Uma das medidas previstas no entendimento histórico com o Grupo 5+1, alcançado em Genebra no fim de semana, prevê inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no Irã. E uma vez dada a permissão aos inspetores, dizem especialistas, fica quase impossível esconder totalmente a magnitude do controverso programa nuclear da República Islâmica.
Há uma série de indícios que sugerem as verdadeiras intenções de programas atômicos civis. Muitos aparecem em imagens de satélites, que podem indicar construções secretas; outros em dados sobre controle de exportação e análises de comércio de tecnologias importadas; há pistas até em artigos cientificados publicados por pesquisadores de um determinado país.
"Juntas essas informações resultam numa imagem", explica Klaus Mayer, químico do alemão Instituto de Transurânicos (ITU), baseado em Karlsruhe. "Os inspetores analisam, então, a quantidade de material nuclear e o enriquecimento, além das atividades nucleares."
O ITU analisa amostras enviadas pela AIEA e pela Comunidade Europeia de Energia Atômica (Euratom). Se um país tem um programa nuclear militar não declarado, a instituição tem grandes chances de encontrar os vestígios. "Avaliando as características do material e os processos declarados, é possível perceber se eles são consistentes e se combinam", diz Mayer.
As intenções são descobertas, sobretudo, com amostras de substâncias. O material nuclear para utilização militar é produzido de duas maneiras. Uma delas é o enriquecimento do urânio em centrífugas especiais. Outra é a separação de plutônio do elemento combustível queimado em uma unidade de tratamento.
Ambos os métodos deixam vestígios, identificados através da análise de partículas dos reatores. Os inspetores podem, por meio de um aparelho portátil, medir a radiação do material nuclear no próprio local ou enviar amostras para o laboratório.
Análises altamente precisas
Os resultados de análise de laboratório são mais precisos. É possível, por exemplo, através de um espectrômetro de raios gama, determinar o enriquecimento do urânio com precisão de 1%. Já o espectrômetro de massa no laboratório, em Karlsruhe, chega a uma precisão de 0,1% ou até 0,05%.
Para determinar se um país está enriquecendo urânio para fins civis ou militares são feitas análises de partículas de poeira. "O enriquecimento pode ser detectado com precisão até mesmo em partículas que medem milésimo de milímetro. Uma ou duas delas já são suficientes em um mar de poeira", ressalta Mayer.
Um espectrômetro de massa por ionização secundária (Sims) identifica o nível de enriquecimento da amostra de urânio e, dependendo do grau verificado, a sua finalidade. O aparelho tem uma alta resolução e funciona também como um microscópio de íons. "Nós conseguimos fotografar partículas em superfícies", diz Magnus Hedberg, engenheiro do ITU.
Uma fotografia do aparelho mostra, por exemplo, partículas de urânio ou plutônio em escala nanométrica, onde também é possível diferenciar isótopos. Com esse método, uma quantidade mínima do material já é suficiente para uma análise precisa. "Em poucas horas podemos analisar centenas de milhares de partículas para encontrarmos as poucas de urânio que nos interessam", completa Hedberg.
Segundo Mayer, o processo é tão preciso que possibilita rastrear toda a história de uma unidade nuclear. "O material possui suas impressões digitais: a composição isotópica, a pureza e morfologia, ou seja, sua natureza e tamanho", afirma.
Pistas nas roupas de funcionários
Com essa imagem, os pesquisadores também podem tirar conclusões sobre os processos de produção. Por exemplo, a temperatura e reagentes químicos utilizados. O plutônio também revela em qual tipo de reator ele foi gerado.
Para conseguir essas amostras, os inspetores não precisam necessariamente pegá-las em laboratórios ou oficinas. "O material pode ser encontrado nas roupas dos funcionários, na cantina ou no escritório do diretor. Sempre serão encontradas assinaturas parecidas e o mesmo enriquecimento", explica Mayer.
O enriquecimento de urânio é, quase sempre, detectado apenas próximo às unidades. Mas a operação de uma usina de reprocessamento pode ser medida fora do país, pois ela libera criptônio e xenônio radioativos na atmosfera. Porém, sem as amostras, não há como saber se plutônio é purificado para o uso em armas nucleares.
"Como inspetor preciso sempre estar atento. A ausência de indícios não indica ausência de determinadas atividades", reforça Mayer. As verificações, afirma, têm que ser sempre críticas e contínuas, mas ao mesmo tempo "em parceria com o país que decide se submeter a ela".