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Mais confiante e menos discreta, Rússia contempla opções na Ucrânia

Keir Giles
Do Centro de Pesquisas de Conflitos, em Oxford

 

A presença de tropas russas no leste da Ucrânia ainda não é reconhecida oficialmente pelo governo do presidente Vladimir Putin. Mas há fortes indicações de que a Rússia está ficando cada vez mais confiante e menos 'discreta' sobre sua ação militar no território ucraniano.

Além dos tanques militares que já foram vistos na região e de relatos de paraquedistas capturados pela Ucrânia e mortos "no exercício de suas funções", agora as declarações de líderes separatistas também mudaram.

Depois de terem passado meses pedindo ajuda da Rússia, os rebeldes dizem agora que "podem dar conta do recado sem ajuda de fora".

Tudo isso poderia indicar que os estrategistas russos sentiram que a situação militar dos separatistas era grave o suficiente e seria necessária uma ajuda mais direta.

Ou poderia significar também que a Rússia, a esta altura, está simplesmente 'menos preocupada' em ser 'discreta' ou em negar sua presença militar no leste da Ucrânia.

Durante a anexação da península da Crimeia, em março, o presidente russo Vladimir Putin e outros membros do alto escalão do Kremlin também negavam que os 'pequenos homens de verde' avistados na região eram tropas russas – negativas que, posteriormente, foram abandonadas.

'Apagão' de notícias

Há também a possibilidade de o governo russo considerar em breve que a presença de suas tropas no resto da Ucrânia 'cumpriram seu papel' e que passe a descartar o uso delas dali em diante.

Em alguns aspectos, a maneira como as notícias vêm aparecendo lembra um episódio ocorrido nos anos 80. Naquela ocasião, a Rússia ainda era União Soviética e também negava seu envolvimento militar no Afeganistão.

À época, a comunidade russa só passou a tomar conhecimento da escala do conflito quando soldados russos começaram a chegar em casa mortos ou feridos – assim como tem acontecido agora.

O 'apagão' das notícias agora não é tão absoluto quando era nos tempos soviéticos, mas os russos estão novamente sendo informados de maneira bem diferente pela mídia local, que se distancia – e muito – do que está acontecendo na realidade.

Agora, porém, organizações como o Comitê de Mães de Soldados estão entrando em ação para chamar a atenção da população de forma mais rápida e efetiva.

No entanto, a violência e a intimidação contra os jornalistas que estão noticiando os enterros secretos de paraquedistas das tropas russas sugerem que, por enquanto, Moscou ainda tem a intenção de deixar essa ação 'debaixo dos panos'.

Depois que as forças russas foram usadas no conflito armado na Geórgia em 2008 – que era considerado tecnicamente ilegal até pelas leis russas naquela época – a Rússia alterou sua legislação para tornar mais 'fácil' o envio de tropas além de suas fronteiras com menos supervisão judicial.

No entanto, ainda é necessário passar por um procedimento público envolvendo o Parlamento russo, que precisa autorizar uma ação como essa.

O presidente Putin recebeu essa autorização do Legislativo em março para poder usar tropas russas em território ucraniano.

Em junho, durante um período menos tenso do conflito, ele chegou a pedir para que aquela autorização fosse revogada.

As declarações de que os soldados russos no leste da Ucrânia são "voluntários" e que estão "de licença" reforçam a negativa do governo sobre as tropas e contornam as próprias orientações constitucionais da Rússia contra o envio de tropas para outros países sem a devida autorização.

Manutenção da paz ou pacificação?

Enquanto isso, os próximos passos da Rússia no leste da Ucrânia seguem em aberto.

Uma preocupação levantada é a de que o envolvimento direto de tropas russas possa criar condições para uma futura "intervenção humanitária" pela Rússia usando "soldados para manutenção da paz".

Na semana passada, foi anunciado que a Rússia havia formado um "exército forte de 5 mil soldados de manutenção da paz", com base em unidades da Força Aérea Militar – a mesma à qual pertenciam os paraquedistas mortos e capturados na Ucrânia.

No entanto, traduzir a criação dessas novas tropas como "de manutenção da paz" pode se mostrar um engano.

A palavra russa "mirotvorcheskiy" é muito próxima à da palavra "pacificadora", que tem um significado bem diferente da ideia ocidental dos soldados de "manutenção da paz", que só entram em um território quando um conflito, efetivamente, chega ao fim.

A própria intervenção da Rússia na Geórgia em 2008 era chamada pelo governo russo de "operação para garantir a paz na Geórgia".

Na semana passada, eu estava discutindo o conflito ucraniano pelo telefone com um general do exército russo. A explicação dele para a súbita ênfase na "manutenção de paz" já dizia algo.

A Rússia precisa de tropas de "manutenção de paz", justificava ele, "porque esse é o único jeito que nos permite enviar tropas para as fronteiras de outros países com uma banda tocando e todo mundo feliz por vê-las".

Por enquanto, esta é certamente uma das muitas opções que a Rússia está contemplando agora.

 

 

 

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