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Futuro do Afeganistão é incerto após saída das tropas da OTAN

Em recente entrevista à rede britânica BBC, o presidente afegão, Hamid Karzai, criticou duramente a atuação militar internacional em seu país e afirmou que a Otan falhou na tentativa de garantir estabilidade ao Afeganistão nestes dez anos da ocupação liderada pelos Estados Unidos. "Todo o exercício da Otan, que causou muito sofrimento ao Afeganistão e gerou uma grande perda de vidas, não trouxe nenhum ganho, porque o país não está seguro", afirmou Karzai.

As acusações do presidente afegão são rejeitadas pelo secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen. Em uma entrevista coletiva, Rasmussen afirmou que o país avançou bastante na última década. "As mudanças têm sido notáveis e realizamos investimentos sem precedentes em recursos materiais e humanos. Ninguém pode negar isso. E esses esforços precisam ser respeitados".

O principal objetivo da missão da Força Internacional de Assistência para a Segurança (Isaf) tem sido capacitar o governo afegão a promover uma "segurança efetiva" em todo o país e desenvolver forças que assegurem que o país "nunca mais se torne um refúgio para terroristas".

A apenas um ano da retirada das tropas internacionais do solo afegão, porém, a maioria dos especialistas concorda que a ação militar por lá levou tanto a resultados positivos como negativos. Parte deles considera que feitos importantes, como a morte do então líder da organização Al Qaeda, Osama Bin Laden, e a derrubada do talibã do poder já seriam suficientes para classificar a missão como um sucesso.

Outros observadores, no entanto, alegam que algumas das conquistas iniciais da missão correm o risco de serem revertidas e que a Otan estará simplesmente entregando um conflito não solucionado para os afegãos.

"Os talibãs podem não estar mais no poder, mas eles ainda estão tentando retomá-lo. Os insurgentes já têm o controle de fato sobre áreas importantes do Afeganistão, particularmente no sul e no leste", avalia Michael Kugelman, especialista em Sul asiático pelo Centro de Estudos Internacionais Woodrow Wilson, em Washington.

Ele lembra que mesmo que a Al Qaeda não tenha mais refúgio no país, o grupo continua abrigado no vizinho Paquistão. "Aliás, boa parte dos integrantes da Al Qaeda simplesmente se mudou do Afeganistão para o Paquistão", acrescenta.

Alto preço

A comunidade internacional pagou um preço bastante alto por seu envolvimento nos últimos 12 anos no Afeganistão. De acordo com dados coletados pela Brookings Institution, mais de 3,3 mil integrantes das tropas da coalizão internacional morreram desde o início da investida no país, em outubro de 2001. Com o maior número de militares em solo afegão, os Estados Unidos são os que registraram as maiores perdas: 2.156 mortos.

Estima-se ainda que só o governo americano já tenha desembolsado mais de 660 bilhões de dólares até agora. Destes, cerca de 56 bilhões foram usados para equipar e treinar as forças de segurança afegãs.

Tanto os custos humanos quanto os custos financeiros da missão da Otan no Afeganistão têm levantado a muitos questionamentos sobre o propósito e os resultados alcançados com a intervenção militar no país, especialmente considerando que a situação no Afeganistão permanece instável, com civis arcando com o ônus do conflito.

Segundo o Alto Comissariado da ONU para refugiados, o Talibã e outros grupos insurgentes mudaram o foco de seus ataques. Se antes eles miravam tropas internacionais, os alvos agora são locais. Os grupos atacam lideranças civis, visando intimidar e com isso tomar o controle de comunidades em áreas rurais.

Nos primeiros seis meses de 2013, as Nações Unidas registraram um aumento de 23% no número de civis mortos em episódios relacionados ao conflito. Também dobrou o número de mortes de policiais afegãos desde que a Isaf assumiu a responsabilidade pela segurança. Os confrontos ainda desalojaram 590 mil pessoas, crescimento de 21% desde janeiro e número mais de quatro vezes maior que a quota registrada em 2006, de acordo com o Alto Comissariado para Refugiados.

"Receita de desastre"

A escalada da violência levanta dúvidas sobre a habilidade das forças locais de segurança em lidar com os insurgentes e em reforçar a autoridade do governo no país. Kugelman acredita que parte das forças afegãs permanece profundamente abalada, além de continuar sofrendo com abuso de drogas, analfabetismo, deserções e incapacidades ligadas ao combate.

"Essas forças armadas precisam atuar em um dos ambientes mais instáveis do mundo no que diz respeito a segurança. Essa é uma grande receita de desastre, não importa o quanto o Afeganistão e seus aliados pelo mundo tentem maquiar a questão", opina.

Vanda Felbab-Brown, pesquisadora do programa de política internacional do Brookings Intitutions, tem uma visão semelhante. "As tropas afegãs continuam sofrendo com capacidade logística, de sustentação e de suporte profundamente inadequadas, além de estarem impregnadas de corrupção, nepotismo e conflitos étnicos", avalia a pesquisadora.

Embora a comunidade internacional tenha prometido que mesmo depois da retirada das tropas continuará dando suporte ao Afeganistão por meio de treinamento e ajuda financeira e consultiva, muitas questões permanecem em aberto. Uma delas, por exemplo, é quantas "tropas residuais" continuarão no país e qual será o papel delas. Além disso, um acordo-chave de segurança entre o Afeganistão e os Estados Unidos ainda não foi fechado, devido a desentendimentos sobre a jurisdição das forças americanas.

Volume de avanços

Apesar das muitas deficiências, alguns especialistas dizem que os avanços na questão da segurança em algumas partes do país – especialmente em torno de Cabul –, combinados com a ajuda financeira e de desenvolvimento, levaram a um considerável progresso nas condições de vida do povo afegão. O número de crianças matriculadas nas escolas saltou de 1 milhão para 7,8 milhões.

Também foram registradas melhorias na situação das mulheres, com mais de 2,8 milhões de meninas tendo acesso à educação. Um quarto de todos os assentos do Parlamento afegão é ocupado atualmente por mulheres.

Mesmo sendo o Afeganistão ainda um dos países mais pobres do mundo, sua economia viveu uma rápida expansão – partindo de ponto bem baixo – com um crescimento real do PIB de 9,2% entre 2003 e 2012, de acordo com o Banco Mundial.

"Também houve grandes melhoras em termos de comunicação, transporte, infraestrutura e serviços de saúde. A maior parte delas foi obtida com contribuições de países da Otan, como a Alemanha, que investe cerca de 430 milhões de euros por ano em atividades de reconstrução civil", ressalta Rolf Tophoven, diretor do Instituto de Pesquisa sobre Terrorismo e Políticas de Segurança, sediado na Alemanha.

Futuro imprevisível

Uma possível falta de segurança no país após a retirada das tropas já é a principal preocupação dos afegãos. De acordo com uma pesquisa realizada em 2012 pela Asia Foundation, 52% da população afirmaram que o país segue na direção correta. Os afegãos ainda se mostraram preocupados com a situação da oferta de empregos, educação, serviços públicos e participação política no país.

O futuro do Afeganistão após 2014 ainda é algo imprevisível. A corrupção está infiltrada em todos os níveis da aparelhagem estatal, incluindo o governo, que vem sofrendo de crise de legitimidade após denúncias de suposta fraude nas eleições de 2009.

"O governo afegão é visto como ganancioso, abusivo, excludente e indiferente às condições da população", avalia Felbab-Brown. Ela acredita que o decorrer das eleições presidenciais, marcadas para abril próximo, será crucial para que o próximo governo seja considerado legítimo e o processo de reconciliação com o Talibã tenha sucesso.

 

 

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