Visitando cidades atingidas pelo conflito do leste da Ucrânia, o repórter da BBC Daniel Sandford encontrou casas destruídas, ruas desertas e escassez de comida. Partes da região já vivem uma guerra de baixa intensidade, avalia o repórter, que pode desembocar em uma crise humanitária. Os confrontos fazem vítimas dos dois lados, não obstante esforços diplomáticos para a paz.
Leia o relato do repórter Daniel Sandford.
Quando passamos pelo último posto de identificação rebelde, controlado por homens armados leais ao auto-declarado Povo Republicano de Luhansk, eles nos advertiram que as forças ucranianas à frente estavam um pouco "nervosas".
Mas isso não nos preparou para o que encontraríamos em Makarove.
À medida que nos dirigíamos para a pequena cidade, a cerca de meia hora na estrada principal que liga Luhansk à fronteira com a Rússia, o movimento de carros diminuía. A partir dali, seguimos sós.
Quando passamos a cidade, encontramos os destroços do que teria sido claramente uma batalha pesada.
O posto de gasolina estava destruído. Outros edifícios foram seriamente danificados. Havia crateras na estrada.
Havia uma barreira entre o fim da cidade e o início da floresta. Não era um posto de verificação que os veículos pudessem cruzar, mas um muro de concreto. Atrás dele, estavam soldados leais ao governo ucraniano e veículos blindados.
Os moradores nos disseram que as bombas vinham de trás dessas linhas.
Completamente destruída
Paralelamente à estrada principal havia uma estrada empoeirada e lá vimos duas pequenas casas completamente destruídas. Os moradores nos disseram que pelo menos duas pessoas morreram.
Os combates em Makarove não foram muito divulgados, mas um homem que anda pelas ruas, estranhamente vazias, nos disse que começaram há uma semana.
"Isso está acontecendo desde sexta-feira", disse. "Antes disso, havia trocas de tiros, mas nada nesta escala".
"E está acontecendo todos os dias. Você pode ver o estrago, há grandes buracos nos edifícios. Estamos com muito medo de nos aproximar do posto de checagem da Ucrânia".
Como as forças do governo ucraniano tentam manter os rebeldes afastados das linhas de abastecimento na fronteira com a Rússia, uma guerra está se formando.
Na volta para Luhansk, descobrimos que a estrada principal estava bloqueada em outro ponto. Desta vez, era uma ação dos rebeldes.
Enquanto estávamos em Makarove, eles tinham explodido uma passarela, que caiu sobre a rodovia. Isso obrigou todo o tráfego da estrada principal a ser desviado para uma pequena ponte controlada pelos rebeldes.
Eles fazem planos de como se defender caso as forças do governo ucraniano tentem avançar sobre Luhansk.
'Artilharia pesada'
Em outra estrada ao norte da cidade, perto de Metalist, também ocorreram confrontos violentos. É o mesmo lugar onde foram mortos dois jornalistas de TV russos nesta semana.
No controle de um posto no alto da colina que desce até Metalist, encontramos Igor.
Com 24 anos, ele decidiu empunhar as armas contra o governo em Kiev convencido de que se trata de fascistas que odeiam a língua russa.
De rosto jovem, cabelos loiros e olhos azuis, Igor empunhava um rifle automático sobre o peito. Ele costumava trabalhar nas minas, mas agora se comporta como um soldado.
"Vamos defender a nossa cidade até o último homem. Não vamos deixá-los se aproximar nem um metro", disse.
"O exército ucraniano é fascista, não há outra palavra para descrevê-lo. Eles estão nos atacando com artilharia pesada, veículos blindados e bombas de fragmentação."
"Eles não conseguiram avançar. Ainda estão no mesmo lugar."
Guerra de baixa intensidade
A disputa pode, lentamente, gerar uma crise humanitária. Cidades estão ficando sem água e eletricidade, e em alguns casos, sem alimentos.
A Cruz Vermelha Alemã está enviando macas e suprimentos médicos e teme que o conflito se agrave.
Em um dormitório temporário em Donetsk, encontramos Alyona Slastina, de 47 anos, sentada em uma cama de solteiro com dois sacos contendo seus objetos pessoais.
Depois de semanas de ataque à Sloviansk ela decidiu deixar a cidade. Mas muitos continuam lá.
"Ainda há muita gente em Sloviansk. Eles não têm telefone, água nem eletricidade", conta entre lágrimas. "A única coisa que tem no mercado é maionese".
"Eles dizem que não vão abandonar a cidade. Não deviam estar morrendo lá", diz Alyona. "Eles deviam sair. Não fizeram nada contra ninguém."
Quando fomos a Sloviansk, vimos um pouco de comida nos supermercados e as pessoas podiam cruzar os postos de controle de ônibus.
Mas, no meio do dia, as ruas ficavam desertas e os moradores espreitavam o movimento pelas janelas quebradas dos apartamentos.
Este conflito no leste da Ucrânia não começou de uma hora para outra: tem se arrastado lentamente. Em alguns lugares, já existe uma guerra de baixa intensidade.
O número de mortos está na casa das centenas. Se a paz não ocorrer, em breve esse número pode subir para os milhares.
Não há ainda uma crise humanitária na região de Donetsk e Luhansk – mas ela pode não estar longe.