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Será o fim do milagre chinês?

Josef Joffe | The Wall Street Journal

A grande questão do século XX não desapareceu no século XXI: Quem está do lado certo da história? É a democracia liberal, do poder vindo de baixo para cima, protegida pelos mercados, o Estado de Direito, a responsabilidade e a separação dos poderes? Ou é o centralismo despótico que passou por Hitler e Stalin e acabou adaptado, numa versão menos cruel, pelo atual modelo chinês, de um capitalismo estatal regido por um único partido?

A morte do comunismo não eliminou a grande questão. Simplesmente a fez repousar por duas décadas. Agora, a ascensão espetacular da China e as crises nas economias democráticas – bolhas e estouros, gastos exagerados e dívidas astronômicas – trouxeram à tona o que parecia enterrado com segurança num cemitério chamado "O fim da história". Agora, os mortos estão levantando de suas covas. E muitos no Ocidente estão perguntando: Será que o capitalismo de cima para baixo, como o praticado no passado pelos "dragões" asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan e Japão) e hoje pela China, não é o melhor caminho para a riqueza global do que a confusa e autoparalisante democracia liberal?

Aqueles que acreditam na "ascensão do resto" [das economias] pensam que amanhã será uma repetição de ontem – que a China continuará subindo. Mas a história nos ensina a ter cautela. O crescimento rápido caracterizou cada "milagre econômico" do passado. Começou com a Grã Bretanha, os Estados Unidos e a Alemanha no século XIX e continuou com o Japão, Taiwan, Coreia do Sul e a Alemanha Oci-dental depois da Segunda Guerra Mundial. Mas nenhum desses países conseguiu sustentar o ritmo das primeiras décadas de crescimento e todos acabaram desacelerando, voltando a taxas [de crescimento] "normais", à medida que a exuberância da juventude deu lugar à maturidade. O que é "normal"? Para os EUA, a média nas três décadas antes da crise de 2008 foi bem acima de 3%. Para a Alemanha foi de 3% para menos de 2%. O Japão caiu de 4,5% para 1,2%.

Tudo que sobe, cai e se nivela à medida que países progridem da agricultura para a manufatura e daí para uma economia de serviços e conhecimento. No processo, os campos se esvaziam e deixam de oferecer o que antes parecia ser um reservatório infinito de mão de obra barata. À medida que os investimentos fixos crescem, seus retornos declinam e cada unidade de capital gera menos retorno que a anterior. Esta é uma das leis econômicas mais antigas: a lei da redução dos retornos.

O efeito do nivelamento também se aplica às economias industrializadas que emergiram de uma fase de recuperação acelerada após uma guerra e destruição, como ocorreu no Japão e na Alemanha Ocidental depois da Segunda Guerra. Nos dois casos, o padrão é o mesmo. Pense num avião que decola e depois se ajusta a uma posição horizontal em sua rota normal de voo.

Só uma análise retrospectiva revela o que aconteceu. Em meados dos anos 70, o crescimento do Japão foi de 8% para abaixo de zero no espaço de dois anos. A Coreia do Sul, outro prodígio dos anos 70, foi de um crescimento de 12% para uma retração de 1,5%. Quando a Revolução Cultural se espalhou pela China na mesma década, o crescimento despencou do nível histórico de 19% para abaixo de zero. A história recente da China ilustra de forma perfeita o papel dos choques "exógenos", cujas consequências são muito piores do que aquelas causadas por períodos de baixas cíclicas. Depois da guerra, tumultos domésticos são responsáveis pelas rupturas mais brutais no crescimento. Nos dois primeiros anos da Revolução Cultural, a taxa de crescimento da China encolheu em oito e sete pontos percentuais, respec-tivamente. Após o massacre da Praça de Tiananmen, em 1989, a taxa de crescimento do país caiu em dois dígitos, para 2,5%, por dois anos consecutivos.

A Revolução Cultural e o massacre de Tiananmen representam uma maldição que pode voltar a ameaçar a China no futuro: quanto mais forte for o controle do Estado, mais vulnerável fica a economia a choques políticos.

Hoje o mundo está hipnotizado pelo crescimento extraordinário da China. Mas não há razão para crer que a China desafiaria o veredicto da história econômica eternamente. Nenhum outro país escapou dessa história desde que Revolução Industrial abriu as portas para a expansão espetacular do Ocidente na metade do século XIX.

O que está por trás do entusiasmo excessivo pela China? Intelectuais do Ocidente de todas as linhas já tiveram um certo fascínio por grandes líderes. Pense na adulação de Jean- Paul Sartre por Stalin.

Hoje, aqueles que acreditam no declínio do Ocidente sucumbem a uma tentação semelhante. Eles estudam as crises vividas no mundo capitalista e olham para o milagre de 30 anos da China. Então, concluem mais uma vez que a supremacia do Estado, especialmente quando respaldada pelos mercados e por lucros, pode ser melhor do que a democracia liberal.

O poder faz gerar crescimento inicialmente, mas no longo prazo ele falha. Economias lideradas de cima para baixo são bem sucedidas no começo, mas fracassam depois, como o modelo soviético provou. Ou elas sequer chegam ao ponto de decolagem, como uma longa lista de imitadores demonstra, de Gamal Abdel Nasser, no Egito, a Fidel Castro, em Cuba. Nem mesmo os caudilhos populistas do século XXI têm se dado melhor, como ilustram a Argentina, o Equador e a Venezuela.

A modernização autoritária ou "guiada" planta as sementes de seu próprio fracasso. O sistema move montanhas quando jovem, mas acaba se tornando impenetrável e paralisado. Ele dá poder àqueles com interesses próprios que, como mostra a história, primeiro ignoram e depois resistem a mudanças porque elas significam uma ameaça mortal ao status e à renda que possuem.

A história não indica um bom presságio para a modernização autoritária, seja na forma do capitalismo "controlado", "guiado" ou do Estado. O sistema congela ou se torna seu próprio inimigo, passando a devorar as sementes do crescimento espetacular e finalmente produzindo estagnação. Ou o país segue o caminho escolhido pelo Ocidente, no qual a primeira onda de crescimento espalha a riqueza, depois surge uma classe média, depois a democratização como o Estado do bem-estar social e a desaceleração do crescimento. Esse foi o caminho seguido por Taiwan e pela Coreia do Sul – as versões orientais da Ocidentalização.

A ironia é que tanto o despotismo quanto a democracia, por razões bem diferentes, são incompatíveis com um crescimento estonteante no longo prazo. Até agora a China tem conseguido enriquecer sem uma desaceleração ou revolta – um milagre político sem precedentes. Mas será que a China pode continuar nesse caminho? O veredicto da história não é encorajador.

Joffe é professor de política externa americana da Universidade de Stanford, onde também é membro do Instituto Hoover de Estudos Internacionais. Ele lançará em breve o livro "The Myth of America's Decline" pela editora Norton.

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