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Na Crimeia, China sai ganhando

GEOFF DYER
FOREIGN POLICY

O termo embaraçoso não chega a descrevê-lo. Toda vez que cobram do governo chinês uma opinião sobre a intervenção russa na Ucrânia, Pequim cai em formulações tortuosas. No dia 2, após tropas russas começarem a se espalhar pela Crimeia,o chanceler chinês observou: "Há uma boa razão para os eventos na Ucrânia terem evoluído para esse ponto".

No dia 3, Liu Jieyi, representante permanente da China na ONU, disse: "Há razões para a situação na Ucrânia estar como está". No fim da semana, enquanto o Conselho de Segurança da ONU votava a moção sobre a Ucrânia, o porta-voz da chancelaria chinesa, Qin Gang, declarou: "Há razões para a situação atual na Ucrânia".

Isso está claro, então. Não é difícil compreender por que a China se sente numa saia-justa sobre a Ucrânia. A Rússia respondeu à queda de seu aliado Viktor Yanukovich e ao novo governo pró-Ocidente exercendo controle militar sobre a Crimeia. Um dos princípios da política externa chinesa é a não interferência nos assuntos internos de outros países, o que lhe garante uma barreira contra a intromissão externa em seus próprios assuntos e uma maneira de pairar acima de questões mais problemáticas sem se envolver em disputas políticas confusas ou novas responsabilidades.

A China também é alérgica amovimentos separatistas. Se a Crimeia puder votar pela independência, por que não o Tibete? China e Rússia podem ter se estranhado no final da Guerra Fria – e só terem resolvido suas próprias e tensas questões de fronteiras em 2008 – mas, há muito, as nações concordam na questão da soberania. Na última década, Rússia e China se uniram com frequência na ONU para impedir que intrusos ocidentais se envolvessem em crises internas de países menores.

Nos anos 2000, quando a China defendia o Sudão contra críticas ocidentais sobre Darfur, a Rússia ofereceu cobertura. Nos últimos três anos, a China apoiou a Rússia para impedir que a ONU pressionasse o regime de Bashar Assad, na Síria. Mesmo assim, hoje, o parceiro habitual da China na defesa da inviolabilidade da soberania é o mesmo país cujas tropas estão controlando a Crimeia.

Uma crise prolongada na Ucrânia poderia ser ruim para a economia global, especialmente se houver uma troca de sanções entre Rússia e Ocidente, justamente quando a economia chinesa está desacelerando. Não admira que as respostas da China tenham sido tão tortuosas. Mas, por trás de equívocos e considerações diplomáticas, há várias maneiras pelas quais a crise ucraniana pode favorecer a China.

Aproximação. Para os EUA, um dos grandes riscos de longo prazo é que a Ucrânia acabe aproximando ainda mais de Rússia e China –uma mudança geopolítica que teria impacto duradouro. Sentindo pressão na Ásia nos últimos dois anos, Pequim vem buscando ansiosamente novos apoios políticos.

A primeira viagem ao exterior que o presidente Xi Jinping fez depois de assumirem 2013 foi a Moscou. E, desde que voltou à presidência, há quase dois anos, Vladimir Putin tem se entendido cordialmente com a China – enquanto exibe sua posição anti-Ocidente. Em outubro, os dois países assinaram um grande número de acordos energéticos. Além dos laços comerciais crescentes, as duas nações acreditam que desgastar a base do poder americano serve seus interesses.

Uma das prioridades geopolíticas de longo prazo de Washington deveria ser criar uma barreira entre Moscou e Pequim para impedir relações mais intensas. No entanto, a campanha de Barack Obama para isolar econômica e diplomaticamente a Rússia quase certamente convidaria Putin a buscar apoio político em Pequim. Dmitri Simes, presidente do Center for the National Interest, com sede em Washington, chegou a prever que a crise da Ucrânia poderia levar China e Rússia a firmar um acordo de segurança.

Num nível mais mundano, a crise da Ucrânia significa também que Obama terá quase certamente menos tempo para dedicar ao seu principal objetivo na Ásia – enfrentar a ascensão da China. Após muito estardalhaço no lançamento da estratégia, em 2011, incluindo o anúncio de Obama de que os EUA "estão no Pacífico para ficar", muitas críticas surgem na região, acusando o governo americano de estar distraído pelo incêndio que tenta apagar no Oriente Médio.

O secretário de Estado John Kerry viajou cinco vezes à Ásia desde que assumiu, em fevereiro de 2013, mas fez mais do que o dobro de viagens ao Oriente Médio no mesmo período. O cancelamento da viagem de Obama à Ásia,emoutubro,motivadapela paralisação do governo americano, foium gol contra. Durante meses, os chineses disseram aos seus vizinhos que os duvidosos EUA estavam de novo perdendo o interesse pela região.

Interesses. Nas semanas que antecederam a intervenção russa na Crimeia, Washington tentou fortalecer seu jogo na Ásia antes de um giro de Obama, em abril, por Japão, Coreia do Sul, Malásia e Filipinas. Em fevereiro, Danny Russel, subsecretário de Estado para o Leste da Ásia, disse que a China "havia criado incerteza, insegurança e instabilidade na região" com seu comportamento noMar do Sul da China.

Se a Rússia anexar a Crimeia e não pagar um alto preço, alguns na China interpretarão isso como um sinal verde para endurecer as pretensões territoriais chinesas. Se Putin pode desafiar o Ocidente, o que impediria a China? Não há nada de inevitável sobre uma aliança sino-russa mais estreita. À medida que a influência chinesa crescer, a Rússia verá Pequim como parceiro, mas também como rival.

A incursão de Putin na Crimeia é movida por seu desejo de proteger a influência russa no oeste, ameaçada pela Europa. No entanto, o presidente russo também pretende manter a influência na Ásia Central, onde a China é uma antiga desafiante. Nos últimos cinco anos, a presença chinesa nessa região aumentou dramaticamente como produto de acordos energéticos enormes e apoio financeiro.

Em visita ao Casaquistão – que também integra a União Eurasiana de Putin–, em setembro, Xi inaugurou um gasoduto de fornecimento para a China, formalizou um investimento chinês de US$5 bilhões no projeto e assinou acordos comerciais no valor de US$ 30 bilhões. O flanco sudeste da Rússia é tão vulnerável como o oeste.

A Rússia também se preocupa com a migração chinesa para aSibéria oriental e as intenções chinesas no norte do Pacífico e no Ártico. Mesmo enquanto Moscou e Pequim estreitavam relações nos dois últimos anos, a Rússia vinha melhorando também seus laços com o Japão – e os dois países vêm mantendo negociações sigilosas sobre ilhas no Oceano Pacífico que Tóquio e Pequim disputam.

As dinâmicas de poder de China e Rússia também são muito diferentes. As ambições da China são de uma grande potência em ascensão. A tomada da Crimeia mostra um líder tentando manter na Ucrânia uma influência que está rapidamente se esvaindo. A última coisa que Putin desejaria é sero segundo violino de Xi.

No geral, porém, a situação parece promissora para Pequim. Mesmo que o impasse na Ucrânia seja resolvido com relativa rapidez e as relações americanas com a Rússia não se deteriorem por completo, Obama agora gastará muito mais tempo concentrado na Europa, tentando melhorar a relação com a Alemanha e tranquilizando aliados na Europa Oriental que se sentiram negligenciados.

Washington afirmará que vai administrar todas essas questões, mas a atenção de alto nível com a Ásia diminuirá. A política americana para a China sofrerá em razão da Ucrânia – e isso, entre outras coisas, é um ponto positivo para a China, mesmo que não pareça pela maneira como o país se expressa sobre a crise.

TRADUÇÃO: CELSO PACIORNIK

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