A resposta parecia ser difícil para Barack Obama. Quando foi questionado, durante entrevista na TV em agosto, sobre o porquê de Washington ainda continuar apoiando os militares no Egito, o presidente americano pareceu pesar cada frase. Ele observou que seu governo está reavaliando as relações com o Cairo e que é preciso considerar o que está nos interesses de longo prazo dos dois países.
Todo ano, 1,5 bilhão de dólares são destinados ao Egito, dos quais 1,3 bilhão vão para os militares. Depois que o Exército derrubou Mohammed Morsi da presidência, em julho de 2013, a ajuda financeira americana começou a ser alvo de críticas. Mas Washington mantém o auxílio – interrompê-lo poderia colocar em risco seus interesses de segurança na região.
Mas Obama evitou abordar um aspecto importante e menos conhecido dessa ajuda militar. O programa não tem apenas significado político: também está estreitamente ligado aos interesses na indústria bélica dos EUA, atrás da qual existe um poderoso lobby.
Aliança estratégica
O dinheiro para o Egito nunca deixa, de fato, os EUA, conforme define o acordo sobre o qual se baseia a ajuda militar. Assim que o Congresso americano aprova o pagamento, o valor é depositado numa conta no Federal Reserve (Fed, banco central), em Nova York, que repassa a verba a um fundo do Departamento do Tesouro. De lá, o dinheiro é transferido a parceiros contratuais, isto é, a empresas de material bélico e fornecedores.
Todos esses parceiros contratuais precisam ter uma base nos EUA. Em parte, há empresas multinacionais, mas que possuem subsidiárias no país. O importante é que a corporação contrate mão de obra americana. Ou seja, o dinheiro dos subsídios não flui em direção ao Cairo, mas acaba nos EUA, criando ali empregos de certa forma subsidiados pelo Estado.
A ajuda militar americana tem como fundamento o tratado de paz egípcio-israelense de 1979. O Egito, país mais populoso do mundo árabe, é um dos pilares mais importantes da política externa dos EUA no Oriente Médio – entre outras coisas devido à importância estratégica do Canal de Suez, controlado pelo Cairo.
"Em seus mais de 30 anos de história, a ajuda foi muitas vezes questionada no Congresso", lembra Shana Marshall, cientista política do Centro de Estudos sobre o Oriente Médio da Universidade George Washington. Quando isso acontece, a indústria bélica envia uma equipe de lobistas para convencer os membros do Congresso da importância da manutenção da ajuda militar. "Eles argumentam tanto com base nos interesses de segurança quanto com uma eventual queda na produção e a perda de postos de trabalho no país, caso o programa de assistência militar seja interrompido."
Tanques no armazém
Neste ano, um outro componente surgiu no debate político interno dos EUA. Desde o começo do ano, uma série de cortes orçamentários profundos passou a vigorar para reduzir o deficit orçamentário dos EUA. Um dos setores mais afetados é o Exército. Os cortes atingiram, entre outros, a produção de novos equipamentos militares, o que atinge a indústria de armamentos.
Para evitar que trabalhadores altamente qualificados sejam demitidos, algumas empresas têm exigido que o setor político mantenha os contratos de exportação de armas como uma espécie de "compensação". Há controvérsias sobre até que ponto essa posição é apoiada pelo Estado.
O certo é que nem todos os equipamentos bélicos que os militares egípcios compram nos EUA com a ajuda recebida são usados realmente. "Alguns tanques que foram entregues estão esquecidos em armazéns e depósitos no Egito", diz Jason Brownlee, cientista político da Universidade do Texas, especialista nas relações entre EUA e Egito. "Em geral, não há argumentos convincentes para se vender mais material bélico tradicional ao Egito."
Especialistas concordam que os EUA obtêm benefícios políticos de sua parceria com o Egito. Considerando os muitos privilégios que o país tem na região, o montante da ajuda é considerado relativamente baixo. Apesar de sua grande influência, as necessidades da indústria bélica parecem ter um papel secundário na decisão sobre a manutenção da ajuda.
O que fica em aberto é o que que ocorreria se os pagamentos fossem interrompidos por razões políticas. Nos contratos que os militares egípcios têm com as empresas americanas, o governo dos EUA também aparece como signatário e garante que as armas serão compradas.
"Diante da interrupção e como compensação, as empresas de armas dos EUA que tiverem contratos muito lucrativos com o Egito provavelmente recorrerão a contratos semelhantes com outros países, como Iraque, Afeganistão, Paquistão ou Somália, por exemplo", prevê Shana Marshall.
Na entrevista para a televisão, o autor da pergunta ficou satisfeito com a resposta evasiva de Obama. No fim de setembro, o presidente americano se pronunciou pela última vez sobre a ajuda ao Egito, em discurso perante as Nações Unidas. Ele repetiu sua afirmação de que as relações estão sendo revistas. No início de outubro, a parcela pendente para 2013 foi transferida.