– Em 2001, a Argentina decretou moratória. A dívida do país, de cerca de 100 bilhões de dólares, era impagável. A decisão abalou a confiança dos investidores internacionais e afastou as empresas estrangeiras, dificultando a obtenção de empréstimos internacionais. Em 2005 e 2010, o país conseguiu renegociar 93% da dívida.
As novas condições envolviam a perda de cerca de 70% do valor de face dos títulos e o parcelamento da dívida em 30 anos. Porém investidores contrários à renegociação entraram com ações em tribunais internacionais.
– Credores como a Aurelius Capital Management e a NML Capital, do multimilionário Paul Singer, designados pelo governo argentino como "fundos abutres", entraram na Justiça dos EUA para exigir o pagamento integral da dívida. Em 2012, o juiz federal de Nova York, Thomas Griesa, deliberou que a Argentina cumprisse suas obrigações com os fundos, antes mesmo de efetuar o pagamento das parcelas renegociadas em 2005 e 2010.
A Argentina recorreu e, em agosto de 2013, o Tribunal de Apelações de Nova York ratificou a sentença da primeira instância, condenando a ré a pagar aos fundos de risco a dívida referente à moratória de 2001. A Argentina recorreu, então, à Suprema Corte dos Estados Unidos.
– Em decisão final, a Suprema Corte dos EUA rejeitou na segunda-feira (16/06) um recurso do país contra o pagamento de 1,3 bilhão de dólares em títulos públicos dos "fundos abutres". A intervenção da Justiça americana nas contas da Argentina se deve ao fato de os EUA terem sido escolhidos como jurisdição para os bônus lançados após a renegociação da dívida, e, também, por o pagamento ser realizado por bancos americanos.
– A decisão da Suprema Corte americana abre um precedente perigoso para a Argentina. Se ela acatar o veredicto e realizar o pagamento aos "fundos abutres", outros fundos que não aceitaram a renegociação poderiam imediatamente cobrar mais de 15 bilhões de dólares do país. Esse valor corresponde a mais da metade das reservas internacionais argentinas, atualmente de 28 bilhões de dólares. A situação da já debilitada economia argentina ficaria ainda mais complicada, caso outros credores que aceitaram a renegociação também apelem à Justiça, exigindo o valor de face dos títulos, mais os juros.
– O ministro da Economia da Argentina, Axel Kicillof, anunciou na terça-feira (17/06) que o país vai propor uma troca de dívida reestruturada– que exclui os "fundos abutres" – para cumprir seus compromissos de pagamento no país, e não nos Estados Unidos. Com a manobra, a Argentina coloca os títulos da dívida sob jurisdição nacional, e evita o congelamento ou a apreensão de seus ativos – como os pagamentos destinados aos credores que aceitaram a renegociação da dívida após a moratória de 2001. O ministro Kicillof não descartou enviar advogados para pedir esclarecimentos ao juiz Thomas Griesa.
– A manobra, porém, não parece ser tão simples de ser colocada em prática. O governo argentino necessita da adesão de 85% dos credores – a chamada "maioria qualificada" – para alterar o local de pagamento dos títulos da dívida pública. É pouco provável que a maioria dos fundos de investimentos americanos colabore, pois sua participação na estratégia argentina poderia ser considerada uma afronta à Justiça dos EUA.
– "É natural que o governo argentino busque não apenas o redesenho jurídico de sua relação com os credores, de modo a inseri-la no arcabouço legal de seu país, como também redenominar as dívidas para que sejam saudadas na moeda argentina, e não no dólar norte-americano. Ambas possibilidades, no entanto, são pouco factíveis e, portanto, fazem parte sobretudo da estratégia de apresentação do problema à opinião pública", opina Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia (EUA) e professor do Ibmec/RJ.