No comando do navio de apoio oceanográfico Ary Rongel, o capitão-de-mar-e-guerra Sérgio Lucas conclui a última viagem logística da temporada de operações brasileiras na Antártica, um continente ainda desconhecido, porém de importância estratégica para o Brasil.
Em entrevista exclusiva à AFP, o comandante fala sobre sua experiência ao navegar em condições tão diferentes das encontradas no Brasil e explica que, além da relevância científica, estar presente na Antártica também garante a defesa dos interesses do País no continente gelado.
AFP: Quais são os principais desafios de comandar um navio como o Ary Rongel?
Comte. Sérgio Lucas: Digamos que os principais desafios acabam correspondendo à característica peculiar de operar numa região completamente diferente de outro espaço marítimo próximo ao Brasil. Isso acaba afetando as decisões que são tomadas aqui a bordo do navio, numa área que basicamente opera em meio de gelo e neve, de águas muito geladas, de ventos muito fortes. Ou seja, são características bem diferentes daquelas que encontramos nas águas tropicais do Brasil.
AFP: Quais experiências positivas e negativas o senhor destacaria no comando deste navio?
Comte. Sérgio Lucas: Eu diria que a experiência positiva é o ambiente. Aqui tem uma paisagem belíssima que encanta qualquer um, sobretudo os brasileiros, que estão acostumados a outro tipo de paisagem. Avistar seres marinhos que a gente não costuma ver, livres no mar, como baleias, focas e leões marinhos, também faz parte do lado positivo. O fator negativo está nas condições adversas, na característica inóspita da região – o frio, o vento, ter que trabalhar em conveses abertos sob essas condições de temperatura.
A preocupação com a segurança cresce muito quando a gente tem que se preocupar com a mudança de tempo, que pode acontecer às vezes em minutos e pegar a gente de surpresa. É uma preocupação que acaba fazendo parte de uma rotina que nos mantêm sempre atentos. Voltando ao aspecto positivo, é a satisfação, a honra de poder servir à Marinha, servir ao País, representar a Marinha em uma área tão distante, ainda tão desconhecida.
AFP: Nas boas-vindas aos jornalistas a bordo do Ary Rongel, o senhor falou da importância de a sociedade brasileira conhecer o trabalho feito na Antártica na defesa dos interesses brasileiros neste novo continente de recursos naturais ainda inestimáveis e inexplorados. O senhor poderia falar um pouco mais sobre isso?
Comte. Sérgio Lucas: O Programa Antártico Brasileiro (n.r: Proantar) é um programa abrangente, abarca vários ministérios do nosso governo e o Ary Rongel é apenas uma pequena peça do comando da Marinha que executa algumas tarefas desse programa no meio antártico. Sobretudo, a tarefa do Ary Rongel aqui é de apoio logístico à estação brasileira Comandante Ferraz e também aos projetos de pesquisa que são lançados em diferentes pontos da região. Isso traz consigo toda uma aspiração que o Brasil tem de se fazer presente no continente antártico, que ainda não tem dono.
Alguns países têm seus interesses na região e o Brasil também tem seus interesses. Então, essa presença aqui é, por si só, muito importante. A presença física do Brasil por intermédio de sua estação, de seus pesquisadores, e também dos dois navios que vêm aqui todo ano [além do Ary Rongel, outro navio da Marinha, o Almirante Maximiano, apoia as operações do Proantar] mostram todo esse interesse que o país tem na Antártica.
O Brasil, pelos resultados que tem apresentado em termos de pesquisas, já está sendo colocado em igualdade de condições com qualquer outro que está aqui há mais tempo na Antártica. Há muita coisa ainda a ser descoberta neste continente que a Humanidade desconhece. Estar na linha de frente dessa presença é muito importante para o país, sem dúvida, sobretudo porque é um continente que tem muita influência natural, pelas massas de ar, pela proximidade, enfim, por toda influência que o continente antártico projeta sobre o continente sul-americano e também sobre o Brasil.
AFP: O Protocolo de Madri [emenda ambiental ao Tratado Antártico] proíbe a exploração de recursos naturais com fins comerciais no subsolo do continente antártico até os anos 2040, quando o documento deve ser revisto. É importante o Brasil se posicionar na Antártica para ter um poder decisório sobre o futuro do continente?
Comte. Sérgio Lucas: Sim, o Brasil já tem essa voz ativa. Faz muito tempo que o Brasil faz parte deste programa e os resultados que se apresentam em termos de pesquisa colocam o país com maior firmeza ainda no Tratado Antártico. No futuro, haverá outras rodadas de negociações com os países pertencentes ao tratado e, logicamente, o futuro do continente vai ser decidido nesse fórum. Será muito importante para o Brasil ter uma voz ativa nesse grupo sobre os destinos desse continente que possam vir a interferir ou influenciar o nosso país.
Navio de apoio oceanográfico brasileiro Ary Rongel
O navio de apoio oceanográfico Ary Rongel foi construído em 1981 no estaleiro George Eide's Sonner, na Noruega, e incorporado em 1994 à Marinha brasileira, que o adquiriu por US$ 17,5 milhões.
Tem como missão básica apoiar os programas de ciências da Atmosfera, ciências da Terra, ciências de vida e de logística inscritos no Programa Antártico Brasileiro (Proantar).
Há 20 anos participa de operações com o Proantar (Operantar). Com 82 tripulantes, acomoda até 105 pessoas, deixando espaço para 23 civis (pesquisadores, jornalistas, outros militares, etc).
A embarcação, de 75,20 metros de comprimento por 13 de largura, possui 6 conveses (andares). Alcança velocidade de cruzeiro de 12 nós (cerca de 24 km/hora) e máxima de 13,5 nós (27 km/h).
Embora não seja um "quebra-gelo", tem casco reforçado que lhe permite navegar por campos de gelo fragmentado de até 80 centímetros de espessura.
Possui um tanque com capacidade para armazenar 1,038 milhão de litros de combustível, o que lhe permite ter autonomia para mais de 30 dias de navegação.
Tem 2 porões com capacidade para 1.110 metros cúbicos de carga e tanques para armazenar 112 mil litros d'água. O navio também dessaliniza água do mar, mantendo contínuo o estoque de água doce a bordo.
O lixo é separado e o orgânico é queimado em um incinerador, pois nada pode ser deixado na Antártica. Desde o ano passado a embarcação conta com uma Unidade de Tratamento de Águas Servidas (Utas).
O "gigante vermelho", como é carinhosamente chamado pelos tripulantes, conta ainda com dois laboratórios (um avante e outro a ré), guinchos oceanográfico e hidrológico, lavanderia, enfermaria, consultório odontológico, academia, praça d'armas (sala de convivência) com TV, videogame, jogos, karaokê.