há tempos que o conceito de califado não significa um Estado único – em vez disso, simboliza a cooperação pan-muçulmana na forma de um regime surpanacional, como a União Europeia. Esse continua sendo um objetivo desejado, como fica claro na existência da Organização da Conferência Islâmica que, apesar de frágil, permanece intacta.

Por fim, esses desdobramentos serão resultado do conflito de várias gerações. Até lá, os problemas sociais, políticos e econômicos do mundo muçulmano, bem como as rusgas sectárias, rivalidades geopolíticas e os interesses de potências externas (especialmente os Estados Unidos e o Ocidente) continuarão a manter as condições nas quais extremistas violenos proliferam. Assim, radicais islamitas continuaram sendo uma ameaça global – e especialmente para os prórpios muçulmanos – por décadas.

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