SÍLVIO RIBAS
São Paulo e Brasília — Apesar da agilidade para iniciar e entregar projetos complexos, a “empreiteira” do Exército não está imune às regras das licitações públicas de infraestrutura e ao monitoramento dos órgãos de controle. As exigências feitas a governos e a empresas também devem ser seguidas pelos militares, que ainda são sondados pela sua própria auditoria. “É um mito achar que o nosso trabalho está livre de regras e punições”, pontua o general Joaquim Brandão, chefe do Departamento de Engenharia e Construção (DEC).
Em 2011, a Procuradoria-Geral da Justiça Militar abriu inquérito para apurar o envolvimento de oito generais com irregularidades encontradas em obras tocadas pelo Exército, no período de 2004 a 2009. “Respondemos a todos os questionamentos e nada foi confirmado”, informa Brandão, ressaltando que, “como qualquer instituição, as Forças Armadas são constituídas por seres humanos e, por isso, não são incorruptíveis”.
O general garante que os 12 batalhões de engenharia sob seu comando têm os trabalhos analisados pela chamada turma do U: Ministério Público da União (MPU), Advocacia-Geral da União (AGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU). “O único patrimônio do Exército é formado pelos seus membros, pois todos os bens sob sua jurisdição são da União”, ressalta. Servindo a “clientes” diversos, como a Infraero e a Secretaria Especial de Portos, o DEC também precisa firmar contratos com empresas cujas especialidades não lhe interessam dominar, como a geologia.
Para contribuir com os sistemas de controle, a Diretoria de Obras Militares (DOM) do Exército estabeleceu intercâmbio com o TCU, na perspectiva de uma futura obrigatoriedade da gestão digital de obras de infraestrutura, a exemplo de países europeus. Além da economia de papel e de tempo nas auditorias, a mudança facilitaria a fiscalização de projetos. “À medida que os agentes aprenderem a usar a informática para analisar por completo as obras, o seu foco evoluirá do simples gerenciamento de documentos à análise de processos”, explica o tenente-coronel Washington Lüke, diretor da DOM.
No meio empresarial, grandes multinacionais brasileiras também se espelham no trabalho do Exército para intensificar a gerência digital de projetos. “Usamos esse conhecimento em busca da redução de custos e de prazos em todas as fases da obra”, conta Walter Souza, diretor da Odebrecht Latinivest. Ele ressalta que a mesma tecnologia usada pelos estúdios de Hollywood, nos Estados Unidos, para criar cenários e personagens em animações digitais promete revolucionar a indústria e a engenharia civil.
“O Exército brasileiro é um caso interessante, exibindo custos de construção de estradas até 30% menores, graças ao controle do desperdício de tempo e de material”, opina o norte-americano Steve Blum, vice-presidente da Autodesk, empresa dona dos sistemas eletrônicos de engenharia. Ele também vê menor risco regulatório na adoção desses procedimentos.
Recursos novos
O advogado Bruno Pereira, coordenador do portal PPP Brasil, voltado à promoção da modalidade de contratações por parcerias público-privadas (PPPs) no país, observa que o Ministério da Defesa elaborou quatro projetos, sendo dois para o Exército e dois para a Marinha. Eles abrangem a logística de combustíveis no Tocantins e em Goiás, a construção de um colégio militar em Manaus, equipamentos de educação física e um empreendimento residencial no Rio de Janeiro, que pode abrigar redes de escolas e hospitais. “A vantagem do modelo está na receita, que vem toda do usuário. Além de cumprir a função constitucional, o Exército ganha ao manter a tropa pronta e treinada para qualquer situação”, destaca.
O economista Cláudio Roberto Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria e especialista em investimentos em projetos de infraestrutura, não vê problemas no fato de o governo delegar a militares a execução de obras, “desde que em caráter complementar às empresas privadas”. Outro cuidado que recomenda é para a presença do Exército no mercado da construção pesada não servir de barreira à entrada de outros agentes ou num fator de competição desigual.
Convite ao setor privado
Para garantir recursos aos seus próprios projetos, o Exército decidiu inovar neste ano ao propor uma parceria público-privada (PPP) destinada a concretizar a construção do seu polo de ciência e tecnologia em Guaratiba (RJ). Previsto desde a década de 1980, o centro voltado ao conhecimento em defesa requer R$ 1,5 bilhão de investimento para sair do papel. A proposta em avaliação pelo Ministério do Planejamento busca atrair grandes empresas para bancarem o complexo e explorarem serviços no local por 30 anos. Como atrativo, é oferecida uma circulação diária de 10 mil pessoas.
Frentes em MG e na BA
Pedro Rocha Franco
Luiz Ribeiro
Belo Horizonte e Montes Claros (MG) — Os batalhões de engenharia do Exército cumprem em tempos de paz convocações para várias frentes, muitas delas rejeitadas pela iniciativa privada. O Batalhão Mauá, sediado em Araguari, no Triângulo Mineiro, atua há cinco décadas no estado, onde entregou 20 obras de estradas, aeroportos, ferrovias e edificações. A unidade está encarregada atualmente da reforma do aeroporto de Caravelas (BA) — interditado pela Aeronáutica desde 2007 devido às más condições da pista — e da rodovia até o terminal.
Estratégicas para o turismo na região de Abrolhos e para o escoamento da produção agropecuária, essas obras enfrentam grandes desafios de projeto e sofrem com as constantes chuvas. A presença dos soldados nos canteiros incomoda executivos da construção pesada, que os apelidaram de empregados da “maior empreiteira do Brasil”. “As empresas só chiam quando têm interesse”, rebate o subtenente Marcelo do Nascimento, um dos responsáveis pelo projeto na Bahia.
A previsão é de que o aeroporto esteja pronto até dezembro. A próxima investida do batalhão será em 2014, na manutenção da BR-367, em Virgem da Lapa(MG), e na sua cidade sede, onde a prefeitura firmou convênio para construir estação de tratamento de esgoto, redes pluviais, calçadas, drenagem e asfaltamento de ruas. “Nossa economia será de 30% em relação a uma contratada do setor privado”, comemora o secretário municipal de Planejamento, Nilton Eduardo Castilho, lembrando que o Exército é dispensado de pagar os impostos e encargos sociais exigidos das empresas particulares.
Apoio na transposição
André Clemente
Recife — Obra fundamental para os objetivos eleitorais da presidente Dilma Rousseff no Nordeste, a transposição de águas do Rio São Francisco só avançou graças à mão amiga e eficaz do Exército, que impediu a paralisação total das obras. O Batalhão de Engenharia assumiu dois blocos do chamado Eixo Norte e uma parte do Eixo Leste, devidamente entregues. Apesar da prontidão militar, as construtoras licitadas não fizeram a sua parte e atrasaram a programação global.
Em 2011, quando estava prevista a conclusão do projeto, o Ministério da Integração registrou só 5% de progresso. Foi o pior desempenho desde o início efetivo, em maio de 2007, durante o governo Lula. O então ministro Fernando Bezerra Coelho garantiu que 2012 seria bem diferente, mas não houve sequer um balanço, com a desculpa de falhas contratuais e reabertura de licitações para agilizar os trabalhos. Em paralelo, os operários fardados davam conta do recado com o lema “devagar, mas andando”. Toda a contratação de empreiteiras só foi finalizada em setembro último.
O Exército terminou em junho de 2012 a primeira etapa de todo o empreendimento — o canal de aproximação, com dois quilômetros até o ponto de bombeamento, e a barragem Tucutu (PE), com 1.790 metros de extensão e 22 de altura, com capacidade de armazenar 25 bilhões de metros cúbicos de água.
O Eixo Norte vai beneficiar 7 milhões de pessoas nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. O canal de 140 quilômetros até o reservatório de Jati, no município pernambucano de Cabrobó, só deverá ser inaugurado em março de 2015. O projeto piloto contempla 20 quilômetros de canais, cujos testes de operação podem começar em abril do ano que vem.