Rodrigo de Oliveira Andrade
AGÊNCIA FAPESP
Um projeto ambicioso, desenvolvido para fins militares, poderá levar o Brasil a se tornar um importante polo de pesquisa, desenvolvimento e produção de novas tecnologias relacionadas aos veículos aéreos não tripulados, os vants – também conhecidos como drones. Idealizado para uso das Forças Armadas, o Falcão, como foi batizado, será o maior vant militar nacional. Se o projeto avançar, a aeronave terá 11 metros de envergadura, de uma ponta a outra da asa, e autonomia mínima de 16 horas.
Ele poderá atuar em operações de vigilância marítima e de fronteiras, missões de busca e salvamento, no combate ao tráfico de drogas, crimes ambientais e na segurança e monitoramento de grandes eventos, como os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, ano em que a aeronave deverá ser concluída. Até agora, cerca de R$ 85 milhões já foram investidos por parte da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), de institutos de pesquisa e da própria indústria.
O Falcão começou a ser desenvolvido pela Avibras no final da década passada. A empresa brasileira com sede em São José dos Campos, interior paulista, em parceria com o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) da Aeronáutica, contou com os sistemas de navegação e controle de outra empresa da mesma cidade, formada no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Flight Technologies. Desde fevereiro deste ano, o Falcão integra a linha de produtos da Harpia Sistemas, empresa criada a partir da associação entre a Embraer Defesa & Segurança, braço militar da Embraer, e a AEL Sistemas, com sede em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, subsidiária da Elbit Systems, uma das maiores fabricantes de produtos de defesa de Israel – a mesma a fornecer os primeiros drones para uso da Força Aérea Brasileira (FAB) em 2010.
Em janeiro deste ano, a Avibras também se tornou acionista da Harpia. “Desde então conduzimos estudos de configurações para atender aos requisitos operacionais das Forças Armadas para um sistema de vant capaz de cumprir missões de inteligência, vigilância e reconhecimento”, diz Rodrigo Fanton, presidente da Harpia. O primeiro protótipo do Falcão está sendo usado como ponto de partida para a adequação aos requisitos apresentados pelo Ministério da Defesa, que incluem um conjunto de sensores, sistema de comunicação de dados e uma estação de controle em solo.
A aeronave terá cerca de 800 quilos (kg), podendo transportar mais combustível e equipamentos do que outros drones da mesma categoria a uma altura de 5 mil metros. Dentro do veículo aéreo, no lugar do piloto, poderão ser instalados sensores, câmeras e radares, entre outros itens. Boa parte da estrutura do Falcão foi desenvolvida com tecnologia nacional, como os sistemas de eletrônica de bordo, controle e navegação. “Ele terá dimensões equivalentes ao Super Tucano, aeronave turboélice da Embraer para ataque tático”, comenta Flavio Araripe d’Oliveira, coordenador do projeto vant no DCTA. “Vants de médio e grande porte, como o Falcão, são controlados do solo por técnicos em contêineres equipados com computadores e sistemas de comunicação”, diz.
O Falcão utiliza outro vant brasileiro como plataforma de testes para o sistema de navegação e controle: o Acauã, um drone de 150 kg e 5 metros de envergadura concluído em 2010. Ele foi desenvolvido pelo DCTA, centros de pesquisa do Exército (CTEx) e da Marinha (IPqM) (ver Pesquisa FAPESP n° 185) e pela Avibras. Foram realizados dezenas de voos experimentais na Academia da Força Aérea, em Pirassununga, interior de São Paulo. Hoje o Acauã é utilizado pelo DCTA, Exército e Marinha, e pelas empresas Flight Technologies e Bossan Computação Científica (BCC), do Rio de Janeiro, num novo projeto, agora voltado à concepção de uma tecnologia de pouso e decolagem automáticos, que já apresentou bons resultados nos primeiros experimentos em pista realizados em agosto.
O projeto conta com financiamento de R$ 4 milhões da Finep. “Desenvolvemos um sistema com sensores de aproximação com DGPS, que garante um posicionamento muito preciso por satélite, e radar altímetro capaz de medir a altura da aeronave em relação ao solo. Até agora, pouso e decolagem eram realizados apenas sob o comando de um operador”, explica D’Oliveira.
Também no DCTA pesquisadores do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), em parceria com professores do ITA e engenheiros da empresa TGM Turbinas, com sede em Sertãozinho, interior paulista, trabalham em outro projeto que poderá impulsionar o setor brasileiro de drones. Trata-se de um motor turbojato movido a querosene de aviação que pode ser usado em vants com peso máximo de 1,2 tonelada. A Turbina Aeronáutica de Pequena Potência (TAPP) é a primeira a ser produzida no Brasil com características de durabilidade e potência de 5 mil newtons (N), força capaz de impulsionar uma aeronave de até 1,5 tonelada. “Planejamos um grupo de turbinas que possam ter aplicações em vants, mísseis e uma linha para geração de energia”, diz Alexandre Roma, da TGM, um dos engenheiros responsáveis pelo projeto. Ele conta que o equipamento não será usado no Falcão, mas instalado inicialmente em alvos aéreos para treinamento de pilotos em aviões de combate.
Produção em série
Em julho, a turbina foi testada pela primeira vez no banco de provas do IAE. Segundo o engenheiro mecânico José Francisco Monteiro, coordenador do projeto, todos os componentes da TAPP foram fabricados no Brasil, exceto o rolamento para a sustentação de seu eixo. Um dos objetivos é qualificar a mão de obra brasileira para sua produção em série. “Como essa turbina pode ser instalada em mísseis de longo alcance, sua comercialização tem sido dificultada, devido aos tratados de não proliferação de armas nucleares. A alternativa é fabricar a turbina no Brasil”, avalia Monteiro. Novos testes estão programados até o fim deste ano com o objetivo de fazê-la atingir a rotação máxima de 28 mil rotações por minuto.
O projeto conta com financiamento de R$ 30 milhões da Finep. A agência já firmou 23 contratos e convênios, num total de R$ 69 milhões, voltados ao trabalho de pesquisa e desenvolvimento tecnológico de vants no Brasil, conta William Respondovesk, chefe do Departamento das Indústrias Aeroespacial, Defesa e Segurança da Finep.
As vantagens inerentes ao uso dos drones em operações militares – sobretudo pelos Estados Unidos, após os atentados de 11 de setembro de 2001 – têm atraído cada vez mais a atenção de vários países. Entre 2005 e 2012, por exemplo, o número de nações que adquiriram essa tecnologia subiu de 41 para 76. Nesse mesmo período, o número de programas de pesquisa voltados para essa área nesses países saltou de 195 para 900, impulsionando um mercado em contínua evolução.
Os norte-americanos ainda controlam boa parte desse mercado. Juntas, as empresas North Grumman e General Atomics Aeronautical Systems detêm 63% de toda a produção mundial de drones, de acordo com o Government Accountability Office dos Estados Unidos.
Também os gastos anuais em pesquisa, desenvolvimento e comércio dessas aeronaves devem dobrar na próxima década, chegando aos US$ 12 bilhões – totalizando US$ 90 bilhões nos próximos 10 anos –, como mostra o relatório World unmanned aerial vehicles systems, market profite and forecast 2013, divulgado em junho pela consultoria norte-americana Teal Group, especializada nas áreas aeroespacial e de defesa.
O Departamento de Defesa dos Estados Unidos deve seguir líder nesse setor. Israel vem logo em seguida. O país foi responsável por 41% dos drones exportados entre 2001 e 2011, segundo a Stockholm International Peace Research Institute, organização voltada à realização de pesquisas em questões sobre conflitos e segurança internacionais.
Obtenção de dados
Avanços recentes em áreas de tecnologia computacional, além do desenvolvimento de materiais mais leves e de avançados sistemas globais de navegação, também têm atraído a atenção de pesquisadores, que usam drones para a obtenção de dados em áreas de difícil acesso. No dia 13 de junho a revista Nature publicou um artigo mostrando como esse tipo de tecnologia pode ser útil para o mundo acadêmico.
Pesquisadores da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, por exemplo, têm usado vants para medir jatos de ventos que sopram no continente antártico. Isso poderá ajudá-los a entender a dinâmica que deu origem à formação das geleiras marinhas ao redor da Antártida. Também os biólogos aderiram aos vants em seus trabalhos de campo. Já na Índia, a World Wildlife Fund (WWF) tem usado os drones para detectar a presença de caçadores.
Esse crescimento para além do âmbito militar tem se refletido no Brasil. Nos últimos anos, pelo menos cinco empresas passaram a investir em pesquisa e desenvolvimento de novas aeronaves. A AGX é uma delas. Com sede em São Carlos, interior paulista, a empresa desde 2009 trabalha com o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC), com sede na Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, na concepção de soluções voltadas para o uso de vants na agricultura, meio ambiente e mineração. “Esse é o setor mais dinâmico, e o de maior crescimento, da indústria aeroespacial e de defesa em todo o mundo”, diz Adriano Kancelkis, diretor-presidente da AGX, empresa que contou com o apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP.
Com características distintas, mas com várias possibilidades de adaptação para missões na agricultura, dois de seus drones, Tiriba e Arara II, possuem tecnologia nacional. Podem ser usados em levantamentos aerofotográficos com câmeras convencionais de alta definição, sensores e câmeras termais e multiespectrais. “Essa tecnologia é capaz de identificar com precisão a existência de pragas e falhas em lavouras e áreas atingidas por erosão e assoreamento de rios”, explica Kancelkis.
Lançado em 2011, o Tiriba tem motor elétrico e pode atingir os 100 km/h, se mantendo em operação por até meia hora. O drone está sendo usado num projeto-piloto de monitoramento ambiental em parceria com a Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo. “Já realizamos alguns voos, mas o vant ainda está em fase de certificação na Agência Nacional de Aviação Civil [Anac], instituição responsável pela emissão de autorizações para voos dessas aeronaves”, diz.
Agricultura de Precisão
A empresa também tem investido em novos modelos, como o VSX, aeronave desenvolvida em parceria com a Aeroálcool, com sede em Franca, interior paulista, e o INCT-SEC. Com autonomia de voo de 20 horas, o vant pode cumprir missões com até 4 mil km de alcance numa velocidade de 200 km/h. “O VSX foi projetado para carregar um radar do tipo SAR que permite mapear, no caso de uma floresta, não só a copa das árvores, mas também o que está por debaixo delas, no solo”, conta Kancelkis. O projeto recebeu R$ 2 milhões da Finep.
A ideia é que o VSX seja utilizado pela fabricante do radar, a Orbisat, com sede em Campinas, em áreas de conflito urbano, calamidades e no monitoramento de fronteiras. A AGX também acaba de firmar uma parceria com a Universidade de Purdue, nos Estados Unidos. “O objetivo é atuar no segmento de agricultura de precisão naquele país, além de desenvolver novas tecnologias para sensoriamento remoto”, diz.
Entre 2010 e 2013, a XMobots, empresa com sede em São Carlos, realizou um trabalho de mapeamento e quantificação do desmatamento em torno da Usina Hidrelétrica de Jirau, em construção no rio Madeira, em Rondônia. “O objetivo era que nosso vant, o Apoena, fizesse a captação de imagens que revelassem se a atividade realizada pelas empresas estava de acordo com a legislação ambiental”, explica Giovani Amianti, um dos sócios da XMobots, que também recebeu financiamento do Pipe em 2007.
Depois de alguns meses, as imagens produzidas pelo drone passaram a ser usadas como parâmetro para determinar o metro quadrado que cada empresa havia desmatado. O Apoena realizou operações durante 18 meses e em seguida foi substituído pelo modelo Nauru por mais um ano. “Agora o Apoena está numa fase de maturação tecnológica. Pretendemos lançar uma nova versão no início de 2014; uma aeronave maior, com capacidade de voo superior a 8 horas, mais segura e capaz de operar em cidades”, diz Amianti.
O Nauru é um drone menor que o Apoena, com autonomia de 5 horas, 15 kg e envergadura de 2,3 metros. Em maio, o vant obteve da Anac o Certificado de Autorização de Voo Experimental. “Com isso nos tornamos a única empresa do país autorizada pela Anac a fazer voos voltados à pesquisa e desenvolvimento de drones. Até então, apenas a Polícia Federal possuía vants civis aptos a voar no Brasil”, conta Fábio Henrique Assis, diretor da XMobots. Mas ele explica que o trâmite legal para essa aeronave é mesmo mais simples, já que o Nauru será usado para fins agrícolas, em espaço aéreo segregado.
Em junho, durante uma feira de geotecnologia realizada em São Paulo, a empresa lançou o Echar, um novo modelo de 2,1 metros de envergadura, 6 kg e autonomia de 60 minutos. Suas aplicações variam do monitoramento de garimpo ilegal, extração irregular de madeira, invasão de áreas ambientais à previsão de produção agrícola. “O Echar foi desenvolvido a partir da demanda de nossos clientes”, conta Amianti.
Também em Gavião Peixoto, município próximo a São Carlos, no interior de São Paulo, pesquisadores da Embrapa Instrumentação usam drones na área de agricultura de precisão. Um modelo diferente, semelhante a um mini-helicóptero, faz sobrevoos periódicos em plantações de laranja para detecção do greening, doença que afeta o amadurecimento dos frutos, deixando as folhas das plantas amareladas. “Usamos vants em atividades agrícolas desde 1998, com o projeto de Aeronave de Reconhecimento Assistida por Rádio e Autônoma (Arara) em parceria com o professor Onofre, da USP” (ver Pesquisa FAPESP n° 123), conta o engenheiro eletrônico Lúcio Jorge, da Embrapa.
“Investimos no desenvolvimento de metodologias de processamento de imagens para drones de baixo custo.” O mini-helicóptero sem piloto, usado para pulverização no controle de pragas em culturas de arroz, soja e trigo, foi adquirido pela Embrapa da empresa Rotomotion, dos Estados Unidos. “Esse projeto nos permitiu desenvolver softwares e sistemas de captura de imagens para as diferentes aplicações agrícolas no Brasil”, diz o pesquisador. “Mas o projeto requer mais investimento, sobretudo pelo fato de a Rotomotion ser uma empresa pequena, tendo dificuldades em atender às demandas no Brasil, como treinamentos e ajustes no sistema.” A Embrapa conta ainda com sistemas multirrotores, os chamados multicópteros, com software livre, que são uma opção tecnológica mais barata.
Mesmo com o desenvolvimento acelerado do setor, os voos de vants ainda carecem de regras específicas. “Nos baseamos em normas existentes para as aeronaves tripuladas”, explica Assis, da XMobots. Hoje os principais fatores de risco associado ao voo de drones no mundo se referem à segurança das pessoas em áreas por eles sobrevoadas, possível colisão com aeronaves que compartilham do mesmo espaço aéreo e danos materiais numa eventual queda. “Eles devem ser tratados como aviões, não como brinquedos”, diz João Batista Camargo Júnior, professor da Escola Politécnica (Poli) da USP. Para ele, regras específicas devem ser criadas de acordo com a aplicação que o drone terá.
Segundo Nei Brasil, presidente da Flight Technologies – empresa que já desenvolveu e entregou ao Exército e a Marinha três drones de pequeno porte –, a Anac pretende regulamentar o voo de vants civis até 2014. “A Anac segue as recomendações da Organização de Aviação Civil Internacional, que criou grupos de trabalho para discutir regras para a adoção de vants pelo mercado civil”, diz. Para Camargo Júnior, o país precisa estar atento. “As autoridades aeronáuticas devem zelar pela segurança da população em relação aos vants sem comprometer a pesquisa e o desenvolvimento da indústria nacional.”
Projetos
1. Um sistema de mapeamento automático de produtividade agrícola (nº 2005/04485-2); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coord. Rafael Alexandre Ferrarezi/AGX; Investimento R$ 52.152,00 (FAPESP).
2. Projeto de um sistema aviônico certificável para veículos aéreos não tripulados (vants) de aplicação civil (nº 2007/55661-0); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coord. Giovani Amianti/XMobots; Investimento R$ R$ 56.940,84 e US$ 16.670,37 (FAPESP).