Jerusalém nestes dias: manifestantes se reúnem no centro da cidade, perto da antiga fronteira entre as regiões leste e oeste. Eles carregam bandeiras de Israel e cartazes, gritam "Morte aos árabes!", param taxistas para ver se são judeus ou palestinos. Em Jerusalém, há muitos taxistas palestinos da parte oriental, ocupada por Israel. Há uma atmosfera de linchamento. "Um judeu é uma alma; um árabe, um filho da puta", diz um dos jovens, e um outro grita "dá neles!".
A razão do alvoroço é a morte de três alunos de um colégio religioso judeu, que foram sequestrados e assassinados na Cisjordânia. Seus corpos foram achados naquela região no final de junho, enterrados sob uma pilha de pedras, perto de Hebron. Em Israel, a suspeita é que os assassinos tenham ligações com o Hamas.
"Um abismo profundo e largo nos separa de nossos inimigos. Eles santificam a morte; nós, a vida. Eles santificam a crueldade; nós, a misericórdia. Este é o segredo e a base da nossa unidade", afirmou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, durante o enterro dos três jovens.
Visão de mundo racista
Um dia depois, Mohammed Abu Khder, um jovem palestino de Jerusalém Oriental, de 16 anos, foi sequestrado, torturado e brutalmente assassinado. Os extremistas que assumiram a autoria da morte pertencem à extrema-direita religiosa de Israel. Seus professores e educadores são rabinos que pregam uma visão de mundo racista. Estes apoiam o movimento de ocupação e reclamam para si toda a terra entre o Mar Mediterrâneo e o rio Jordão. Os palestinos não têm lugar em sua visão de mundo.
Um desses rabinos é Dov Lior, uma dos principais do movimento de ocupação. Ele já foi processado por declarações racistas. Lior também foi mestre espiritual de Yigal Amir, o assassino do primeiro-ministro Itzak Rabin. Ele resume seus ensinamentos em poucas frases: "Todos aqueles que acreditam na Torá sabem que esta terra foi prometida somente a este povo. Não há espaço para outra entidade nacional neste lugar. Nunca existiu neste território um Estado de um outro povo. Ele pertence unicamente ao povo judeu."
Já o rabino David Batzri tem muitos seguidores, especialmente entre judeus orientais. Ele também já foi processado por comentários racistas, tendo sido até mesmo condenado. Batzri lutou em Jerusalém contra a criação de uma escola judaica e palestina. Ele argumenta que "judeus são puros, e os árabes, impuros. Por isso, não devem se misturar".
O rabino Shlomo Aviner, que pede a pena de morte para terroristas palestinos, é também muito conhecido e popular entre a direita de Israel. Em 2010, ele publicou um apelo para que ninguém alugasse apartamentos para árabes. O texto foi assinado por mais de 50 rabinos. Aviner é rabino do assentamento de Bet El, na Cisjordânia ocupada, e é pago pelo Estado.
Assim como o ex-rabino militar Avichai Rontzki, que cuidou dos soldados durante a guerra de Gaza, no inverno de 2008 e 2009. Naquela época, ele os instruiu a não ter piedade com os palestinos. Ele defendia que até mesmo civis deveriam ser mortos, se fosse para salvar a vida de um judeu.
Sem justificativa para o racismo
Do ponto de vista de Rachel Elior, essas são afirmações perigosas, que devem ser proibidas. Ela é professora da Universidade Hebraica de Jerusalém e especialista em judaismo. "Há, entre nós, círculos que querem negar o fato de que os palestinos são pessoas assim como nós", disse ela em entrevista de rádio. "Muitos, infelizmente, pensam que somos um povo sagrado, e que os não judeus podem ser definidos como impuros e dignos de morrer."
Os rabinos se baseiam em textos judaicos antigos e tradicionais", observa Elior. "Mas isso não legitima o racismo que eles propagam". Ela lembrou que o povo judeu tem mais de três mil anos de história, e que sua memória coletiva é influenciada por textos que, em parte, surgiram em épocas em que os judeus viviam como uma minoria perseguida, em meio a outros povos. "Muitas fontes escritas têm três mil anos de existência", ressalta Elior. "Claro que há nelas muitas crenças que não são mais aceitáveis. Assim como hoje não há mais escravos, embora haja leis religiosas que o permitam, não se deve permitir declarações racistas que se baseiam nessas fontes", argumenta a especialista.
Clube de futebol de extrema-direita
Mas não apenas nos círculos religiosos as ideias radicais de direita são encontradas. O clube de futebol Beitar Jerusalem é um ponto de encontro extremistas de direita e racistas, que não fazem segredo de suas opiniões anti-islâmicas. Isso ficou claro quando o clube contratou, no ano passado, dois jogadores muçulmanos vindos da Chechênia. Integrantes da torcida organizada ultranacionalista La Familia vaiaram os jogadores. Quando o seu grito de guerra "morte aos árabes" é ouvido no estádio, ninguém reagiu. Os supostos assassinos do jovem Mohammed Abu Khder também pertenceriam a essa torcida.
Rassismo no Parlamento
Comentários racistas e de extrema direita também fazem parte do cotidiano do Parlamento israelense, o Knesset. A deputada Miri Regev, de 49 anos, pertencente ao Likud, diz abertamente ser adepta do fascismo. Sua marca registrada é tentar humilhar com gritos pessoas que têm uma opinião diferente da dela. Ex-porta-voz do Exército, ela quer excluir do Knesset os partidos árabes, que chama de "quinta coluna".
E ela não está sozinha. Seu companheiro de partido Danny Danon chamou os deputados árabes de "terroristas mascarados", e outro colega de partido, Ofir Akunis, declarou que a Cisjordânia deve pertencer somente ao povo judeu e que os palestinos não têm direito algum àquele lugar.
A deputada Ayelet Shaked, do partido Ha Bayit Hajehudi, que significa casa judaica, não fica atrás de seus colegas no Likud. Recentemente, ela escreveu em sua página no Facebook que Israel não está travando uma guerra contra terroristas, mas uma guerra contra o povo palestino. Segundo ela, os palestinos devem ser considerados, na sua totalidade, como "um inimigo cujo sangue deve ser derramado".
Tais pontos de vista há muito tempo não são ditos pela minoria em Israel e se tornaram aceitáveis socialmente. A margem direita de Israel avançou para o meio do Knesset e para o centro da sociedade.