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Forças Armadas – Entre a defesa e o ataque, em busca de uma postura para o futuro


Entre a defesa e o ataque: as FFAA brasileiras
em busca de uma postura para o futuro

 

Roberto Lopes
robertojlopes@hotmail.com

Jornalista especializado em assuntos militares.
Em 2000 graduou-se em Gestão e Planejamento de Defesa
no Colégio de Estudos de Defesa Hemisférica
da Universidade de Defesa Nacional dos Estados Unidos, em Washington.
Autor de vários livros, em 2001 lançou, em Washington, a monografia
“Oportunidades para Civis na Condução dos Assuntos
da Defesa Nacional: o Caso do Brasil”.

 
Sessenta e seis meses depois de o governo ter aprovado a Estratégia Nacional de Defesa, o dispositivo militar brasileiro ainda se divide entre iniciativas de inegável importância estratégica – como a elevação do status de sua flotilha de submarinos leves ao patamar de uma moderna força de ataque formada por navios convencionais e nucleares –, e programas emergenciais aptos a não mais do que amenizar as graves deficiências desse escudo protetor, como a recente (e tardia) seleção e aquisição (?) de 36 aeronaves de caça suecas – que só poderão ser considerados disponíveis em um prazo muito dilatado, superior a dez anos.

As vulnerabilidades brasileiras no setor são notórias, e sob alguns aspectos até constrangedoras, se considerarmos que desde os anos de 1990 Brasília vem postulando um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Dono de uma das dez maiores economias do planeta, e de reservas significativas de petróleo, urânio, nióbio e manganês – valiosas para qualquer desenvolvimento tecnológico –, o Brasil só agora começou a implantar uma rede de vigilância eletrônica nas suas fronteiras terrestres, constituída de sensores fixos e móveis, o monitoramento por meio de VANTs (veículos aéreos não tripulados), e a organização de destacamentos (frações de tropa) de pronta resposta.

Apesar de ter sob sua jurisdição uma extensão marítima imensa, que oculta riquezas minerais (óleo e nódulos polimetálicos) e da fauna do Atlântico Sul, Brasília optou – erradamente – por não possuir uma guarda costeira. E, nesse capítulo das deficiências, é preciso dizer: mesmo o sistema de varredura do espaço aéreo, apesar de contar com boa cobertura radárica (de poucos pontos cegos), dispõe de meios de interceptação ainda insuficientes – até mesmo para coibir o tráfego de aeronaves desarmadas, que se deslocam a baixas altitudes para contrabandear drogas e armas.

Defasagem

Há um nítido descompasso na preparação das Forças Singulares.

A Marinha trabalha para receber, dentro de mais nove ou dez anos, o seu primeiro submarino nuclear (dos seis que estão previstos), mas é improvável que, nesse espaço de tempo, a Força Aérea consiga impulsionar o seu programa espacial, no sentido de garantir ao arsenal brasileiro, no futuro, mísseis de alcance intermediário, na casa dos 1.500 km.

A pesquisa de vetores movidos a propelente líquido (mais potente), indispensável à obtenção de armas balísticas, ainda caminha muito lentamente no país, assim como o esforço para dar às Forças Armadas um satélite militar de observação e de comunicações.

O submarino nuclear, o míssil intercontinental e o satélite de reconhecimento confeririam ao Brasil a condição de potência bélica – realidade que, hoje, parece ainda longínqua.

No plano internacional, apesar de requisitado de forma crescente pelas Nações Unidas, o governo só dispõe de uma capacidade muito limitada de intervir militarmente em situações de crise.

O empenho de forças nacionais na missão de imposição da paz (ou de “estabilização”, como a ONU prefere chamar) no Haiti, que já dura mais de nove anos, transformou-se rapidamente numa tarefa puramente policial – o que, no jargão militar, significa dizer experiência em teatro de operações de “baixa intensidade”. Houve, entretanto, um ganho inegável para as Forças Armadas. A necessidade de renovar os contingentes e o abastecimento de suprimentos a mais de 5.500 km de distância do Rio de Janeiro demandou, do Ministério da Defesa, o estabelecimento de uma rotina logística que, desde a 2ª Guerra Mundial, ainda não havia sido exigida às três Forças, e hoje é gerenciada com relativa tranquilidade.

Teste muito mais rigoroso terá início na virada de 2014 para 2015, quando um batalhão de infantaria do Brasil será transportado para o sul do Líbano – palco de conflito permanente entre extremistas árabes e as forças de defesa de Israel.

Nesse cenário tempestuoso do Oriente Médio, a simples obrigação de manter um navio de bom porte no litoral do Líbano, para a repressão ao tráfego naval suspeito de alimentar o terrorismo na região, vem impondo à esquadra brasileira sacrifício enorme, que recai sempre sobre as mesmas cinco fragatas classe Niterói – únicos barcos disponíveis com as características (de sensores, armamento e reconhecimento aéreo) requeridas pela ONU.

Uma nova exigência, apresentada por nações amigas da África Ocidental, no sentido de que o Brasil disponibilize um navio de guerra para integrar o grupo-tarefa multinacional incumbido do patrulhamento anti-pirataria no Golfo da Guiné, é visto com cautela no Ministério da Defesa, em função do gasto que tal participação irá requerer.

A Aeronáutica tem capacidade ainda menor de atuar no plano internacional.

Suas 43 aeronaves A-1 (AMX), de ataque ao solo, são comparáveis aos modelos que os italianos empregaram na guerra do Kosovo, na década de 1990, mas boa parte dos sistemas de navegação e de combate dos aviões brasileiros está ultrapassada. A modernização dessa frota só começou no ano passado, e a duras penas devido aos cortes orçamentários, estando, nesse momento, temporariamente paralisada.

Fragilidades

Os 36 supersônicos Gripen NG em processo de aquisição à indústria sueca são, obviamente, apenas um primeiro remendo no aparato que deve assegurar a inviolabilidade dos céus brasileiros. O território nacional exigiria um número de caças ao menos quatro vezes maior.

Além disso, o Comando da Aeronáutica não dispõe de esquadrões de ataque de longo alcance – antigamente enquadrados pelo binômio “aviação estratégica”. O país, por suas dimensões, comportaria ao menos duas dessas unidades. E a carência que esse dado representa não se cinge à defesa interna. A falta de uma aviação apta a realizar missões a longas distâncias reduz a praticamente zero, a chance de o elemento de combate da FAB vir a ser aproveitado (sob mandato da ONU) em cenários do exterior.

Outros serviços da Força Aérea – como o patrulhamento costeiro, o transporte e o de busca e salvamento – são igualmente atendidos por núcleos muito pequenos de aviões. Grupamentos que, dentro de certas restrições, servem para:

a – manter a qualificação dos pilotos, e,
b – atender atividades críticas, como a ligação aérea na Amazônia ou o patrulhamento de determinadas áreas marítimas (especialmente no saliente nordestino).

No fim da década de 1990, como forma de suprir as lacunas da defesa aérea e manter o elã de seus jovens pilotos de combate, a FAB optou por classificar o monomotor de ataque leve ao solo A-29 Super Tucano como aeronave de caça. Mas a verdade é que, sob certas circunstâncias, os Tucanos exibem dificuldades até mesmo para interceptar os voos ilícitos que empregam jatos de tipo executivo. 

Como a FAB, também o Exército brasileiro ainda lida com a recuperação de suas capacidades básicas, o que pode ser observado pelo investimento na família de blindados sobre rodas Guarani – programa indispensável à conversão dos seus batalhões motorizados em unidades mecanizadas.

A Força Terrestre vem, acertadamente, priorizando a preparação das suas tropas de elite – de operações especiais e de paraquedistas –, e hoje já possui alguma capacidade de levar a cabo missões de infiltração e exfiltração, controladas à distância (do tipo daquela que atacou o esconderijo de Osama Bin Laden no Paquistão). Tais deslocamentos, normalmente feitos em helicópteros e à noite, exigem recursos tecnológicos sofisticados, além de muito treinamento.

Na América do Sul, a força mais bem adestrada no emprego de tropas helitransportadas é o Exército da Colômbia, empenhado há décadas em uma sangrenta guerra de guerrilha.

Mercê do apoio da indústria nacional, os generais brasileiros também investem em artilharia de foguetes e em mísseis. O poder de choque da corporação está, contudo, circunscrito a carros de combate e obuseiros autopropulsados que datam do início da década de 1980… Nesse momento, o Exército prepara-se para gastar cerca de US$ 400 milhões na aquisição e modernização de obuseiros AP M-109 e modernização de algumas centenas de viaturas  M-113.

A artilharia antiaérea (que vem sendo alvo de reformulação) é pequena e carece de padronização. A aviação do Exército necessita de unidades para atender suas tropas no Nordeste e no extremo sul do país, e só muito cautelosamente o Estado-Maior do Exército (EME) e o Comando de Operações Terrestres (COTER) fazem avançar as providências que resultarão na importação de aeronaves de asa fixa para seu corpo aéreo.    

Superação

As Forças Armadas brasileiras precisaram esperar longos 63 anos para superar, em definitivo, os preceitos operacionais e as concepções estratégicas herdados de sua experiência na 2ª Guerra Mundial.

A Marinha, por exemplo, passou quase quatro décadas submetida ao conceito americano de trainning navy – isto é, de uma força naval que necessitava dispor apenas de umas poucas embarcações para o adestramento do seu pessoal. Segundo esse raciocínio, chegada a hora de uma emergência, caberia aos Estados Unidos fornecer os navios que a marujada brasileira iria tripular. Tudo em perfeita sintonia com o espírito de cooperação interamericano da metade inicial da década de 1940, mas já perfeitamente anacrônico e inexeqüível nos anos de 1970.

A Aeronáutica mantinha aeródromos voltados para o Oceano Atlântico – herança da preocupação com os submarinos alemães, na metade inicial dos anos de 1940 –, e só agora executa um plano consistente de reposicionamento das suas bases e unidades aéreas com vistas à segurança das fronteiras terrestres do país. Nele se destaca o arco de defesa da Amazônia Ocidental, conformado pelo eixo São Gabriel da Cachoeira-Eirunepé-Vilhena, além do projeto de criação da base aérea do Amapá e o de ampliação do aquartelamento do Campo de Provas Brigadeiro Velloso, no sul do Pará.

Por seu efetivo numeroso distribuído em dezenas de quartéis, o Exército é, tradicionalmente, a corporação militar menos ágil em promover mudanças orgânicas.

Entretanto, desde 2010 a Força Terrestre vem providenciando modificações importantes, como a fusão de unidades no sul do país – que dissolveu uma estrutura antiquada –, a transferência da Brigada Paraquedista para a região centro-oeste – o que permite a intervenção dessa organização de elite de maneira mais rápida e eficiente –, e a criação de uma brigada no território amapaense, indispensável à proteção da fronteira brasileira com a Guiana Francesa.

Conclusão

É preciso, contudo, enfatizar: nenhuma dessas providências terá sentido, caso o governo brasileiro – aí incluído o Legislativo Federal – não consiga definir qual o tipo de atuação deseja para as suas Forças Armadas.

A Era Fernando Henrique Cardoso apresentou ao concerto das nações um país candidato a ocupar vaga fixa no Conselho de Segurança, mas incapaz de cooperar com as missões de imposição da Paz convocadas pela ONU – paradoxo que logo enfraqueceu a postulação brasileira.

O período 2007/2010 apontou para um Brasil Potência à la Lula, de forte investimento nas Forças Armadas sob a justificativa de que era necessário proteger riquezas naturais como o pré-sal.

Sem apetite para os assuntos da inserção do Brasil no ecúmeno, a administração Dilma Roussef vem, contudo, tentando reverter a prioridade definida pelo PT lulista, como se os vários planos de alta relevância definidos pela Estratégia Nacional de Defesa pudessem ser descontinuados pelo simples estratagema do contingenciamento de verbas e dos cortes orçamentários.

São contrários ao investimento continuado na modernização das Forças Armadas os ministros Paulo Bernardo, das Comunicações (que consolidou essa posição enquanto chefiava a Pasta do Planejamento), a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

O mais provável é que, cedo ou tarde, esses colaboradores da presidenta acabem por descobrir que militares trabalham dentro de regras bem definidas, e as que se encontram em vigor na caserna são as ditadas pela Estratégia Nacional de Defesa, promulgada na gestão do chefe supremo dos petistas.

O trem militar pode, de fato, ser atrasado pela tesoura da área econômica – ou do próprio Palácio do Planalto –, mas talvez já não se disponha mais a obedecer uma ordem para parar.

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