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Ação antiespionagem gera conflito no governo

Fábio Brandt e Rafael Bitencourt

Um decreto publicado pelo governo brasileiro em resposta às ações de espionagem dos Estados Unidos no Brasil traz à tona desavenças entre a Presidência da República e setores da inteligência. Funcionários do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão da Presidência que funciona dentro do Palácio do Planalto e coordena ações de proteção à presidente Dilma Rousseff, reclamam por terem sido excluídos da elaboração da medida, apesar do conteúdo vinculado à segurança nacional. O resultado, acusam, é um texto com falhas técnicas e inútil para o combate à espionagem.
 

As críticas aparecem num contexto de desavença entre Dilma e o chefe do GSI, o general José Elito Carvalho Siqueira, do Exército. Exemplo do descrédito que o Gabinete de Segurança Institucional tem com Dilma é o órgão conviver, desde o início do atual governo, com uma eventual saída do Planalto. Circula no entorno da presidente a ideia de desvincular o GSI da Presidência e colocá-lo fora do Palácio. Depois, é incerto o que acontecerá. Uma das propostas apoiadas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão subordinado ao GSI, é desmilitarizar a inteligência -a agência estaria descontente com a forma como os militares conduzem o setor.
 

O decreto que expôs essa intriga tem o número 8.135. Foi publicado no dia 5 de novembro no "Diário Oficial da União". É assinado por Dilma e pelos ministros Paulo Bernardo (Comunicações), Miriam Belchior (Planejamento) e Celso Amorim (Defesa). A medida obriga a administração federal a repassar a gestão de seus dados e e-mails para outros órgãos e empresas públicas especializados em serviços de informática. Para cumprir a nova regra, será necessário até mesmo romper contratos já existentes com a iniciativa privada.
 

Parte da inteligência manifesta descontentamento com o ímpeto de Dilma de editar medidas relacionadas ao escândalo de espionagem para faturar em popularidade. Pesquisas mostram que essa fórmula deu certo. Dilma reverteu parte da queda de aprovação que sofreu durante o período das manifestações de rua.
 

O GSI reclama que a pressa de Dilma em responder à crise está combinada com a vontade do ministro Paulo Bernardo de exercer influência sobre a guarda de dados do governo. Enquanto isso, dizem, fica em segundo plano o da inteligência contra a espionagem.
 

O desenrolar do atrito com os EUA mostrou uma participação tímida da pasta da Defesa, de Celso Amorim. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, só teve suas atribuições mais bem definidas após ser declarado como interlocutor oficial do Executivo com o Congresso para o projeto do Marco Civil da Internet. Até então, Bernardo ocupava informalmente esse espaço. Deputados ouvidos pelo Valor atribuem a ele a autoria do trecho do marco civil que obriga empresas a manterem dados de internautas armazenados em solo brasileiro, outra medida anunciada como reação à espionagem.
 

O GSI põe em dúvida a eficácia do decreto. Fontes consultadas pelo Valor afirmam que a guarda de dados por órgãos públicos não significa maior proteção às informações. Os militares avaliam que pode haver comprometimento dos dados, caso as comunicações fiquem sob a responsabilidade de empresas de economia mista, como a Telebrás, ou órgãos públicos que usem mão de obra terceirizada ou consultores externos, como o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).
 

O que se diz no GSI é que o governo favorece o surgimento de um "novo Snowden", em referência a Edward Snowden, prestador de serviços que vazou dados secretos da NSA, sigla em inglês da Agência de Segurança Nacional dos EUA.
 

O Valor procurou a Presidência da República e os ministérios signatários do decreto para saber quais órgãos públicos devem se adequar às novas regras. O Ministério do Planejamento, incumbido de responder em nome de todos, disse que sim. "Em princípio todos os órgãos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional terão que aplicar as definições do decreto", respondeu a pasta por meio de sua assessoria. Isso incluiria, por exemplo, Forças Armadas, Polícia Federal, Abin e Receita Federal.
 

Segundo o Planejamento, alguns órgãos públicos poderão escapar da medida, mas não disse quais. "Deverão ser consideradas as peculiaridades das comunicações dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal", disse o ministério.
 

Em março de 2014, quando o prazo de 120 dias para adaptação ao decreto terminará, ficará mais claro, por exemplo, quais órgãos públicos precisarão cancelar contratos com empresas privadas ou extinguir serviços próprios de armazenamento de dados.
 

O Valor perguntou ao governo quantos contratos deverão ser rompidos e quais empresas serão afetadas, mas a resposta oficial não apresentou esses dados. No GSI, a avaliação é que produtos da Microsoft, como Windows e o Office, e da Google precisarão ser desinstalados de todas as máquinas da administração federal.
 

Sobre quais órgão estariam aptos a oferecer os serviços, o Planejamento incluiu numa lista "apenas exemplificativa" o Serpro, o Dataprev e a Telebrás. São, segundo o ministério, órgãos que "já possuem estrutura e usam os seus próprios serviços".

O coordenador-geral de gestão da segurança da informação do Serpro, Ulysses Machado, defende a confiabilidade de seus serviços. "O Serpro tem em sua vocação institucional o oferecimento de soluções de ponta para proteção de dados na comunicação, no trato e no armazenamento de dados de seus clientes. Temos como oferecê-las no estado da arte. Contudo, não significa a venda de uma 'invulnerabilidade absoluta', atributo que inexiste para qualquer dos participantes do cenário mundial", disse.

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