Documentos localizados pelo Estado no Arquivo Histórico do Exército, no Rio, mostram como o Brasil tentou desenvolver uma política a partir do fim da 1.ª Guerra Mundial para conquistar espaço e prestígio internacionais. Um dos instrumentos do País nesse esforço foi a Missão Médica Especial, inaugurada em Paris por militares brasileiros em dezembro de 1918.
Seu fechamento, decidido pelo presidente em exercício, Delfim Moreira, por decreto de 19 de fevereiro de 1919, alarmou o chefe da delegação brasileira na Conferência de Versalhes, o então futuro presidente Epitácio Pessoa. Por telegrama, ele enviou um duro protesto ao governo brasileiro.
Mantido no acervo do Exército, o texto assinalou (na grafia original): “Perante opinião pública, nossa collaboração na guerra foi nenhuma, sendo isto motivo (de) recriminações repetidas (e de) má vontade (com) nossas pretenções”, telegrafou da capital francesa, no início de 1919. “Serviços (do) hospital estão nos rehabilitando perante essa opinião. Se o governo suspende de chofre, voltarão prevenções, então mais agravadas contribuindo augmentar dificuldades (da) Delegação perante Governo e delegados francezes.” Não adiantou. O Brasil pouco depois fechou o hospital.
Inaugurado em dezembro de 1918 e dedicado prioritariamente aos feridos de guerra, o hospital da Rue de Vaurgirard, da Missão Médica Especial, foi um dos três estabelecimentos médicos brasileiros na França para vítimas do conflito (leia texto na página 10). Foi também a ponta mais visível da discreta participação do País no conflito, embora atuasse só após o seu fim.
Além do hospital com cerca de 90 médicos, o Brasil constituiu a Divisão Naval de Operações de Guerra (DNOG) da Marinha. Ela participou de missões de patrulhamento no Atlântico e afundou um submarino alemão. O País também enviou à França uma Comissão de Estudos de Operações de Guerra e de Aquisição de Material na Europa. Militares brasileiros que a integravam lutaram pelas tropas francesas. Para o Reino Unido, seguiram nove oficiais para treinamento como pilotos de avião na Royal Air Force (RAF). Alguns participaram de patrulhas no sul da Inglaterra.
Em 26 de outubro de 1917, o Brasil reconheceu o estado de beligerância com a Alemanha. O País reagia ao afundamento de navios mercantes na guerra submarina irrestrita movida pela marinha do Império Alemão contra os Aliados. Os brasileiros eram neutros, mas mantinham comércio com britânicos e franceses. Viraram alvo.
“(Os militares alemães) Acreditavam que os ataques de submarinos a todo o transporte neutro e beligerante prejudicaria a vontade britânica de continuar a guerra”, diz o historiador americano Frank McCann. Ele é um estudioso dos militares brasileiros e autor de Soldados da Pátria – História do Exército brasileiro 1889-1937.
Encerrado o conflito, o Brasil tentava, na Conferência de Paz de Versalhes, garantir alguns interesses de sua elite e de seu governo. Queria receber depósitos relativos a vendas de café de São Paulo para a Alemanha anteriores à guerra e manter navios alemães apreendidos no País. Daí vinha o desespero de Epitácio com o fim do hospital.
“Há actualmente 312 feridos recolhidos (…). Justamente neste momento Governo francez empenhou-se (no) augmento número leitos. Imagine Vocencia pessimo effeito causaria se respondessemos pedindo elles transfiram a seus hospitaes doentes existentes visto Brasil ter resolvido dissolver missão medica”, advertiu Epitácio, na mensagem agora no arquivo do Exército.
O País tinha poucas alternativas, diz McCann. “O Exército estava sendo reformado e, na verdade, estava sendo construído. Alberto Torres e Olavo Bilac estavam debatendo o papel do Exército na sociedade. A elite brasileira não estava muito interessada em aumentar a força do governo central. A experiência no Contestado tinha mostrado ao Exército a necessidade de reorganização, rearmamento e treinamento”, disse ao Estado.
Foi nesse cenário que se deu a participação brasileira na 1.ª Guerra Mundial. A maioria dos brasileiros mortos foi atingida pela gripe espanhola. Em Dacar, no Senegal, foram enterrados 156 brasileiros, integrantes da DNOG, vítimas da doença. Alguns oficiais do Exército, como Tertuliano Potiguara e Pessoa Cavalcanti, foram feridos em combate, lutando pela França.
Um século depois, documentos do Exército mostram dificuldades da época. Uma era a incorporação de médicos civis como oficiais. Em ofício de 21 de outubro de 1918, o general Napoleão Felippe d'Aché, chefe da Comissão de Estudos, deu indícios do problema em mensagem ao chefe da Missão Médica Especial, coronel-médico Nabuco de Gouvêa, “UNIFORMES – Não é licito alteral-os sob pretexto algum; devendo ser para os officiaes e praças do Exercito o regulamentar e para os commissionados o mesmo do Exercito, porém com botões dourados (…)”, dizia. O texto informava que a continência “é obrigatoria entre militares de qualquer hierarchia, partindo sempre do menos graduado (…)”. E advertia: “A praça evitará fumar junto ao official ou por ele passar com o cigarro na bocca”.
Leia também:
U-93 – Submarino que jogou Brasil na I GM pode ter sido encontrado (Link)