FAB, o martelo para curtas distâncias
Roberto Lopes
Jornalista especializado em assuntos militares.
Em 2000 graduou-se em Gestão e Planejamento de Defesa
no Colégio de Estudos de Defesa Hemisférica
da Universidade de Defesa Nacional dos Estados Unidos, em Washington.
Em abril de 2012 lançou o livro “O Código das Profundezas,
Coragem, Patriotismo e Fracasso a bordo dos Submarinos
Argentinos nas Malvinas” (Ed. Civilização Brasileira).
Em 2015 vai se completar, na Força Aérea Brasileira, o 40º aniversário de um esquecimento.
Foi efetivamente em 1975, que a aviação de combate brasileira, inebriada pela chegada dos novos vetores de caça – Mirage III e F-5F –, começou a deixar de lado a “aviação estratégica” (ou “de bombardeio”, como se dizia nos idos de 1940) – hoje mais conhecida como “aviação de longo alcance” –, constituída por aeronaves caracterizadas por sua grande autonomia e pesado armamento.
Quinze anos mais tarde, a oficialidade que se debruçava sobre as histórias do Strategic Air Command (Comando Aéreo Estratégico) americano recebeu um alento, diante dos prognósticos otimistas acerca dos préstimos da aeronave AMX – de construção ítalo-brasileira –, rebatizada na FAB de A-1.
Mas esse pequeno caça-bombardeiro reconhecedor, subsônico e projetado para transportar um mix considerável de bombas e mísseis, logo foi devorado pela angústia que se instalara na cúpula da Aeronáutica, diante do envelhecimento dos caças Mirage e F-5F, e da falta de recursos para que eles fossem modernizados.
Para muitos oficiais, a saída de emergência era adaptar o A-1, avião típico de ataque ao solo (ainda que não pudesse ser considerado, nem de longe, um vetor estratégico), às tarefas próprias de um jato interceptador.
Antes de deixar o Ministério da Aeronáutica, em 1990, o tenente-brigadeiro-do-ar Octávio Julio Moreira Lima chegou a confidenciar, em tom de lamentação, com o engenheiro Ozires Silva, fundador da EMBRAER, que “estavam querendo transformar o AMX em uma árvore de Natal” – tal a quantidade de penduricalhos (eletrônicos e explosivos) propostos para que o avião pudesse ocupar o seu lugar na Defesa Aérea do país.
Quis o destino que, pouco depois, o emprego do AMX pela Força Aérea Italiana em conflitos étnicos irrompidos na Europa Central, consagrasse os predicados de uma aeronave que só podia ser mesmo classificada como um bom jato de reconhecimento e, sobretudo, como um excelente bombardeador em penetrações a baixa altitude.
A FAB absorveu o aprendizado dos pilotos italianos, o prestígio do A-1 como aparelho de ataque ao solo cresceu, mas a verdade é que a “aviação estratégica” nunca conseguiu atenção nos programas de reequipamento da Força Aérea. Até porque, os pilotos do A-1 se esmeravam em obter marcas no limite das suas possibilidades – técnicas e físicas –, como forma de reafirmar o potencial da aeronave.
Assim, a 22 de agosto de 2003, dois desses aparelhos decolaram da Base Aérea de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul, e fizeram um voo até Natal, no Rio Grande do Norte, estendendo essa incursão até o Amapá, no extremo setentrional do país, em um percurso que incluiu simulações de ataque e navegação à baixa altura. Reabastecidos em voo, os aviões percorreram 6.700 km em 10 horas e 5 minutos, uma prova de sua capacidade de cobrir todo o país e atingir alvos distantes (ver matéria Capacidade Estratégica Comprovada Link).
O AMX foi o elemento de introdução de uma “força estratégica” na FAB. Não pode ser tomado como um fim em si mesmo.
O próximo passo deve ser um jato biposto de longo alcance. Essa capacidade é indispensável às missões de penetração ofensiva perto do solo e em qualquer tempo, que se desenvolvam em cenários com defesas de alta densidade.
Aeronaves como o A-1 podem realizar de 70 a 80% das tarefas ofensivas que se impõem. As mais difíceis e cansativas precisam de aparelhos mais robustos, velozes e sofisticados – uma equação que a geração do F-15E Strike Eagle conseguiu introduzir.
No monoposto o piloto se sobrecarrega com as operações e corre o risco de, sobre o objetivo a ser atacado, não se desempenhar a contento. O advento do F-15E mostrou o segundo tripulante concentrado na operação dos sistemas de armas, enquanto seu colega da tripulação cuidava apenas da navegação. Em 1991, na chamada 1ª Guerra do Golfo, pilotos franceses também relataram um cansaço extremo em voos de longa duração.
Sem querer promover a polêmica, é preciso dizer que, no Brasil, apenas os caçadores nunca precisaram fazer exibições no limite da exaustão para se manterem – soberanos – no “controle da situação” dentro da Força Aérea.
E não é só a aviação de longo alcance que vem precisando esperar.
A Aeronáutica também manteve sua pesquisa de foguetes em segundo plano, para que a Aviação de Caça pudesse prosperar. Experiências com propelentes líquidos, que já deveriam ter sido priorizadas desde o fim da década de 1970, só agora – com 40 anos de atraso! – foram impulsionadas com decisão.
O resultado é que o Brasil, que dentro de mais nove anos começará a testar um submarino de propulsão nuclear, estará, nesse prazo, ainda a anos-luz de poder exibir uma força de mísseis balísticos de alcance (pelo menos) intermediário.
Mísseis balísticos são um luxo ao alcance apenas das grandes potências?
Não é verdade.
As Forças Armadas da Arábia Saudita estão investindo pesadamente na sua força de mísseis balísticos – construída com o apoio da China e sob o olhar impotente dos Estados Unidos –; a Coreia do Sul desenvolve a sua própria família de vetores balísticos.
É claro que os cenários estratégicos onde sauditas e sul-coreanos precisarão atuar são completamente diferentes da pacífica América do Sul. Mas a verdade é que nada justifica a incúria com a defesa das potencialidades brasileiras em petróleo, urânio, nióbio e outras riquezas, e com a preparação para o país para atuar sob mandato das Nações Unidas. Não é dessa maneira que se alcança um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, e a verdade é que esse lugar está tão perto dos representantes diplomáticos de Brasília quanto a FAB dos mísseis balísticos.
Seria, contudo, errado, deduzir que, durante as últimas duas décadas, a FAB tenha estado virtualmente paralisada. Não esteve, e isso é fácil de verificar.
A partir de 1995 a Aeronáutica deu início a programas restauradores de algumas de suas capacidades básicas que haviam descido ao fundo do poço:
a) o investimento em uma moderna aeronave de patrulha marítima;
b) o firme amparo ao projeto de um jato cargueiro de construção nacional;
(c) a renovação do inventário de unidades de transporte por meio da aquisição de aeronaves modernas (C-295) e modernizadas (C-130), e,
d) a formação de uma unidade de asas rotativas com capacidade de atacar alvos terrestres.
Além disso, a aviação militar – como todas as demais Forças – voltou-se para as fronteiras terrestres do Brasil, criando bases aéreas e remanejando unidades.
Mas o fato é que pela “aviação estratégica” nada foi feito, e agora se fala em usar o caça Gripen NG como o substituto do A-1, em algum momento próximo ao horizonte de 2025.
Quer dizer, vamos repisar o erro do passado: por falta de recursos recorreremos a uma aeronave nova, desenvolvida para um tipo específico de missão (no caso do Gripen, interceptação), na esperança de que ela cumpra, de forma improvisada mas segura, uma outra finalidade.
O Gripen representa o instrumento de um outro mundo da guerra aérea. Um mundo ao qual os pilotos brasileiros estão sendo apresentados agora , mas, obviamente, não é a panacéia para todos os males.
Na cabine do caça sueco, a mais de 30 km do alvo, o piloto consegue ver na tela a aeronave que deve abater. Um dos radares da aeronave possui um zoom que permite ao tripulante identificar pessoas caminhando na rua, ou uma edificação que deva ser atacada, estando seu avião a 10 mil metros de altitude (!). São, todas essas, informações impressionantes, mas é preciso não esquecer: o Gripen foi projetado para, idealmente, operar a distâncias de até 700-800 km de sua base.
No mundo real das exigências de emprego da Arma Aérea isso é muito pouco.
Entre os dias 12 e 24 de maio, caças F-18F Super Hornet do 1º Esquadrão da Real Força Aérea Real Australiana, sediados na base aérea de Amberley – próxima a Brisbane, na costa oriental australiana –, realizaram o exercício de ataque de longo alcance Stoneage, levando ao campo de tiro de Woomera, a 1.600 km de distância, o seu arsenal de armas guiadas.
Espremida pelas vicissitudes econômicas, a Era Juiniti Saito preteriu a aviação de longo alcance, em um país de dimensões continentais. A falta de dinheiro explica, sem dúvida, a ausência de ação nesse sentido, mas não justifica.
Menos mal que se está, agora, providenciando três aeronaves reabastecedoras de grande porte (Boeing KC767) (nota DefesaNet Até o momento a empresa IAI não recebeu o downpayment que oficializa e concretiza a aquisição). Mas é constrangedor que o Comando da Aeronáutica esteja fazendo isso quando – pela escassez de recursos (sempre ela) – a sua capacidade de cumprir missões REVO e de transporte de soldados a grandes distâncias já tenha caído a zero – pela desativação dos Boeing KC-137, que mal ou bem, atendiam tais necessidades, mas tiveram de ser retirados de serviço por obsolescência e risco às tripulações. (ver matéria Aposentadoria de uma Aeronave Excepcional Link)
Não se pode dizer que o governo federal tenha abandonado completamente a Força Aérea.
A definição do projeto F-X2 (ainda que tardia) e o apoio aos programas mencionados alguns parágrafos acima são a prova de que esse desprezo não se materializou. Entretanto, não é menos verdade que o excessivo espírito público demonstrado pelos brigadeiros, e sua compreensão exagerada acerca das limitações do governo para se comprometer com o desfecho do projeto F-X2, colaboraram para que a Aeronáutica perdesse tempo demais aguardando decisões e medidas de caráter executivo.
Essa rotina vem se repetindo, e a modernização dos jatos de ataque A-1 está completamente atrasada. A FAB já deveria ter recebido nove aeronaves modernizadas, e se encontra, hoje, em vias de testar apenas a terceira delas.
Nota DefesaNet – O programa de Modernização dos A-1M está em suspenso pelo atraso nos repasses de verbas. Situação que está afetando a EMBRAER Defesa & Segurança assim como a cadeia de fornecedores participando do programa.
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