Jamil Chade, correspondente em Genebra
GENEBRA – A Síria deu um passo importante na quinta-feira, 31, para desmantelar seu arsenal químico ao comunicar a eliminação de todo o seu poder de produzir e misturar essas armas proibidas. Inspetores internacional confirmaram o avanço, alcançado um dia antes do prazo estipulado pelo Conselho de Segurança da ONU.
Diplomatas alertaram que o trabalho mais complicado começa agora, quando as equipes da Organização para Proibição de Armas Químicas (Opaq) devem começar a destruir as armas em posse do regime de Bashar Assad – cerca de 1.200 toneladas de agentes. O trabalho dos inspetores será feito em meio a uma sangrenta guerra civil em praticamente toda a Síria. A entidade terá até meados de 2014 para "zerar" os estoques sírios.
"Ter de destruir mil toneladas de agentes químicos em plena guerra civil será um trabalho mais do que delicado", comentou, em condição de anonimato, uma fonte diplomática de Genebra. O acordo para livrar a Síria de armas químicas foi alcançado por americanos e russos após 1.400 pessoas serem mortas com este tipo de arsenal no dia 21 de agosto, na periferia de Damasco. O pacto impediu, no último momento, um ataque de forças americanas contra instalações do regime de Assad, principal suspeito do ataque.
Inspetores internacionais foram enviados ao local e comprovaram que agentes foram de fato utilizados. A investigação sobre quem foi o responsável pelo ataque, porém, fugia do mandato dos investigadores, que apenas indicaram regiões dominadas por Assad como origem dos foguetes com agentes químicos.
O objetivo inicial das grandes potências era o de fazer a Síria parar de produzir armas químicas, etapa que teria sido alcançada ontem. O chefe dos inspetores da Opaq, o brasileiro Marcelo Kos, confirmou ao Estado que a agência visitou 21 das 23 instalações onde estariam os equipamentos. As duas restantes não puderam ser acessadas por falta de segurança. Ele garantiu, porém, que Damasco ofereceu "total cooperação".
Segundo Kos, o material que estava nos dois locais que não puderam ser verificados foi levado a outras instalações e destruído. Na avaliação da Opaq, a Síria "não está mais em posição de produzir armas químicas". Em entrevista à BBC, o vice-chanceler da Síria, Faisal Mekdad, cobrou: "Espero que isso prove que somos parceiros confiáveis".
Dentro de duas semanas, a Opaq e a Síria devem chegar a um acordo sobre um cronograma detalhando como ocorrerá a destruição do arsenal químico. Governos ocidentais já destinaram mais de US$ 5,5 milhões para esse trabalho.
Um dos principais desafios da Opaq é encontrar um país disposto a receber os agentes químicos para que eles possam ser destruídos. Parte desse processo pode ocorrer nos estoques sírios onde estão atualmente guardados. Uma parcela importante, porém, terá de ser levada para outro destino. A Noruega chegou a ser consultada, mas recusou. Segundo a Opaq, o Brasil não está nos planos.
Na avaliação do Observatório Sírio de Direitos Humanos, os combates registrados ontem em Safira, região de produção química, indicam a dificuldade que os inspetores terão a partir de agora para eliminar o arsenal.
Enquanto o processo de destruição é conduzido, especialistas em direitos humanos da ONU alertam que o respeito da Síria aos prazos para eliminar as armas químicas não deve ser confundido com a disposição do governo em acatar as regras internacionais no que se refere à guerra. Relatórios internos da ONU apontam que as violações ganham aspectos cada vez mais dramáticos e 98% das mortes teriam ocorrido por armamento convencional. Para rebeldes, o Ocidente está "perdendo o foco" ao se concentrar na destruição de armas químicas na Síria.