Search
Close this search box.

CHILE – 40 ANOS DO GOLPE – O Brasil de Allende

Roberto Simon – Enviado Especial – O Estado de S.Paulo
 
SANTIAGO – Menos de dois meses após o golpe no Chile, o primeiro embaixador de Augusto Pinochet no Brasil, Hernan Cubillos Leiva, foi recebido no Itamaraty pelo chanceler Mário Gibson Barbosa para o que o diplomata chileno chamou de "uma entrevista transcendental". O Brasil havia ajudado os golpistas de Santiago e fora o primeiro país a reconhecer a junta militar. Agora, o governo de Emílio Garrastazu Médici prometia apoio total para conter a "campanha de intriga internacional contra o Chile".
 
O chanceler brasileiro confidenciou a Cubillos que estava sob pressão para se manifestar sobre os relatos de tortura no Chile, que começavam a tomar manchetes de jornais mundo afora. "Eu não acredito nessas denúncias", adiantou, comparando-as à "campanha do comunismo internacional (…) após a revolução de 1964 no Brasil". "Vejo toda essa experiência (no Chile) e a que viveu o Brasil e, por isso, posso lhe dizer que simpatizamos totalmente com vocês. Chile e Brasil estão na mesma trincheira", garantiu.
 
Enquanto o chanceler do Brasil louvava o golpe chileno e desprezava as denúncias de repressão em massa, agentes da ditadura brasileira desembarcavam em Santiago para prestar "consultoria" aos primeiros torturadores de Pinochet. Milhares de opositores, incluindo cidadãos brasileiros, sofreram no Chile torturas "importadas" do Brasil, as quais mantiveram nomes como "pau de arara" e "submarino".
 
O relato completo da conversa entre Gibson Barbosa e Cubillos, classificado como "estritamente secreto", faz parte de um arquivo da chancelaria chilena ao qual o Estado teve acesso. No domingo, o jornal mostrou o "Chile de Pinochet": o apoio do governo Médici à conspiração que este mês completa 40 anos. Mas também havia no Chile um "Brasil de Salvador Allende", formado por cerca de 5 mil exilados brasileiros que se envolveram na tentativa de construir o socialismo democrático no país sul-americano.
 
Várias figuras centrais da política brasileira da atualidade encontraram abrigo no Chile após o golpe de 1964. O Estado conversou com dois ex-exilados que, embora hoje estejam em campos opostos, viram-se no mesmo barco quando os golpistas triunfaram em Santiago: o ex-governador José Serra, do PSDB, que chegou a trabalhar no governo da Unidade Popular (UP), e o assessor do Planalto Marco Aurélio Garcia, do PT, que se tornou secretário de assuntos internacionais do Movimiento Izquierda Revolucionaria (MIR), uma das alas mais radicais da base de apoio da UP.
 
FUGAS. Logo após o golpe de 11 de setembro, enquanto exilados brasileiros eram caçados nas ruas, Serra e Paulo Renato Souza – que décadas depois se tornaria ministro da Educação de Fernando Henrique Cardoso – auxiliaram Marco Aurélio a encontrar abrigo na embaixada do Panamá. "Foi uma atitude muito decente do Serra", reconhece hoje o assessor do Planalto.
 
Com o pequeno apartamento onde funcionava o escritório panamenho abarrotado de refugiados, muitos deles do Brasil, o embaixador decidiu incorporar à missão a casa do intelectual brasileiro Theotonio dos Santos, estendendo a ela a imunidade diplomática. "Assim, era possível salvar mais gente", relembra Serra, que encontrou abrigo na embaixada italiana.
 
O ex-governador dava aulas de história do pensamento econômico e trabalhava na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), das Nações Unidas. Em 1972, substituiu a economista Maria da Conceição Tavares em um posto de consultoria técnica do governo Allende. "Naquele momento, já dava para ver que a coisa tinha naufragado. Havia um cenário de completo caos econômico."
 
No Chile, Marco Aurélio lecionou e, na universidade, entrou no MIR, chegando ao comitê político do grupo. "Passei por um processo de 'desbrasilização' e mergulhei na realidade chilena." Um dos primeiros do grupo a chegar na Europa após o golpe, ele ficou encarregado de organizar o MIR no exterior. Entre 1975 e 1976, levou US$120 mil em uma mala com fundo falso de Paris a Santiago, usando um passaporte falso e de barba raspada. "Antes de partir, me falaram: 'Ninguém que entrou lá (no Chile) saiu vivo'. Eu fui."
 
Serra chegou a passar uma noite no Estádio Nacional, mas – "talvez por milagre", diz – foi liberado. Dezenas de brasileiros não tiveram a mesma sorte. O arquiteto Nilton Bahlis dos Santos passou 45 dias na arena onde Garrincha conquistara a Copa de 1962, convertida em campo da barbárie. "Sabíamos que havia brasileiros ajudando torturadores. Nós fomos fichados e, depois, eles vieram. Passavam informações aos interrogadores. Tinha um que até assobiava músicas brasileiras." Segundo Manuel Contreras, ex-chefe da espionagem de Pinochet, 80 brasileiros passaram pelo Estádio Nacional. Após dias de confinamento, um grupo de brasileiros conseguiu acionar o consulado, mas os exilados foram ignorados pelo Itamaraty. Coube à Cruz Vermelha ajudá-los.
 
Diplomatas chilenos souberam antes de luta no Araguaia
 
A embaixada do Chile teve informações antecipadas sobre os confrontos na região do Araguaia, em 1972, mostram documentos da diplomacia de Santiago obtidos pelo ‘Estado’. 
 
Meses antes de o assunto aparecer nos jornais brasileiros, que estavam sob censura, o cônsul no Rio escutou o relato de um padre e uma freira vinculados à Pastoral de Marabá. Segundo o diplomata, eles foram confundidos com guerrilheiros enquanto viajavam no Pará, e acabaram detidos e “duramente tratados”. “A guerrilha estaria escondida entre as estradas Belém-Brasília e Transamazônica. Trata-se de elementos do PCdoB, segundo relatos de camponeses de Xambioá”, escreveu o cônsul Raúl Elgueta, em julho de 1972./ R.S

Compartilhar:

Leia também
Últimas Notícias

Inscreva-se na nossa newsletter