Nota DefesaNet
Texto publicado originalmente em 05 Abril 2014.
Republicado agora nos 51 Anos da Revoilução de 1964
O editor
Cel R1 Péricles da Cunha
Uma república dominada por sindicalistas pelegos somente não foi instalada em 1964 por duas razões: falta de um líder carismático e a pronta reação das Forças Armadas.
Passados 50 anos constatamos que uma república dominada por sindicalistas já foi instalada no país por duas razões: a existência de um líder carismático (único gerado pelo regime militar) e a omissão dos militares. A mesma república sindicalista, porém com uma corrupção muito mais refinada, suportada por uma sólida aliança com o grande capital e garantida por uma base eleitoral mantida pelos cofres públicos.
Onde foi que erramos, a ponto de termos transformado em frustrações os sonhos de um jovem tenente que chegava à tropa, juntamente com 356 companheiros, pensando em ajudar a construir um Brasil melhor?
Uma visão retrospectiva mostra que a intervenção que os militares fizeram em 64 foi para garantir que os interesses superiores da nação não fossem sobrepostos pelos interesses escusos de governantes que estavam na iminência de assumir graves compromissos à revelia da nação, pretendendo interpretar despoticamente o interesse nacional que, no contexto de uma democracia, deve corresponder essencialmente ao interesse real da população, e não aos interesses de grupos dominantes, que não atenda necessariamente às aspirações e interesses legítimos dos diferentes estratos da sociedade.
E o interesse dos grupos governantes apontava para a instalação de uma república sindicalista que, como um câncer, espalharia metástases por todo o Estado e a sociedade, para controlar aquele e subjugar esta. O rumo desta república sindicalista seria dado pela resultante da conjugação de forças que transformariam o Brasil em algo parecido com a república bolivariana em que Chávez transformou a Venezuela.
Reconhecemos que o interesse nacional não pode ser definido como construção intelectual de um grupo, mas, também, que na conjuntura que vivíamos nos anos 60, o Brasil era dividido (como ainda é hoje) em uma maioria desorganizada e uma minoria organizada, onde se conjugam grupos de interesse, entre os quais as Forças Armadas, o grupo que, reconhecidamente, não só é o que mais reflete o perfil da nação como o que tem a consciência mais nítida do que corresponde aos interesses permanentes da nação, aqueles que constituem o núcleo irredutível do conceito de interesse nacional: a sobrevivência nacional, a integridade territorial, a independência, a autodeterminação e a segurança nacionais,o bem-estar da população, a defesa da identidade cultural, a preservação dos valores nacionais, etc.
Óbvio que erramos, mas onde foi que erramos, a ponto de transformar sonhos em frustrações?
Erramos porque não tivemos a coragem de fazer a intervenção que a situação exigia e que a sociedade imaginava que fizéssemos. É nossa a responsabilidade porque a sociedade nos deu a oportunidade de corrigir o rumo e desperdiçamos quem sabe, a melhor oportunidade para que nos transformássemos na grande nação com que sonhávamos.
Não vislumbramos a complexidade do problema. Preocupamo-nos somente com o que víamos do iceberg, a Guerra Fria e seus reflexos internos. E não nos preparamos para enfrentar a sua parte submersa, imensamente maior. Não preparamos lideranças à altura dos desafios, gente capaz de praticar uma política de nação, de penetrar no imaginário e nas expectativas das pessoas para delas extrair a síntese das suas aspirações. Contemporizamos com uma política cheia de vícios simplesmente para manter uma caricatura de democracia. Deixamos hibernando uma corrupção que agora ameaça a própria existência do Estado com escândalos e roubalheiras por todos os lados.
Em vez da necessária cirurgia, uma envergonhada intervenção que se traduziu na entrega da Economia para o liberalismo econômico de economistas liderados por Eugênio Gudin, a Política para os velhos caciques políticos, inclusos os mais retrógrados e corruptos coronéis políticos do Norte e Nordeste, reservando para os militares a tarefa de garantir, através do autoritarismo, que estas áreas operassem sem qualquer contestação e a missão de enfrentar a subversão. Não fomos capazes de visualizar a trajetória da sociedade brasileira para preparar o seu futuro.
A criação daquela nação que todos sonhávamos passava obrigatoriamente pela definição de um projeto nacional forjado pela participação organizada de todos os brasileiros, o que somente seria alcançado através de uma profunda reforma estrutural que permitisse, no longo prazo, a criação de um potencial cívico capaz de gerar um projeto de nação forjado por todos os brasileiros, ou seja, a consolidação de um pleno e autossustentado estado democrático.
Para que não fossem mais necessárias intervenções como a de 64 era necessário sermos duros para mudar o rumo de variáveis importantes para o desenvolvimento social. Nosso erro foi usar mal a força que nos autorizaram empregar que se resumiu a um autoritarismo político que foi mais usado para manter um arremedo de democracia –que hoje todos chamam de ditadura- e que faltou para as reformas estruturais que estão atrasando o nosso desenvolvimento.
Autoritarismo político que serviu para a construção de um bolo que acabou sendo servido somente às elites, mas que não foi usado para ocupar de forma ordenada a Amazônia, para impor o projeto Calha Norte como prioritário para a segurança nacional o que teria edificado a nossa tranquilidade naquela imensa fronteira amazônica e para estabelecer uma política para a população indígena norteada por Rondon e não por antropólogos comandados por interesses estrangeiros. Omissões que provocam sérias ameaças à integridade nacional.
Autoritarismo político que não foi usado para criar uma política do cidadão que começasse com um planejamento familiar baseado na paternidade responsável – essencial para a interrupção no curto prazo do processo de geração de miséria- e que continuasse com a criação de um sistema nacional de saúde pública e de educação, para transformar, em uma geração, o brasileiro em um cidadão, capaz de forjar o tão necessário projeto nacional.
Autoritarismo político que faltou para enfrentar a oligarquia dominante e dar mais ousadia na implementação do excelente Estatuto da Terra que certamente transformaria o Brasil no celeiro do mundo e teria desarmado essa bomba chamada MST que mais prejuízos e frustrações causou do que encaminhar uma moderna reforma agrária. Faltou ousadia para decretar índices de produção para as terras agricultáveis, sobre os quais seriam cobrados os tributos, o imposto da terra, fixo, de acordo com o potencial estabelecido, o que premiaria os produtivos e inviabilizaria a posse de terras improdutivas. As terras privadas seriam respeitadas sendo, ao longo do tempo e sem conflitos, consolidadas as produtivas e sendo dilapidadas, pelos impostos, as improdutivas. As terras públicas continuariam públicas e arrendadas pelo pagamento do Imposto da Terra. O Estado ficaria com o papel de indutor da produção primária. Teríamos feito uma inédita revolução agrícola com uma revisão fundiária que, sem violência, corrigiria injustiças do passado. Teríamos tirado, daqueles que só visam à agitação social, a sua maior bandeira, Teríamos dado um exemplo para o mundo e nos tornado o celeiro do planeta, mas fomos incapazes de dobrar os latifundiários que dominavam a ARENA dos grotões, de onde vinham os votos para suplantar os que os grandes centros despejavam no MDB. Teríamos reduzido os efeitos do desordenado êxodo rural e a criação de bolsões de miséria nos grandes centros, origem de uma série de problemas dos quais, o maior, foi a sua transformação em cidadelas do tráfico que se transformaram em um pesadelo para a sociedade.
Faltaram autoritarismo e grandeza política para quebrar a espinha dorsal da corrupção e criar as bases do verdadeiro federalismo, invertendo o fluxo dos recursos públicos e declarando o município como o único arrecadador de impostos e centro da geração da cidadania e da administração das coisas públicas. O município como único arrecadador de tributos e pagador de um tributo federal e outro estadual, para custear os respectivos orçamentos. Esta inversão feriria de morte a corrupção endêmica que desvia uma parcela razoável dos orçamentos público e criaria as bases para o domínio público da respública, sonho desde os tempos da Ágora de Atenas.
Faltaram autoritarismo e grandeza política, também, para facilitar o surgimento de uma geração de líderes, capaz de dirigir essa grande nação. Ao contrário, forjaram um bando de eunucos que navegam pela bússola dos interesses daqueles que os financiam ou que os garantem no poder. Faltam-nos líderes em todas as áreas. Este, um dos maiores erros estratégicos dos militares.
Faltou autoritarismo político para fazer uma profunda reforma na máquina estatal, para extirpar dela o vírus da corrupção, para criar um Estado moderno, operado por agentes públicos capacitados e preocupados unicamente com o bem público. Para demonstrar “austeridade democrática”, cortamos na própria carne e deixamos correr solto o resto, permitindo que se criassem e se enraizassem as distorções absurdas em todos os níveis na administração pública que inviabilizam uma reforma séria na máquina estatal. A tal “cota de sacrifício” que nos impusemos, nos condenou a ser os primos pobres da República com a agravante de não podermos reclamar, pois fomos nós mesmos os autores. Em vez de criar, logo no início, uma política única de remuneração para os servidores públicos com um escalonamento vertical único para todos os três poderes, autarquias e estatais, executando as “cirurgias necessárias” nos direitos adquiridos, permitiram que se consolidasse um absurdo desalinhamento que acabou sendo sacramentado com a CF/1988.
Faltou autoritarismo e a visão de estadista para fazer uma revolução na saúde pública e na educação de base, sabidamente áreas básicas para qualquer projeto de nação e cuja implementação exige muita energia e determinação. Perdemos tempo com MOBRAL e batendo boca com estudante universitário enquanto devíamos ter focado nosso esforço para interromper o processo de geração de miséria.
Passados cinquenta anos reconhecemos que cicatrizes ficaram, mas também reconhecemos que sem 64 o Brasil seria, hoje, mais do que uma grande Cuba, seria uma União Soviética porque contagiaria toda a América Latina. Basta ver os amores daqueles que foram por nós contidos em 64 e que hoje nos governam.
O que aconteceu no regime militar foi uma guerra suja que, se descontextualizada, nada mais é do que uma sucessão de atrocidades, como toda guerra. Omissões -e mesmo fraquezas- dos chefes militares permitiram que aqueles duros tempos fossem reduzidos a um golpe de militares insuflados pelos Estados Unidos para reprimir inocentes patriotas que só queriam implantar no Brasil uma democracia quando a realidade é bem outra, pois tratava-se de gente treinada e suportada pela União Soviética e seus satélites -que cometeram os mesmos ou até mais desatinos que agora acusam os militares- com um objetivo bem claro: transformar o Brasil em uma grande Cuba.
Esta a visão retrospectiva de um tenente de 64 que sonhou, se frustrou, mas que nunca perdeu a esperança de ver a nação pacificada para que juntos construamos um Brasil melhor.