A manobra é ousada – transformar-se na primeira grande potência industrial a renunciar à energia nuclear – e causou divergências não só na União Europeia, como dentro da Alemanha, onde críticos a acusam de ter caráter eleitoreiro. Apesar das opiniões contrárias, o governo da chanceler federal Angela Merkel anunciou ontem que todas as 17 usinas nucleares da Alemanha – país onde foi realizada a primeira fissão do átomo em 1939 – serão desativadas até 2022. Dizendo-se movida pelo drama do acidente nuclear de Fukushima, no Japão, Merkel seguiu o parecer de uma comissão de ética, prometendo investir em fontes de energia renováveis.
– Respeitamos a decisão, mas isso não vai nos fazer mudar nossa política nuclear – reagiu o primeiro-ministro da França, François Fillon, cujo país depende da produção nuclear para suprir 76% de sua demanda energética.
Os franceses advertiram que será impossível para a UE atingir suas metas de reduzir as emissões de gases-estufa sem o uso de "alguma energia nuclear". O ministro do Meio Ambiente da Suécia, Andreas Carlgren, também criticou a iniciativa alemã, deixando escapar uma preocupação de cunho econômico.
– Em vez de usinas nucleares, eles vão construir novas usinas de carvão e gás, e importar energia da França – disparou o sueco.
Merkel anunciou o fim da era nuclear alemã após um encontro de mais de 13 horas que reuniu, além de integrantes do Gabinete, representantes dos partidos do governo e também da oposição – e sob forte pressão de cerca de 160 mil manifestantes que foram às ruas em 21 cidades do país no último fim de semana, exigindo que o governo acelerasse o processo de desnuclearização da Alemanha. O projeto, agora, será submetido ao Parlamento, onde deverá ser aprovado, pois Merkel conta com apoio da oposição na decisão.
– Acreditamos que podemos mostrar aos países que querem abandonar a energia nuclear que é possível crescer, criar empregos e prosperidade econômica optando por fontes renováveis de energia – declarou a chanceler federal, dona de um PhD em Física.
Governo diz que não há volta na decisão
Apesar do discurso em defesa de energia limpa, o governo não detalhou de que maneira vai substituir a energia nuclear – apenas citou metas gerais de aumentar dos atuais 17% para 35% a participação das fontes renováveis na matriz energética nacional, além de diminuir em 10% o consumo de energia em seu território. Até março passado – quando oito das usinas mais antigas foram desligadas em caráter provisório – 23% da energia usada na Alemanha vinham dos complexos nucleares do país. Segundo o ministro alemão de Meio Ambiente, Norbert Röttgen, essas instalações tiveram as atividades suspensas logo após o acidente nuclear no complexo japonês de Fukushima e já não vão mais retomar as atividades.
De acordo com o cronograma do governo, as outras centrais atômicas deverão continuar operando até 2021 – sendo que as três unidades mais modernas poderão, eventualmente, seguir produzindo energia até 2022 caso haja problemas de abastecimento elétrico durante a transição. O fim da era nuclear, no entanto, é irreversível, afirmou Röttgen.
– Foi um debate político. Não houve discussão com representantes do setor econômico ou empresas fornecedoras de energia, e não haverá cláusulas de revisão – garantiu, enfático.
Ele lembrou que a medida também faz parte do projeto de reduzir as emissões de gases-estufa da Alemanha em até 40%. Analistas, porém, alertam que usinas termelétricas a carvão terão de aumentar sua atividade e, provavelmente, crescerá a demanda pela energia de usinas nucleares nas vizinhas República Tcheca e França.
A mudança súbita de postura ocorre apenas nove meses depois de o governo de Berlim anunciar a ampliação do prazo de funcionamento das usinas nucleares do país por pelo menos 12 anos. Mas, o acidente provocado pelo terremoto seguido de tsunami no Japão, em março, segundo Merkel, influenciou na decisão alemã de rever sua matriz energética.
A decisão remete à proposta semelhante feita há 11 anos pela coalizão verde e social-democrata do então chanceler federal Gerhard Schroeder – que aprovara, à época, o fim da era nuclear até 2021. Muitos veem na mudança de Merkel, cuja popularidade vem caindo, uma manobra para conquistar votos de opositores, sobretudo no Partido Verde, que lhe impôs uma das mais duras derrotas ao vencer as eleições regionais, em março, em Baden-Wurtemberg, reduto eleitoral conservador há 50 anos.
– Não acho que ela vá arrebatar muitos votos dos verdes, que vinham promovendo essa ideia há décadas. Mas com seus aliados Democratas Livres (FDP) tão fracos e Merkel procurando novos parceiros, a questão atômica era um obstáculo importante a ser removido – observa o cientista político Carsten Koschmieder, da Universidade Livre de Berlim.
Ativistas comemoraram o fim da era nuclear, mas Merkel não escapou de críticas. Classificando a liderança da chanceler federal de confusa e oportunista, a revista "Die Zeit" lamentou a "falta de direção" do partido governista, a União Democrata Cristã (CDU). Já o diário "Financial Times Deutschland" destacou líderes regionais criticando a CDU por acreditarem que o partido deveria "seguir suas ideias e não pesquisas de opinião".
A pressão virá, ainda, do poderoso lobby nuclear alemão, que não hesita em lembrar o fantasma de apagões, sobretudo no inverno. O presidente da Federação de Indústrias da Alemanha, Hans-Peter Keitel, foi um dos primeiros a se manifestar: pedindo ao governo que não crave a data definitiva para dar fim às usinas, mas que tenha flexibilidade para observar os problemas nos próximos anos – além, é claro, do aumento no preço da energia.