Agora chovem acusações e justificativas. Claro que a "falência" não é uma bancarrota, mas apenas uma insolvência técnica. Nesse ponto, o carismático ministro argentino da Economia, Axel Kicillof, tem razão. A Argentina poderia ter pagado, mas não quis.
Se as razões para isso são realmente algo para se levar a sério ou se são apenas pretextos, é algo discutível. Claro que os chamados "fundos abutres" visam obter o maior lucro possível. Isso pode ser duvidoso do ponto de vista moral, mas os fundos têm a lei do seu lado.
Fato é: um acordo teria sido possível, nisso concorda a maioria dos especialistas em economia, e também os mercados estavam otimistas. Mas as negociações fracassaram, e a Argentina está mais uma vez à beira do precipício. Isso não provocará uma crise global nos mercados financeiros, pois o país já está há muito tempo isolado.
Também para o governo em Buenos Aires, as consequências econômicas parecem ser menos importantes do que a questão da culpa. A presidente Cristina Kirchner e sua equipe apostaram desde o início que as simpatias estariam ao seu lado e apresentaram a questão como uma luta entre um valente Davi contra um capitalista e ganancioso Golias.
Politicamente, do ponto de vista de Kirchner, havia pouco a perder e muito a ganhar com essa intransigência: a compreensão de seu próprio povo, a solidariedade dos países vizinhos e, não menos importante, uma bem-vinda maneira de desviar a atenção dos erros da própria política econômica. As consequências, outros sofrerão: a população argentina, que mais uma vez tem de enterrar suas esperanças de um futuro melhor.
Não só porque a Argentina já está numa crise econômica, mas principalmente porque a batalha envenenou o clima para investimentos no país. É a segunda vez que isso acontece em pouco tempo – a primeira foi a estatização da companhia de petróleo Repsol em 2012, dano corrigido a muito custo.
A Argentina poderia ser um país rico, ela tem todas as condições para isso. Mas, para concretizar seu potencial, o país precisa de dinheiro para a infraestrutura, precisa de acesso aos mercados internacionais, precisa de confiança. Num lugar onde não há segurança jurídica e onde, além disso, os investidores são apresentados como vilões quando a situação convém, essa confiança não existe.
Resta, ao menos, o amplo debate sobre a uma lei internacional de insolvência, provocado pela posição teimosa e desafiadora do governo argentino. Mas isso de pouco adianta para os argentinos. Assim como o comentário feito pelo seu ministro da Economia sobre as negociações fracassadas, de que "o mundo vai continuar girando".
Entenda o impasse da dívida na Argentina
País e credores que não aceitaram renegociação de títulos de dívida enfrentaram cruzada na Justiça. Se não chegarem a um acordo, Argentina terá de declarar moratória.
– Em 2001, a Argentina decretou moratória. A dívida do país, de cerca de 100 bilhões de dólares, era impagável. A decisão abalou a confiança dos investidores internacionais e afastou as empresas estrangeiras, dificultando a obtenção de empréstimos internacionais.
– Em 2005 e 2010, o país conseguiu renegociar 92,4% da dívida. As novas condições envolviam a renúncia a cerca de 70% do valor de face dos títulos e o parcelamento da dívida restante em 30 anos. Mas alguns poucos investidores não aceitaram a renegociação e entraram com ações em tribunais internacionais.
– Credores como a Aurelius Capital Management e a NML Capital, do multimilionário Paul Singer, designados pelo governo argentino como "fundos abutres", entraram na Justiça de Nova York para exigir o pagamento integral da dívida.
– Em 2012, o juiz federal de Nova York, Thomas Griesa, deliberou que a Argentina cumprisse suas obrigações com esse fundos (que detêm cerca de 1% da dívida) para poder continuar efetuando o pagamento das parcelas renegociadas em 2005 e 2010. O valor a ser pago é de 1,3 bilhão de dólares, ou 1,5 bilhão com os juros. A Argentina recorreu.
– Em agosto de 2013, o Tribunal de Apelações de Nova York ratificou a sentença da primeira instância, condenando a ré a pagar aos fundos de risco a dívida referente à moratória de 2001. A Argentina recorreu, então, à Suprema Corte dos Estados Unidos.
– Em decisão final, a Suprema Corte dos EUA rejeitou em 16 de junho um recurso do país contra o pagamento aos "fundos abutres". A intervenção da Justiça americana nas contas da Argentina se deve ao fato de os EUA terem sido escolhidos como jurisdição para os bônus lançados após a renegociação da dívida, e, também, por o pagamento ser realizado por bancos americanos.
– A Argentina argumenta que a decisão da Suprema Corte abre um precedente perigoso para o país. Se ele acatar o veredicto e realizar o pagamento aos fundos que ganharam esse direito na Justiça, outros fundos que não aceitaram a renegociação poderiam imediatamente cobrar mais de 15 bilhões de dólares do país. Esse valor corresponde a mais da metade das reservas internacionais argentinas, atualmente de 28 bilhões de dólares. A situação da já debilitada economia argentina ficaria ainda mais complicada, caso credores que aceitaram a renegociação também apelem à Justiça, exigindo o valor de face dos títulos, mais os juros.
– Em audiência no dia 27 de junho, Thomas Griesa instou o Bank of New York Mellon – que atua como intermediário da operação – a devolver ao governo argentino os 539 milhões de dólares depositados no dia anterior para os investidores que aceitaram a reestruturação da dívida, e manteve a decisão que obriga o país a pagar imediatamente 1,3 bilhão de dólares aos "fundos abutres". A Argentina passou então a negociar com os fundos especulativos, com carência até 30 de julho para efetivar o pagamento e, assim, não decretar moratória.