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Submarinos convencionais e o equilíbrio de forças na Ásia


Nota Defesanet

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O editor

Por Michael Raska – texto do Royal United Services Institute
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel

 
Em julho passado, a Coreia do Sul lançou a quinta unidade do submarino Type-214, o ROKS Yun Bong-il, um navio de propulsão diesel elétrica independente de ar (AIP) equipado com mísseis Haeseong-3. Esse episódio mostra um aspecto importante da competição crescente no leste da Ásia – cada vez mais,  submarinos convencionais (SSKs) vêm se tornando a “plataforma preferida” de potências regionais para multiplicar sua froça em diversas missões contra potências maiores.

Esse tendência reflete a realidade estratégica da região, e como ela está mudando, marcada por trajetórias conflitantes que têm origem em legados históricos não resolvidos, somados a desafios emergindo em termos de segurança. Esse panorama deriva principalmente da modernização qualitativa das Forças Armadas da China.

À medida em que Pequim expande seus interesses na busca de mais poder e pela reafirmação de sua importância geopolítica, o foco da odernização do Exército de Libertação Popular (ELP) está se deslocando da tradicional defesa do território e da antiga possibilidade de conflito com Taiwan para a projeção de poder até os chamados “mares próximos”, delimitados pela “primeira cadeia de ilhas” – entenda-se as ilhas Kuril, o arquipélago do Japão e Taiwan. Até 2030, Pequim prevê que sua influência alcance a “segunda cadeia de ilhas”, que inclui até mesmo a ilha de Guam, onde os Estados Unidos mantêm instalações militares.

Nesse contexto, a Marinha do ELP está se transformando gradualmente em uma Marinha regional de águas azuis, com aspectos ofensivos e defensivos simultaneamente, elementos de negação do mar e capacidade de expedião, ainda que limitada, e poder aéreo de apoio. Essa estratégia abrangente, que as autoridades chinesas chamam de “contra-intervenção”, é interpretada pelos Estados Unidos e e outras potências no Pacífico como uma tentativa de restringir o acesso e a liberdade de ação de suas respectivas forças em áreas de “interesse central” para Pequim. Essa postura tem grandes implicações para a segurança local, e o potencial de intensificar a modernização militar.

Com a ascenção econômica, política e militar da China, sustentada por 30 anos de crescimento econômico ininterrupto, o LP está gradualmente adquirindo meios de projetar poder em praticamente tdos os campos tecnológicos e militares. Em março deste ano, a China anunciou seu orçamento destinado à defesa – 131 blihões de dólares, 12,2% a mais do que no ano passado e marcando 17 anos seguidos de aumentos de dois dígitos nos investimentos militares. Os efeitos cumulativos são substanciais – uma cartela de plataformas aéreas, terrestres e navais chinesas cada vez mais sofisticadas e eficientes.

Um importante aspecto da estratégia de controle de área marítima da Marinha chinesa são as novas classes de submarinos de propulsão nuclear e também convencional. Os navios foram incorporados junto com vários outros avanços tecnológicos e de armamentos, como mísseis lançados de submarinos, mísseis antinavio e de cruzeiro, armas para guerra antissubmarina e sensores ISR. Juntos, esses produtos fermorçam a Marinha do ELP e permitem aos submarinos mais flexibilidade, endurance, alcance e letalidade.

Atualmente, a China opera ao todo 45 submarinos de seis classes diferentes – dois SSKs de produção nacional e quatro classes nucleares. Desde 2004, acredita-se que o país tenha comissionado 12 unidades da classe Yuan de submarinos convencionais, modificados progressivamente para comportarem sonares de maior frequência, atualizações nos sitemas de armas, redução de ruído e tecnologia AIP, que diminui a necessidade de esnorquel em duas semanas ou mais. Consequentemente, o sistema independente de ar estende o alcance e o risco de detecção.

A Marinha do ELP pode lançar até 20 novos Yuan utilizando tecnologias adaptadas de navios russos para motores diesel-elétricos alemães. Desde a metade da década de 1990, Pequim adquiriu 12 submarinos classe Kilo da Rússia, e há interesse em comprar pelo menos quatro embarcações de quarta-geração da classe Amur, ou mesmo um de quinta-geração da classe Kalina, ainda nos estágios iniciais de desenvolvimento nos estaleiros russos.

Em contrapartida, potências regionais no leste da Ásia estão respondendo a essa modernização qualitativa e revendo as prioridades para a modernização de suas forças., suas alianças e escolhas estratégicas no geral. O resultado não é uma corrida armamentista em si, com uma dinâmica de ação e reação em que armas são adquiridas com base em relações hostis. Em vez disso, se estabelece uma competição ou dinâmica armamentista caracterizada por uma mistura de pressões para cooperação e oposição, compra contínua de plataformas avançados, introdução de novos tipos de armamentos e, consequentemente, o desenvolvimento de capacidade militar sem precedentes.

No nordeste da Ásia, por exemplo, o Japão está repensando sua postura em termos estratégicos e de defesa nacional, e procura superar as limitações impostas pela Constituição pacifista pós-Segunda Guerra para conseguir flexibilidade operacional em respostas às circunstâncias na região, especialmente as disputas cerca das Ilhas Senkaku/Dayou. Em novembro do ano passado, o governo japonês inaugurou o primeiro Conselho Nacional de Segurança, seguido pela aprovação da primeira Estratégia Nacional de Segurança e pela reinterpretação da Contituição japonesa. Enquanto isso, as reformas da Coreia do Sul na área de defesa seguem, e os programas de aquisição não têm como objetivo apenas reforçar as capacidades contr as ameaças assimétricas da Coreia do Norte, mas também desenvolver capacidades aéreas e navais conjuntas que complementem os interesses de longo-prazo dos Estados Unidos, que através da política de “reequilíbrio”, pretende expandir sua posição como grande potência no Pacífico.

Com a mudança das prioridades estratégicas, Japão e Coreia do Sul buscam adquirir novos tipos de submarinos. O lançamento do quinto Type-214 coreano vem menos de um ano depois da entrada em serviço da classe Son Won-il, com 1.800 toneladas de deslocamento. A Marinha sul-coreana também planeja incrementar a atual frota de 14 submarinos com nove unidades do KSS-III, uma classe nova, de produção nacional com 3.000 toneladas de deslocamento, tecnologia AIP e sistema de lançamento vertical de mísseis. A Força de Autodefesa Marítima do Japão, por sua vez, lançou em outubro de 2013 o Kokuryu, sexto de dez navios da classe Soryu previstos. Equipados com sistema AIP Stirling e mísseis antinavio Harpoon, os Soryu são considerados os mais avançados dos 16 submarinos da atual frota japonesa.

Indo mais ao sul na região, o custo relativamente alto das aquisições e as exigências de manutenção impediram que outras nações asiáticas tivessem submarinos. Ao longo da última década, porém, Marinhas do Sudeste Asiático começaram a desenvolver suas prórpias frotas com a introdução de SSKs litorâneos mais capazs e mísseis antinavio e de cruzeiro lançados a partir de submarinos, que garantem a esses países projeção de poder inédita, ainda que limitada.

Por exemplo, até 2018 a frota submarina do Vietnã pode ser a maior na área após a entrega de quatro a seis unidades da classe Kilo adquiridas da Rússia, e projetadas para reconhecimento, patrulha e missões antissubmarinas e antinavio. Os navios serão equipados com mísseis de cruzeiro 3M-54. Nações vizinhas como Indonésia, Malásia e Singapura também estão expandindo ou atualizando seu contingente de submarinos. Entre 2007 e 2009, a Malásia recebeu dois navios da classe Scorpène, de fabricação francesa, equipados com mísseis SM-39 Exocet de lançamento subaquático. A alocação permanente dos navios na base naval de Kota Kinabalu, no leste do país, indica que a missão principal é assegurar a soberania da Malásia nas disputadas águas do Mar do Sul da China.

A Indonésia tem um plano ambicioso de aumentar sua frota para pelo menos seis submarinos e, no cenário ideal, até 2024 contar com 12 unidades – ponto-chave do objetivo nacional declarado de estabelecer uma “Marinha de águas verdes”. Em 2012, a Marinha indonésia anunciou a consumação de contrato no valor de 1,1 bilhões de dólares para três SSKs Type-209 de fabricação coreana, com design alemão que representa avanços significativos em relação aos dois U-209 atuais, em serviço desde 1981.

Enquanto isso, em novembro de 2013, Singapura anunciou um contrato com o estaleiro alemão ThyssenKrupp para adquirir dois submarinos Type-218SG, projetados para operações litorâneas e em águas rasas. Tailândia, Filipinas e Burma também mostraram interesse em comprar SSKs, apesar da pouca possibilidade por conta das restrições financeiras e desafios da segurança interna desses países.

Para as Marinhas do leste asiático, ter essas capacidades significa mais flexibilidade operacional, endurance, invisibilidade e alcance, o que lhes permite conduzir missões diversas, desde guerra antissubmarina até escolta, passando por inteligência, vigilância e reconhecimento e apoio a forças especiais. Os navios também atuariam junto com outros agentes de dissuasão e na defesa do território.

As aspiações desses países refletem a configuração estratégica que surge na Ásia, caracterizada por uma variedade de ameaças, incluindo assimetrias na negação de acesso e uso do mar, além de conflitos convencionais em escalas das menores às mais dramáticas em pontos de atrito tradicionais, como o estreito de Taiwan e a península da Coreia. Esses acontecimentos coexistem com uma gama de desafios não-convencionais, como questões energéticas e segurança cibernética. Todos esses elementos convergem para competições e disputas territoriais nos mares do Leste e do Sul da China.

Para combater esses desafios híbridos, China, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e, em menor grau, Taiwan vêm conseguindo cada vez mais ferramentas de projeção de poder, e submarinos no estado da arte são apenas um elemento. Ao mesmo tempo, a difusão de tecnologias de defesa avançadas em quase todos os níveis do teatro de operações também aumenta as demandas táticas e estratégicas, o que compele os países a se modernizarem, alimentando o ciclo armamentista. Fica claro que essa dinâmica está alterando o contexto estratégico em áreas de disputa no Sudeste asiático, particularmente no Mar do Sul da China, à medida que nações de pequeno e médio porte conduzem missões de inteligência e, talvez mais importante, representam “multiplicadores de força” credíveis para deter ou mesmo desbaratar a força naval chinesa.

Submarinos se tornarão bens estratégicos mais e mais valiosos nesse cenário, especialmente navios com propulsão independente de ar. Para Marinhas menores, com ênfase na defesa territorial no leste e sudeste asiático, esses atributos viabilizam uma estratégia de “negação do mar”. A invisibilidade dos SSKs também representa vantagem em termos de vigilância e reconhecimento, especialmente em águas rasas no Mar do sul da China e no Mar de Java. Os navios podem até ser identificados, mas nem sempre é possível determinar sua classe e nacionalidade, o que pode comprometer a capacidade de resposta do oponente, mesmo se tratando de uma grande potência.

No entanto, como acontece com várias inovações, a eficácia geral dos submarinos convencionais, não importa o quão avançados, será medida não apenas de acordo com suas especificações técnicas. Em vez disso, os marcadores de eficiêcnia serão o quão bem essas máquinas se integram à estrutura organizacional, à doutrina e aos conceitos operacionais de suas Marinhas. Submarinos sempre de prontidão requerem investimento de longo-prazo, força de trabalho altamente qualificada, desenvolvimento de infraestrutura e doutrina compatível para que se desenvolva uma força naval moderna que forme oficiais com até dez anos de estudo e experiência, além de marinheiros, operadores e engenheiros capazes de administrar e manter os sistemas de armas, propulsão e comunicação desses navios.

A diferença crucial de efciência entre os submarinos modernos que cada vez mais frequentam as águas da Ásia-Pacífico será, então, o treinamento, a experiência e habilidade de quem os opera.

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