EXCLUSIVO: Buenos Aires se prepara
para escalar crise no Atlântico Sul
Roberto Lopes
Robertojlopes@hotmail.com
Jornalista especializado em assuntos militares.
Em 2000 graduou-se em Gestão e Planejamento de Defesa
no Colégio de Estudos de Defesa Hemisférica
da Universidade de Defesa Nacional dos Estados Unidos, em Washington.
Em abril de 2012 lançou o livro “O Código das Profundezas,
Coragem, Patriotismo e Fracasso a bordo dos Submarinos
Argentinos nas Malvinas” (Ed. Civilização Brasileira).
A Armada argentina está negociando discretamente a aquisição de quatro super-rebocadores civis tipo Anchor Handling Supply Vessel UT-734, de 69 metros de comprimento e 2.650 toneladas de deslocamento, construídos na Polônia durante a metade final da década de 1980.
Oficialmente, os navios estão sendo comprados – a um custo total estimado em US$ 50 milhões – para substituir os velhos rebocadores americanos do tempo da 2ª Guerra Mundial, que os militares argentinos classificam de Avisos e usam para fazer o patrulhamento de suas águas austrais, do Estreito de Magalhães e das áreas marítimas próximas ao pólo sul.
Mas DefesaNet apurou que essas embarcações foram projetadas para manobrar e posicionar plataformas petrolíferas em alto-mar, o que as habilita a participar de missões de interceptação e captura das plataformas petrolíferas que estiverem se deslocando rumo ao arquipélago das Malvinas, em desafio à resolução do governo de Buenos Aires de impedir a exploração, pelos britânicos, do óleo existente no subsolo marinho contíguo ao território insular.
Ao menos uma companhia do Reino Unido e outra dos Estados Unidos anunciaram sua disposição de iniciar a exploração do petróleo malvinense em 2015. O primeiro campo a ser explorado será, possivelmente, o de Sea Lion, ao norte das ilhas.
O anúncio oficial feito pelo Ministério da Defesa argentino, de que as embarcações polonesas servirão apenas às missões de patrulhamento, apoio logístico e salvaguarda da vida humana no mar nas vizinhanças do litoral sul da Argentina, suscita muitas dúvidas. Os barcos não são artilhados, não dispõem de compartimentos para o acolhimento de náufragos ou vítimas de desastres naturais, e sequer dispõem de convés de vôo para helicópteros, o que ajudaria nas missões de evacuação aeromédica.
O navio tipo UT-734 é uma evolução da famosa classe UT-704 (também conhecida como classe Granit), construída no estaleiro polonês Szczecin no início da década de 1980. Muitos UT-704 foram convertidos à tarefa específica de combate a incêndios em plataformas de petróleo.
O 734 foi concebido para movimentar as plataformas. Ele tem ponte de comando em ângulo, o que permite visão panorâmica em 360º (tipo torre de controle de aeroporto). O barco alcança uma velocidade de 15 nós, e graças à sua forte automação pode ser operado por uma tripulação de apenas 27 homens. Os navios que os argentinos estão adquirindo têm casco reforçado para enfrentar ambientes polares. Eles foram construídos originalmente para uma empresa russa.
Até agora, os navios e aeronaves das Forças Armadas argentinas possuíam apenas a capacidade de plotar o deslocamento das plataformas e embarcações de apoio incumbidas de alcançar as Malvinas. Agora, com os super-rebocadores, o governo Cristina Kirchner fica apto também a rebocá-las para o território continental argentino.
Ano passado o governo de Buenos Aires comunicou por carta a mais de uma centena de empresas petrolíferas ao redor do mundo, que não permitirá a exploração do petróleo malvinense, já que considera a presença inglesa no arquipélago como uma usurpação de sua soberania.
A comunidade marítima internacional não ignora as advertências das autoridades argentinas.
Ano passado, diante da tensão entre Londres e Buenos Aires, os comandantes de dois grandes navios de cruzeiro que se encontravam em águas espanholas prontos para levar centenas de turistas às Malvinas foram instruídos a cancelar os preparativos para a viagem.
O curioso é que a notícia da compra dos super-rebocadores aparece apenas algumas semanas depois de Buenos Aires ter convidado um navio-oceanográfico canadense para participar das pesquisas científicas do programa Pampa Azul, de investigação das potencialidades biológicas e econômicas de áreas marítimas próximas ao litoral argentino.
O governo canadense consultou o de Londres para saber se poderia ceder sua embarcação para o trabalho em conjunto com os argentinos, e obteve resposta afirmativa. Na comunidade diplomática internacional essa parceria vem sendo vista como um pequeno gesto de aproximação entre Buenos Aires e Londres na arena do Atlântico Sul. O interesse britânico no petróleo malvinense é, contudo, um importante complicador para a paz na região.
Em março, um enviado do Foreign Office (Ministério do Exterior britânico) entrevistou-se com várias autoridades da equipe do presidente uruguaio José Mujica, com o objetivo de obter uma autorização para que aeronaves de passageiros procedentes da Inglaterra possam fazer uma escala técnica em Montevidéu, a caminho de Port Stanley, a capital britânica das Ilhas Falklands – que é como os ingleses chamam as Malvinas. Os uruguaios mostraram-se receptivos à ideia – pela qual receberiam uma compensação comercial da ordem de US$ 300 milhões anuais –, mas ainda não formalizaram seu “de acordo”.
A novidade dos super-rebocadores poloneses preocupa autoridades militares e diplomáticas brasileiras, porque é óbvio que, diante da ameaça argentina, os ingleses não permitirão que as embarcações de exploração petrolífera sigam para as Malvinas sem uma escolta militar.
A perspectiva de um agravamento das tensões no Atlântico Sul fere o prescrito pela Resolução 41/11 da Assembleia Geraldas Nações Unidas, que aprovou a criação de uma Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), conforme a proposta feita pelo Ministério das Relações do Brasil em 1986 – época em que os governos José Sarney e Ricardo Alfonsín trabalhavam pela distensão internacional na região.
A ZOPACAS tem o objetivo de evitar a proliferação de armas nucleares e desencorajar a presença militar de países externos à organização, mas a verdade é que nunca pareceu impeditivo para que tanto o Reino Unido como a Argentina redobrassem seus esforços de exercer o domínio militar nas rotas de acesso às Malvinas.
Incorporados à Frota de Mar, os super-rebocadores poloneses serão as maiores unidades desse tipo a servir em uma Marinha latino-americana. Os principais rebocadores de alto-mar da Marinha do Brasil – dois navios (de origem também civil) classe Almirante Guilhem –, são dez anos mais antigos que as unidades polonesas e não deslocam, a plena carga, mais do que 2.400 toneladas.
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