MATIAS SPEKTOR
OLUNISTA DA FOLHA
Duas visões opostas dominam o debate brasileiro a respeito dos BRICS: ora o grupo é apresentado como força progressista para equilibrar o poder mundial, ora como aliança constrangedora, devido à exclusão social e ao autoritarismo de seus membros mais fortes.
Essa clivagem é boa porque permite ao público refletir sobre as opções da política externa brasileira.
O problema é que joga debaixo do tapete algumas verdades importantes.
1. Os mecanismos financeiros que os BRICS negociam em Fortaleza não rompem com FMI e Banco Mundial nem representam uma alternativa à ciranda do capitalismo.
Pelo contrário, os cinco países (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) manifestam extrema cautela porque dependem do sistema existente.
Entre a retórica reformista e a realidade, a orientação dos BRICS passa longe de qualquer desafio sério ao ordenamento estabelecido.
2. Os cinco governos dos BRICS utilizam a sigla com propósitos diferentes.
Putin mostra à opinião pública russa que seu governo não está isolado. Os chineses provam que ainda são um país do Sul, não uma potência arrogante do Ocidente.
Zuma usa a sigla como escudo contra quem o acusa de afundar a África do Sul, dilapidando o prestígio internacional acumulado por Mandela antes dele.
Dilma faz do grupo uma prova de que seu governo não se "ajoelha" diante dos países mais poderosos, como supostamente faria o tucanato. Modi, o novo premiê indiano, recém-chegado ao grupo, ainda mostrará sua narrativa, mas ela será talhada para o consumo interno.
3. O clube Brics convive com enorme hierarquia.
A China tem mais poder que os outros membros e a Rússia não se enxerga como emergente. A Índia se vê uma categoria acima do Brasil; África do Sul, uma abaixo.
Ao contrário do que ocorre no clube dos mais ricos (G7), onde o clima é solto, o ambiente dos Brics é rígido, formal e ensaiado. Há pouco espaço para o improviso ou a intimidade, o que dificulta a criação de uma identidade comum.
4. Para a política externa brasileira, o grupo BRICS tem 1.001 utilidades.
Um dos principais benefícios diz respeito à China, país do qual somos cada vez mais dependentes. Como ainda não temos canais que nos permitam exercer algum tipo de influência em Pequim, os encontros do grupo oferecem a oportunidade rara de vocalizar demandas junto à liderança chinesa.
Por esses motivos, vale guardar distância da retórica de quem enxerga no grupo o bem ou o mal.
Vale também lembrar que nossos governantes sempre definem sua política externa de olho no próximo ciclo eleitoral e submetem qualquer iniciativa internacional a esse ditame.
Na atual conjuntura, com Dilma, Aécio ou Campos, a tendência é mais investimento brasileiro na transformação da sigla em coalizão.